análise
Animação
[CCCrítica] PéPequeno é uma animação madura que discute coisas essenciais para o mundo nesse momento crítico
12.10.18Jota Albuquerque
Pé Pequeno, à primeira vista, tinha uma premissa comum, semelhante ao que se espera de um filme de animação: que entretenha as crianças, fale sobre amizade e otimismo perante a crueldade do mundo em que vivemos. Porém, quando fui ver o filme com meu avô, as minhas expectativas, que estavam medianas, foram muitíssimo bem ultrapassadas, provando ser um filme que traz uma maturidade e consciência histórica e social incrível.
Tudo começa com essa introdução de Migo (o protagonista, na voz original de Channing Tatum), sobre sua vida familiar e social, explorando o ambiente central da história: a cidade dos Yetis. Essa cidade é bem organizada, tecnológica na medida do possível e todos são felizes. Até aparecer um avião, que Migo chama de "ave de metal", de onde sai um PéPequeno (um ser humano), lhe causando o banimento da sociedade pelo Guardião das Pedras*, por "mentir falando que Pés-pequenos são reais".
*nas pedras estão as leis e história e verdade da sociedade dos Yetis. O que está ali é a verdade absoluta. O que faz uma alusão à Bíblia. Servindo, mais pra frente, como uma crítica.
Um adendo aqui: tentei fazer esse texto o máximo livre de spoilers diretos, mas pode ter escapado, então siga sabendo do risco. |
Pausa para dizer que algo que eu amei sobre a cidade e os personagens foi o uso de tons pastéis com cores frias e quentes, que criou um ambiente não-agressivo para os olhos de quem vê.
Prosseguindo, no desenrolar dessa primeira parte da trama, Migo faz amigos, desvenda segredos e aprende a lidar com as os questionamentos que nunca lhe foram permitidos. E com esses amigos, ele decide dar o próximo passo que é sair completamente da zona de mentiras vividas e descer as nuvens da montanha do Himalaia para o incerto, correndo o risco de "cair para sempre no Nada" (você vai entender depois que assistir).
Enquanto isso, temos o humano Percy, que serve como um co-protagonista, "o outro lado da história", que de íntegro (como ressaltado pela amiga e produtora dele, Brenda), se mostra um ser corruptível pela fama que um dia teve e desesperado por ter tantas dívidas, em busca de algo único para atrair mais pessoas para o seu programa, acaba tendo a ideia de enganar seus seguidores com a história de "ter visto um Yeti" após ele se encontrar com o homem do primeiro ato de todos os problemas de Migo, o que faz Brenda dar um chega e ir embora do bar que eles estão.
O feitiço se vira contra o feiticeiro e Percy, ao sair do bar, dá de cara com Migo, que quer levá-lo para a sua sociedade, para assim não permanecer banido. E depois de uma certa resistência, tudo funciona ao favor de Migo, que empacota Percy em um saco de dormir e começa a escalar a montanha, onde enfrentam um perigo que mostra para Percy que ele pode confiar em Migo.
Claro que eu vou parar de contar a história a partir desse ponto, mas deixem-me continuar a crítica sem spoilers, para não estragar a experiência de ninguém.
O desenrolar da trama traz questões muito importantes, como o questionamento de regras impostas, diferenças de consciência histórica e social, e como desenrolar os fios embolados dessas consciências pode traçar um novo desenrolar na história de qualquer pessoa. E isso que me deixou ainda mais interessado pela história (além da amizade recém formada entre Migo e Percy após a escalada na montanha), o fato de trazerem questões importantes que estamos vivendo hoje (especialmente aqui no Brasil, com essa eleição sinistra, onde o fascismo comanda), é algo que mostra um amadurecimento que eu vi crescer demais recentemente nos filmes de animação.
Para ilustrar melhor a situação; Migo descobre um segredo que há muito move seu povo, lhes deixando nas sombras, totalmente na ignorância da realidade. E então lhe é dada uma opção, que na verdade é uma manipulação mascada: "Conhecimento é poder, agora você tem que escolher o que fará com esse poder... Será que vale a pena deixar seu povo com medo?", pressionam.
E apesar de serem feitas escolhas erradas, é sempre mostrado que você pode voltar atrás, mudar de ideia e melhorar. O que é ótimo, afinal é importante mostrar e falar sobre a história de seu povo que ele não pode mudar, e que por mais doloroso que seja, é necessário tratar sobre essas coisas. Esse tipo de conhecimento, que lhe deu o poder de mentir e tapar os olhos, é importante de ser espalhado, de ser conhecido, assimilado e enfrentado junto. (Isso lembra algum período historicamente horrível? Nazismo ou Ditadura Militar, talvez?)
E apesar de serem feitas escolhas erradas, é sempre mostrado que você pode voltar atrás, mudar de ideia e melhorar. O que é ótimo, afinal é importante mostrar e falar sobre a história de seu povo que ele não pode mudar, e que por mais doloroso que seja, é necessário tratar sobre essas coisas. Esse tipo de conhecimento, que lhe deu o poder de mentir e tapar os olhos, é importante de ser espalhado, de ser conhecido, assimilado e enfrentado junto. (Isso lembra algum período historicamente horrível? Nazismo ou Ditadura Militar, talvez?)
"A ignorância é uma bênção", ele repete ao pai, que recentemente teve um "despertar" da própria ignorância e senso comum, o que trilha seu caminho para o desfecho dessa segunda camada. Se a primeira era da busca do Yeti pelo PéPequeno (consequentemente tratando sobre o questionamento de "verdades corretas" impostas para si), agora tivemos um dilema que pôde ser resolvido pela escolha de como aplicar o seu poder (conhecimento), aprendendo com os próprios erros e repetição da história - seja dele mesmo ou de seu povo [isso também vale para o Percy].
Quem ver essas cenas, vai ligar que essas duas cenas são o desfecho da escolha perante o poder dado pelo conhecimento |
E isso nos leva para a última camada do filme: aceitação da diversidade.
Depois de terem recuperado suas qualidades mais potentes, há duas escolhas que podem ser feitas, e quando uma é feita, eu só sei dizer que a cena me fez querer chorar demais. Principalmente com a música de fundo... Sendo assim, se prepara que tem spoiler no texto em branco abaixo (selecione se quiser ler):
Os lindíssimos dos Pés-grandes decidem sair lá da montanha e descem para o mundo dos humanos. E tem essa cena de baixo, da imagem que tiraram do filme, em que os policiais chegam e bloqueam eles, mas daí o Percy passa por eles e se junta. Daí Brenda faz o mesmo, seguida aos poucos de outras pessoas. E claro que eu chorei demais, só de pensar e escrever eu já to pra chorar de novo.
Então, o filme chega ao fim e mostra que veio não só para entreter, mas também para fazer diversas críticas sociais importantíssimas, trabalhando com questões de filosofia, história e sociologia. E as cores são muito bem utilizadas, como por exemplo, os humanos tem cores mais vibrantes, o que também é representado pela cidade. Além de claro, as histórias pessoais dos personagens principais (e até mesmo dos coadjuvantes) é muito bem contada, sem deixar pontas soltas. Só sei dizer que amor foi pouco o que senti por esse filme.
Enfim, é muito importante que as animações de hoje possam refletir o que vivemos, passando uma mensagem empoderadora não só para as crianças, mas qualquer um que queira ver. Para se ter uma noção, eu chorei no final do filme e tive que me segurar porque não queria chorar igual um bebê numa sessão que tinha gente atrás de mim.
Por isso, peço que confiram o filme e enalteçam ele onde for possível, porque ele merece.
Título: PéPequeno
Classificação: Livre
Ano: 2018
Direção: Karey Kirkpatrick
Duração: 97 minutos (cerca de 1 hora e 37 minutos)
Gêneros: Comédia, Família, Animação
TAGS:
análise,
Animação,
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cinema,
Cinema 2018,
crítica,
diversidade,
diversidade cultural,
João Paulo Albuquerque,
PéPequeno
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