O mundo realmente espera que nós não estejamos nunca satisfeitas com a nossa própria aparência, com as nossas conquistas, com a nossa personalidade. Todo esse desamor se perpetua na nossa vida. Então começo esse texto dizendo que se amar é um ato revolucionário. Já na adolescência é difícil achar uma menina satisfeita consigo mesma, além de ser uma fase muito controversa. É onde estamos formando quem nós somos e descobrindo o mundo de outras formas, e ao nosso redor somos bombardeadas com expectativas sociais e pessoais.
Gostar de si mesma, seja na aparência, na personalidade ou habilidades, deveria ser um ideal, ou pelo menos mais uma das expectativas que nos rodeiam. Mas a verdade é que boa parte das pessoas que dizem que nós precisamos nos amar são as primeiras a colocar à prova sua autoconfiança quando você grita pro mundo que já está feliz. No momento em que afirma isso, todos esperam que a sua autoestima, sua felicidade ou qualquer um dos sentimentos humanos sejam uma constante e fiscalizam se em qualquer um dos momentos você dê a entender que não está feliz naquele dia: seja porque colocou uma roupa que não caiu bem, ou porque está num bad hair day. Já que você gosta TANTO ASSIM de si mesma, não deveria estar se sentindo dessa forma, correto?
Eu sou uma pessoa autoconfiante, com uma autoestima péssima. Repare que são coisas diferentes. Eu tento todos os dias me amar como eu sou, aceitar que não sou o padrão modelo, que sou gorda e que posso ser feliz assim também. Eu sempre tentei transparecer e afirmar essa opinião na tentativa de que as pessoas parassem de fazer comentários agressivos sobre meu peso e minha saúde, que está em dia, obrigada. Mas basta que eu comente despretensiosamente que não me senti bem com alguma roupa, que já “dou abertura” pra alguém falar que minha gordura abdominal está muito grande. E se eu retruco com o fato de não me importar com isso, ou que estou de boa com essa realidade, a pessoa vai catar aquele dia lá atrás em que eu não me senti bem com um vestido pra dizer “você não se sente tão bem assim como diz, outro dia mesmo estava se sentindo gorda com aquela roupa”.
O mesmo aconteceu com o cabelo. Em 2011 foi o ano do meu Big Chop, o ano em que eu me reconheci como negra e resolvi conhecer meu cabelo. Minha mãe o alisou com 4 ou 5 anos de idade então se eu te falar que eu não lembrava como meu cabelo era, acredite, eu não lembrava mesmo. Passei minha adolescência inteira com o cabelo alisado, tentando me encaixar num padrão que não era o meu, sem entender que todas aquelas figuras não me representavam (quem é negro e viveu o emo em 2007 sabe hahahaha). Então você imagina como foi libertador cortar todo o meu cabelo e me reconhecer, aprender a me amar a partir daí. Mas bastou ver essa satisfação que terceiros, pessoas que não falavam comigo há sei lá, 5 anos, viessem bradar na minha cara o quanto aquilo tinha sido um erro, que eu estava parecendo um menino e que estava ridícula. Ué, mas eu não deveria tomar atitudes que me fizessem sentir bem?
Essa hipocrisia, essa corda bamba entre “você precisa fazer coisas que te façam bem” e “desde que esteja dentro da minha normatividade” traz um problema sério quando a gente pensa que está caminhando pra aceitação, pra um mundo mais tolerante e incluso. Porque quem está na segunda fase, a fase de lutar pra se aceitar, precisa ficar provando 48h por dia que está convicta e 100% feliz, porque do contrário você deveria estar se encaixando nos padrões que colocam pra você. E que isso sim te traria felicidade. Só que não.
A gente sabe que “só que não” quando pega as nossas fotos da adolescência e percebe que (eu) não era gorda, mas sempre acreditei que fosse. Não era feia, mas sempre me diminuí. Não era pior que nenhuma das minhas amigas, mas nunca achei que fosse encontrar alguém que gostasse de mim. Eu era bonita, magra, alisava o cabelo, estava dentro do que esperavam e ainda assim não me via com bons olhos, não era gentil comigo mesma, e ouvia os mesmos comentários que ouço hoje. Porque pro mundo a gente nunca vai ser suficiente, nunca vai bastar.
É por isso que se amar é revolucionário. Mesmo que a sua autoestima oscile, mesmo que nem todo dia a gente se sinta bem, afirmar que se ama é a dose de amor que a gente precisa pra bastar pra nós mesmas.
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Sobre a autora: Shah Aguiar é capricorniana, feminista, negra e gorda, viciada em papelaria, designer e CEO da Mascavo Criativo. Ama palmito e acha que nada é por acaso. Não sabe falar de si mesma em biografias, mas traduz o que sente em poemas. Você pode ler mais textos dela no seu perfil do Medium ou segui-la no Twitter.
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