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Game of Thrones encerra como fantasia de homem que tem medo de igualdade
6.6.19Dana MartinsDepois de 8 anos, Game of Thrones chegou ao fim. Entre a tristeza por dar adeus a personagens que fizeram parte da minha vida por tanto tempo e a felicidade pelo fim dessa desgraça, eu descobri que não tava nem aí se o fim tinha sido tão ruim. Eu tava tão bem, satisfeita, pronta pra continuar minha vida e esquecer que um dia essa série existiu. Mas então o que eu tô fazendo aqui?
Tem uma coisa em especial que foi tão ruim que semanas depois continua a me atormentar: como eles mostraram a Daenerys sendo ditadora.
Teve gente falando que os fãs não gostaram só porque idealizavam a Daenerys como boazinha e aí ficaram emburrados quando as coisas não aconteceram como eles queriam. Justo, não duvido que esse tenha sido o caso pra muita gente.
Os que gostaram diziam que tudo o que aconteceu fazia sentido.
Pra isso eu só tenho a dizer: é óbvio que fazia sentido. Os escritores (eu espero) não tiraram a história do cu, eles tentaram fazer algo. Não significa que foi bom de assistir ou deu certo.
O que nos leva à principal crítica de que quem não gostou: Foi mal desenvolvido. Em muitas coisas, eles forçaram acontecimentos. Mutilaram personagem só pra caber na história que eles queriam contar. Na ânsia pra criar uma "surpresa," eles decidiram simplesmente jogar tudo no penúltimo episódio como uma reviravolta, e nem isso fizeram bem. Às vezes até me pergunto se eles tentaram de verdade fazer um final marcante, ou jogaram tudo de qualquer jeito porque todo mundo ia assistir mesmo e eles já estão ricos, então quem se importa?
Por mim, eu não tô nem aí pra essas coisas. Já foi. O ano é 2019, quem sabia que a série é ruim já sabia. Quem vai lamber o saco deles até morte vai continuar lambendo.
Agora, o que eu quase não vi ninguém falar, e o que pra mim é a pior parte, é a moral dessa história toda. Ainda mais se você considerar a época em que essa série está sendo lançada.
A história da Daenerys é a de uma mulher branca que foi vendida pelo próprio irmão, estuprada, repudiada, seu poder roubado, sua família assassinada (inúmeras vezes). Ela construiu sua identidade na crença de que ia recuperar o que era seu, crença essa que foi fortalecida quando ela pariu uns ovos de dragão lá. Porém, na sua jornada de empoderamento, ela acaba desafiando políticos corruptos e libertando povos da opressão. Ao ponto de que ela quer "quebrar a roda" e acabar com opressores no mundo inteiro.
Essa história nunca foi perfeita, cheia de complexo de salvador branco. Tem muita coisa racista, considerando que ela era a única associada a povos de culturas diferentes, constantemente tratados como exóticos, selvagens e violentos. Era tão ruim que chegava a ser difícil de assistir, mas a série nunca abordou isso com um olhar crítico. No olhar de Game of Thrones, Daenerys era a salvadora boazinha guiando o povo em direção a liberdade.
O que ela queria de verdade? Recuperar a posição que foi roubada de sua família? Libertar o povo? Não sei. Pelo que a série desenvolveu, ela queria era pegar o Jon Snow. (e não é nem piada, tem uma cena antes dela soltar os cachorros onde ela tenta ficar com o Jon, ele se recusa, e ela fica tipo "se não tenho amor, então só me resta quebrar a porra toda.")
A Daenerys por si só já é uma personagem bem ruim, porque apesar de ter um conceito sinistro, o que nós vimos na maior parte do tempo foi uma boneca de pano com peruca loira que tinha dragões.
Nesses momentos até faz sentido o final. Tudo o que eles deixaram a personagem ser foi alguém que tentava fazer algo e quando não conseguia chamava os dragões. (e aí dá até pra argumentar que teria sido chocante de verdade se no último instante ela não usasse os dragões)
Mas enfim, no meio dessa misturada escrita de qualquer jeito, não dá pra negar que a personagem foi retratada como alguém (a única pessoa) que lutava pelo povo. E o discurso dela na série é muito parecido com qualquer discurso de luta por direitos humanos no mundo real. É aqui que a coisa começa a ficar feia.
Os criadores da série decidem que é essa personagem, sem desenvolvimento nenhum e feito de qualquer jeito só pra "chocar," é que vai ser a maior vilã.
De todas as alternativas possíveis, essa é a história que eles querem contar.
Eu lembro de alguns anos atrás quando, diante de uma discussão sobre representatividade LGBT+, alguém reclamou que isso era uma "ditadura gay," com essas palavras. O mero ato de alguém querer se ver na ficção era a ditadura, mas o fato de que a ficção é dominada por gente hétero e chegam a proibir personagem LGBT+? Ah, não. Isso não.
E esse pensamento continua aparecendo. Um filme de super-heroína no meio de 30 outros? Mas agora TODOS tem isso!!!! Pantera Negra? Cadê a diversidade nesse elenco de maioria negra????
Existe esse orgulho ferido de homem que está acostumado a dominar tudo e vê qualquer diversidade como uma imposição ditatorial.
É aquele cara que diz que é censura quando alguém comenta que ele tá falando merda. Você conhece esse cara.
A finale de Game of Thornes é o pensamento desse cara transformado em historinha.
E a série não faz isso silenciosamente. Quando Daenerys sobe ao poder, ela se dirige ao seu exército - representado na maioria como o povo estrangeiro que ela trouxe pra o país - e ainda fala em uma língua estrangeira. Tudo isso ao lado do único ator negro de todo o elenco e em um cenário que faz paralelo com os discursos de Hitler.
Me diz se isso não é uma afirmação do medo do americano caipira que usa boné de "Make America Great Again" e que saiu por aí rechaçando quem falava outra língua depois que o Trump foi eleito? O Obama presidente pra eles foi a Daenerys - um cara negro, "destruindo" seus valores, povo, trazendo estrangeiros e com esse discurso de igualdade. (Fique à vontade para fazer o paralelo com o Brasil e o que mais quiser. O medo do cara que chamava feminista de "feminazi," de gente que fala que nazismo era de esquerda...)
A série tem muito mais momentos que tornam isso pior. Por exemplo, temos no norte (lugar de origem dos Stark, que encerram a série como heróis) o povo olhando estranho para a Missandei, e ainda logo depois os escritores fazem um diálogo colocando na boca dos únicos dois personagens negros que aquele lugar não é pra eles. Não satisfeitos, eles estabelecem os Stark e o povo do norte como orgulhosos de serem xenofóbicos, em um diálogo entre personagens emblemáticos como Arya e a Sansa. E Game of Thrones ainda se dá o luxo de colocar o Tyrion usando o fato da Daenerys ter lutado para libertar os povos como indício de que ela estava errada. E quando a série usa a Daenerys matar o cara careca (que a traiu) como sinal de que ela passou do limite da crueldade, sendo que na temporada anterior temos a morte do Mindinho orquestrada pela Sansa e pela Arya de forma parecida.
Ou quando a morte de uma mulher negra é o principal catalisador pra revolta da Daenerys e do Grey Worm, que é completamente retratada como errada.
O ponto é que vilões/monstros na ficção costumam se originar de medos reais. No nosso mundo, algumas coisas são apenas preconceitos, meras ilusões criadas por causa do medo (Ex: medo de que as lutas pela justiça vão terminar em uma ditadura contra homens brancos). Na ficção, esses preconceitos se tornam concretos, sendo tratados como a verdade absoluta (a luta pela justiça virou, de fato, uma ditadura). E, por consequência, a ficção se torna uma justificativa pra o medo real, fortalecendo-o.
Game of Thrones encerrou com uma fantasia máxima desse homem que tem medo que o discurso de igualdade signifique uma ditadura. Isso em uma época que esse exato medo colocou no poder presidentes extremistas. E fizeram isso na frente de todo mundo, enquanto o povo brigava se fazia sentido narrativamente ou não.
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18 comentários
ResponderExcluirPerfeito!
GOT nunca foi uma série que me vi apaixonada ou viciada como é com muitas pessoas, e só se mostrou ainda mais aquém com esse final decepcionante.
Mas em uma análise mais profunda como vc fez, e muito bem colocado por sinal, GOT acaba sendo ainda mais 'fraca' do que muitos diriam ter sido somente a última temporada. Desde o inicio, a própria estrutura com que foi organizada, como vc disse, "a moral", está 'bagunçada' de modo que se perdeu ao longo do enredo e ao fim tornou insana. Tentando justificar atos atroz de situações semelhantes trazendo extremidades diferentes e usando isso para se orientar com: quem é o "mocinho" e quem é o "vilão".
Eu brincava com minha irmã dizendo que a gente só assistia pela Cersei. Não pq ela é "vilã" ou "mocinha", mas simplesmente pq ela é uma personagem que vai tentar de tudo por ela mesma não importava pelo que passasse. Porém até a Cersei, como personagem, tem inúmeros defeitos (sempre achei medíocre a forma que ela tratava o Tyron argumentando que ele tinha causado a morte da mãe... para uma personagem tão inteligente e visionária, usar esse tipo de argumento para ferir algúem é tão.. baixo, e se formos analisar biologicamente a família, todos os argumentos para tratar Tyron com repúdio é insuficiente, pq o fato dele ser anão é genética, então (a) ou a mãe deles é anã, e desta forma, o amor todo que tinha pela mãe e o repúdio pelo irmão fica incompreensivo, ou (b) possuem pais diferentes, e aí a história só se complicaria ainda mais.).
Mas deixando esses casos à parte, Cersei foi uma personagem com uma estrutura igualmente difícil (como a Daenerys), e teve também seus momentos de tirana, mas também foi mal construída (como todo o enredo por sinal), onde parecia que não tinha um foco para a personagem (num momento, até penso que colocaram ela ali para ser "a vilã" até que a Daenerys percorresse todo o caminho '-'), mesmo tendo diversos pontos pra ser explorados, o foco sempre ia para o "mocinho" do momento (mesmo que o "mocinho" estivesse fazendo coisas igualmente atroz como é o caso de toda a família Stark), e mesmo depois de 7 temporadas com ela em seu auge, tem uma morte insignificante (pelo menos eu achei, talvez seja pq o resto parecia tão desinteressante, que desejava pelo menos que, a personagem da Cerse fosse explorada até o fim como uma "vilã" de fato).
E aí que... se fazermos qualquer outra análise mais profunda, tentando associar com a realidade, preconceitos, feminismo, racismo e outras preconceitos, medos e lutas, GOT acaba se tornando ainda mais miserável em sua escrita mais pura.
confesso que eu não aguentava a série. só assisti porque ia acabar
Excluire concordo com tudo!
A serie morreu la pra quinta temporada quando eles pararam de seguir os livros. Eu parei lá e so voltei a assistir em 2017 com o espírito de que ja ia terminar como qualquer coisa, talvez seja por isso que minha decepção não foi taaaao grande, ja que eu sempre soube que o verdadeiro final estaria nos livros, já que a série chega a nem apresentar personagens que existem e são importantes. Vamos falar a verdade, quem assistia a série e esperava algum final não merda se iludiu muito. Eu imagino que os diretores da série tentaram não terminar ela de maneira obvia, mas acabou que ficou muito forçado. Se queriam colocar Denerys como vilã final, poderia ser de uma maneira épica, ela poderia ser o novo Darth Vader... e a pessoa que a enfrentaria poderia ser também uma mulher como por exemplo a Arya. Mas fizeram de maneira tosca. Poderiam ter feito 10 episodios bem feitos, mas no final fizeram seis episidios finalizados de maneira avacalhada e destruiram uma personagem de modo tosco. Alias, destruiram muitos personagens. Aquilo que fizeram com a Brienne foi absurdo, achei ultrajante com a personagem, muito pior do que o q rolou com a Daenerys.
ResponderExcluirEu já tinha parado de assistir antes e só voltei (E aguentei) porque eu assistia com uma amiga. Eu não esperava que fosse ser ruim, mas eles conseguiram me surpreender com o quão ruim foi.
ExcluirTiraram os botões de reação? o.o
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