Março é o mês do dia internacional da mulher, em vista disso, nós do ConversaCult resolvemos fazer uma série de matérias especiais. Eu já tinha levantando a mão no estilo Hermione dizendo querer falar sobre mulheres no mundo literário , e eis que o universo conspira ao meu favor me relembrando sobre a leitura de um “texto” inspirador.
No início de 2017 chegou ao Brasil, através da editora Companhia das Letras, um livreto da Chimamanda Ngozi Adichie que para além do nome da autora, despertou meu interesse pelo título: Para educar crianças feministas. Esse “manual” é estruturado como uma espécie de carta que a autora escreveu para uma amiga que havia acabado de ser tornar mãe de uma menina, e juntamente com todas as dúvidas a cerca da maternidade, também se via preocupada em como educar uma criança feminista.
O fato de Ijeawele, a amiga, ter buscado conselhos com a Chimamanda foi algo que me encantou de cara, e trouxe um sentimento de identificação, porque quantas de nós mulheres não recorremos à ajuda de amigas, mães e tantas outras figuras femininas próximas atrás de apoio e de sugestões sobre como agir? A icônica frase de Simone de Beauvoir “não nascemos mulheres, nos tornamos mulheres” me remete muito a esse papel que as mulheres vão desempenhando uma nas vidas das outras. Somos, talvez, o aglomerado de todas as mulheres que ouvimos, vimos, admiramos. Mulheres que procuramos por conselhos, por colo.
Nesse livro, Adichie reuni sugestões para dar à amiga, numa premissa do que é ser feminista, e do que é ser feminista na realidade delas. Há de se levar em conta, e isso fica claro no livro, que elas estão inseridas numa comunidade extremamente machista e conversadora, e é com um texto sensível, mas direto, que a autora transmite tudo que aprendeu e viveu até agora para a amiga, agrupando numa só, as mulheres que formaram quem ela é hoje.
Logo no início do livro, nos é deixado de maneira clara que ser feminista é lutar todos os dias contra a forma em que a sociedade está estruturada, não é algo que se acabe, é um processo constante de mudança e coragem. Mas não pensem que o livro é difícil, duro ou sofrível, longe disso. Aqui somos agraciados por uma escrita delicada e acolhedora, percebe-se o carinho com o qual a Chimamanda vai falando com a amiga, e conosco. Assim, seu primeiro conselho é que sejamos uma pessoa completa, e para isso, devemos estar ciente que somos falhos, vamos errar e que isso é normal e esperado. Mulheres sempre foram expostas a um ideal de perfeição, mães enfrentam a cobrança de saberem tudo. Afinal, nascemos com um instinto materno que nos fornecem todas as respostas, não é mesmo?
Mas isso é mentira, e Adichie nos alerta para não sermos definidas pela maternidade. Devemos buscar sermos uma pessoa completa. Antes de sermos mães, filhas, esposas, somos mulheres, e no caso da Ijeawele, é bom que a filha dela veja isso, é um exemplo de mulher que a ajudará a formar a mulher que ela está se tornando. Esse é um primeiro passo de consciência de pertencimento, e nos ajudará a reconhecer o outro nas suas limitações e qualidades. E esse é mais um ponto destacado no livro.
Enquanto seres humanos, nem sempre concordamos com os comportamentos de outros seres humanos, mas essa discordância ganha outras dimensões quando se referem a mulheres, porque aí suas “falhas” ganham características de cunho sexual. Chimamanda não diz para concordarmos com todas as pessoas, muito menos com todas as mulheres, mas pede para que observemos nossa fala. Ao xingarmos mulheres, usamos palavras que não fazem sentido para xingamentos masculinos, inclusive a autora nos apresenta uma teoria: “Se você critica X nas mulheres e não critica X nos homens, então você não tem problema com X, mas com as mulheres. X podem ser palavras como raiva, ambição, extroversão, teimosia, insensibilidade.” Mas o que ela queria nos dizer com isso? Que nossa linguagem é por vezes carregada de preconceitos, ali está o depositório de nossas crenças, costumes e histórias, e é preciso questionar a própria linguagem para que se possa ensina-la ao outro. Ela avisa a amiga que é preciso estar atenta aos estereótipos de gêneros para que ela não apague sua filha como pessoa, colocando-a numa categoria onde as meninas sempre são doces, frágeis e submissas. Não existem coisas de “meninas” e “meninos” e o quanto antes se aprende isso, tão antes se aprende a expor sua opinião e a se reconhecer como uma pessoa completa.
Apesar de ter diversas outras questões no livro, que com apenas umas 60 páginas consegue trazer pontos importantíssimos sobre feminismo, acredito que toda a estrutura dele se baseie numa única sugestão, que a Ijeawele e todas as outras mulheres que são ou desejam serem mães algum dia, ensinem suas filhas a não se preocuparem em agradar, e sim “[...] ser(em) ela(s) mesma(s), em sua plena personalidade, honesta e consciente da igualdade humana das outras pessoas." O biológico não é “razão” para os papeis sociais desempenhando pelas pessoas e nem para as normas da sociedade. Questionar faz parte da cultura, fornece crescimento a ela, e nos permite tornarmos cada dia mais pessoas completas.
Com essa nossa proposta de um mês Girl The Hell Up, que pode ser traduzido para algo como “seja mulher” acredito que um livro como essa da Chimamanda é uma boa ideia sobre o que “seja mulher” quer dizer.
TAGS:
CCdiscussão,
CCLivros,
CCSociedade,
Chimamanda Ngozi Adichie,
dia internacional da mulher,
feminismo,
Girl The Hell Up,
Para Educar Crianças Feministas,
Taiany Araujo
0 comentários