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Organize sua esperança

23.10.18Colaboradores CC



Eu sei como você começou a semana.

Se você tem ideia do que está acontecendo, essa segunda amanheceu nublada mesmo se estiver fazendo sol. Alguns com a força testada, sem saco pra falar, conversar, militar. Outros com a esperança cansada, já aceitando o que se espera pro dia 28 de outubro.

Em alguns sussurros, amigos pensando em sair do Brasil. Em outros, o soluço de quem precisa ficar. O céu violentado, as expectativas baixas, o futuro incerto. Como que se luta daqui pra frente?

Talvez tenhamos perdido o momento. A gente sente que hoje está difícil de conversar. Eu escuto muito que o “outro lado” não quer diálogo, que parece que existe um muro entre nós e eles. Mas esse muro não foi levantado agora. Esse é um projeto de anos de informações falsas, entendimento precário e distorção da realidade. Eu lembro de ter cantado essa pedra em 2016. Talvez desse tempo de atravessar a barreira se nos importássemos em 2016 como nos importamos agora.

Mas em 2016 talvez você não empatizasse tanto, ou não deu a devida importância à violência que já existia a quem fazia oposição. Lembra dos professores em Curitiba em 2015?

Foi muito sangue no chão.


Mas até o presente momento, você se posicionava como tem feito? Via ao seu redor as pessoas se importando em comunicar, ou a maioria só fazia ar de superioridade e não tinha paciência pra dialogar? Tenho certeza de que era mais fácil dialogar antes do que agora, mas a gente não se importava de dialogar antes né?

Eu to perguntando isso, mas não quero te deixar mais triste. É que olhando pra trás que se pensa na frente.

Se ainda te resta um pouco de força agora, segura. Se ela acabou, se fortalece. Por que depois que esse turbilhão passar, quando a maré abaixar, a gente vai precisar navegar de novo. É claro que as águas ainda vão estar turvas, e a gente não sabe o que vai vir por aí. Mas a comunicação, a empatia, é trabalho de formiguinha, é diário. Pra gente colher algum fruto bom daqui há uns anos — espero que sejam somente 4 — precisamos começar agora. Porque independente do resultado, o fascismo já está nas pessoas.

São elas que estão elegendo um candidato que prega uma cultura de extermínio.


Elas se identificam com ele.

Eu tenho medo do cenário independente dele ganhar ou perder, porque essa identificação não vai morrer. As pessoas vão continuar fascistas. E eu duvido você continuar articulando como está fazendo agora caso ele perca.

A gente não pode tirar nossa responsabilidade das costas como fez na pós-eleição de 2014. Esse descanso também foi responsável pelo que tá acontecendo agora.

Se o seu ativismo de agora tá te adoecendo, tá te fazendo mal (como fez mal pra mim e me deixou 2 dias no soro), encontre uma maneira confortável de fazer a sua parte. Mas por favor: não se cale de novo. Deixemos nossa voz ressoar pelos próximos anos. Deixe ela vibrar pra, com o tempo, quebrar esse muro. Minha psicóloga usou uma frase que movimentou algo dentro de mim: “Nós não vamos ter novamente uma ditadura que dure 20 anos. Por que vocês nasceram.”

E o presente talvez nós tenhamos perdido, mas o futuro nós ainda temos.

Há força na sua resignação.

Não deixe a desesperança tomar conta de você. Nós temos uns aos outros, e vamos reconstruir o futuro juntos.




***

Sobre a autora: Shah Aguiar é capricorniana, feminista, negra e gorda, viciada em papelaria, designer e CEO da Mascavo Criativo. Ama palmito e acha que nada é por acaso. Não sabe falar de si mesma em biografias, mas traduz o que sente em poemas. Você pode ler mais textos dela no seu perfil do Medium ou segui-la no Twitter.

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