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[Crítica] 'Macho' é um filme com abordagem LGBTQ errada

18.4.18Jota Albuquerque


Tem muito tempo que eu quis ver o filme Macho (disponível na Netflix) e quando eu finalmente vi, eu me senti atacado e extremamente ofendido.

A história, em resumo, se trata de um cara hétero que se diz gay para poder fazer parte do universo da Moda. Tem uma cena que ele - aparentemente em um único momento de sensatez - fala para a amiga que "ninguém vira nada, nasce", mas ela diz que ele só precisa expandir a preferência sexual dele... Conforme o filme anda, quando dá tudo errado e ele é descoberto, ele vai pra casa ficar com a mãe dele, daí ele conta que é hétero e ela fala que sabia e que entendia que "ele não negava ser gay desde que sabiam que ele queria moda porque assim podia desfrutar dos privilégios gay" (coisa que não existe, a única coisa que existe é privilégio hétero). A história gira em torno disso, essa questão da mentira dele e sexualidade.

O filme inteiro parece ser uma grande comédia depreciativa com tudo relacionado a rótulos e todos LGBTQs. E o pior é que é normalizado. Como se tudo bem essa agressão em forma de filme. Outras cenas que valem a pena lembrar pra dar mais pontos para a abordagem merda em assunto LGBTQ nesse filme:

- Teve uma cena que o cara que ele tá usando para não ser desmascarado dá um beijo nele e desce a mão para o amiguinho dele, ele dá mais um chilique (não é o primeiro nem o último no filme) e começa a chutar e ofender esse cara (que se chama Sandro).

- Quando deu merda, tem uma cena da comunidade LGBTQ falando na televisão sobre ele ter mentido e se aproveitado da violência sobre as minorias, cortando para o principal que falava com a amiga sobre dizer na abertura do desfile lá "Evaristo não virá porque se suicidou por causa dessa sociedade intolerante".

- Após ele e Sandro ficarem uma noite juntos, Sandro tenta dizer para ele que "sexualidade não é algo fixo, não faz sentido chamar alguém de hétero/gay, um dia alguém pode gostar de pão e no outro de fruta". Primeiro invisibiliza outras sexualidades e claro, é um discurso a favor da ideia de que LGBTQs podem virar LGBTQs, sendo que não é assim.


- Antes do desfile satirizam as siglas da comunidade LGBT (o diretor não é muito a favor de rótulos, então ao invés de fazer uma reflexão prestativa, ele tira sarro).

- Em vários momentos é reforçado que a sexualidade é algo que pode ser expandido ou mudado. Quando não é assim, se fosse, seria muito mais fácil viver nesse mundo.

- No final, Evaristo se casa com Sandro e outra mulher, a Vivi. Em momento algum o conceito de poliamor foi trabalhado ou desenvolvido, então ficou jogado no filme e perdido.

É simples: não é legal você satirizar rótulos de identidade. Não é legal reforçar que LGBTQs tem privilégio (quando na verdade é o contrário, héteros cisgêneros são os únicos com privilégios). Nem falar que alguém pode virar gay, lésbica, etc (se fosse assim ia ser fácil abaixar o número de LGBTQs mortos no Brasil e no mundo). Muito menos fazer parecer que a sociedade é intolerante com héteros (não só é desrespeito, como falta de caráter falar isso).

Quer fazer um filme que analise e questione rótulos? Ótimo, faça! Mas estude, estude não só o tema, como a importância para os outros. Faça um filme consciente, não babaca que normaliza atos homofóbicos sem recriminação de tais atos ou vitimizando hétero.

O filme perde toda a graça e divertimento que havia proposto justamente por essas coisas, muitas das graças que tentam fazer é com cenas homofóbicas (como o Evaristo chutando o Sandro). É um filme que reforça a visão preconceituosa da sociedade sobre LGBTQs, é um filme feito sob a visão homofóbica utilizando do gênero LGBTQ pra passar as coisas de modo errado. Foi o pior filme que vi esse ano e olha que 2018 só está no começo.

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2 comentários

  1. Acredito, piamente, que Macho não tem a proposta de trazer uma reflexão a respeito de nada. Trata-se de uma comédia pastelona que usa como tema de fundo uma questão polêmica, condizente com a comunidade LGBTQs, e se articula em torno dela com ares de problematização sem de fato dar sequer verdadeira importância para ela. Sim, quando se fala a respeito da forma como o filme traz esses elementos, isto quando raramente o faz, ele faz das formas mais erradas possíveis. Evaristo é homofóbico e explicita isto no tratamento intolerante para com Sandro e, em outro momento, com o reporte de seu documentário, fato este que fica visível na pergunta que o faz ("Você é menino ou menina?!), acho que dessa forma até transfóbico podemos lhe acrescentar como rotulo. Todavia, no meu pouco entender, Macho não tinha de fato esse compromisso, o máximo que faz é se pautar na ideia de mundo reverso, no qual situa-se a negação da sexualidade mediante as pressões sociais e até mesmo a dificuldade de aceitação própria, neste caso a questão assume papel reverso, na ordem gay-hétero, ou seja, um “hétero no armário”. Por tais motivos é que se fala de um comportamento esperado, já que Evaristo assume "trejeitos" que o afeminam, logo, facilitadores para que se apodere do título de "gay" quando de fato não era, e até mesmo, de uma "sociedade intolerante", como você mesmo coloca. No mundo de Macho o esperado e o privilegiado é ser gay, oposição a forma que Evaristo assume, sendo hétero, ou seja, lá, de uma forma muito clichê e mal elaborada, ele se coloca como minoria no contexto construído.
    Ps: continua~~

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  2. Desculpe, não coube num só comentário!
    Outro ponto discutível é o que Sandro traz quanto a sexualidade (o único que dentro de Macho parece ser o mais lucido, enfim, que esteja em um bom lugar). Ao meu ver a proposta era dizer que a sexualidade é construída, sim, ela perpassa por uma moldagem que vem do intimo ao social, podendo ser estes os alicerces que dela se brotará ou até mesmo algo mais intrínseco ao próprio individuo de forma a ser inalterável, novamente aqui me incomoda tentar enxergar no que ele fala um discurso de caráter discriminatório. Sandro quer demonstra que Evaristo pode sim sentir algo por ele ao mesmo tempo que pode gostar de garotas, ou até mesmo apela para faze-lo entender que se “descobriu”. Se a sexualidade fosse algo estático por regra, isto seria impossível. Basicamente você pode estar com quem lhe agrada estar sem precisar ser gay/hétero e afins.
    Novamente devo afirmar que Macho não é um filme reflexivo e não leva suas questões a sério, feito para rir de si mesmo, em situações de até mal gosto, todavia, aborda-lo tão unilateralmente não deixa espaço para o filme sequer existir em sua própria proposta. Algo que achei interessante — e que não fora abordado — foi que Evaristo na conversa com a sua mãe fala do comportamento esperado dele e do seu não enquadramento nessas expectativas, ele refere-se ao ideal do homem cis socialmente empregado, que deve ser forte, viril e monocromático, características que ao fugirem de sua personalidade fazem que ele assuma indiretamente o que já lhe atribuíam, que é ser gay e com isso vislumbra a possibilidade de atingir seus objetivos e até mesmo de “se dar bem” com o sexo oposto. Estas pressões não são levadas tão seriamente dentro de Macho, mas são fatores repressivos e coercivos no seio social e achei bem marcante. Um fator menos importante no filme, é o quão gato o autor de Sandro (Renato López) é e que o figuro do elenco é bem trabalhado, para um filme de moda de baixa produção achei o esforço plausível a umas segundas olhadas. Enfim, é isso, desculpe-me o vexame se me equivoquei em algum aspecto, mas infelizmente meu mal gosto irremediável me fez querer opinar em sua crítica por dois motivos: o primeiro é que um texto bom merecia mais comentários e segundo, como já explicitei, tenho mal gosto e gostei do filme apesar de todos os empecilhos que me fariam repudia-lo. Provavelmente procurei uma flor no meio do deserto, tentando garimpar algo positivo nesse filme que poderia, mas não foi, o palco para a discussão de construção de gênero e o Pink Money como outro telespectador bem colocou num comentário aleatório que li sobre.
    Beijos e ótima crítica!

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