O Gigante Enterrado é uma ficção que conta com a presença de dragões, fadas, trolls, guerreiros e... um casal de idosos. A história é contada a partir desses dois velhinhos, e além da fantasia, temos uma obra que questiona a violência, a vingança, o amor, a traição e, sobretudo, a memória. Até que ponto é e não é bom se lembrar?
O livro começa nos apresentando o casal que protagonizará a história, Axel e Beatrice, numa Grã Bretanha de mais de 1.500 anos atrás. Eles vivem em um pequeno vilarejo e tudo parece normal, no entanto, começam a surgir memórias do passado e logo percebem que há algo de errado: uma névoa que aparece diariamente e faz com que as pessoas percam antigas memórias. No meio a confusão de pensamentos e lembranças, recordam que eles têm um filho e decidem partir atrás dele, ainda que não lembrem de como ele é ou onde ele mora exatamente.
A gasolina que faz a história decolar é justamente a procura do casal por esse suposto filho. Durante a jornada, eles passam por pessoas, as quais podem ser destacadas um guerreiro saxão, um cavalheiro de Arthur e um menino. Essas cinco pessoas fazem a história acontecer, formentando não só a construção dos protagonistas, mas como um contexto rico. Temos um crescimento não só do casal e como eles se relacionam, mas do mundo ao redor e como a realidade os afeta indiretamente.
O autor tem a habilidade de trabalhar seu propósito tanto pessoalmente como coletivamente. Ao longo da aventura, nós podemos perceber diversos questionamentos pessoais que surgem da relação entre os dois idosos. Você poderia amar alguém a qual você esqueceu sua história? O amor é soberano ao próprio esquecimento? O que seria o amor? Enquanto que paralelamente, temos uma realidade que mostram dois povos "inimigos" pacificados através do esquecimento. Qual o custo da paz? Manipulação sobrepõe a ética? Ou seja, a grande discussão é a memória pessoal e coletiva, e como ela interfere na realidade de cada um e do todo.
Há várias proezas, traições, exércitos de soldados, uma guerra eminente, animais fantásticos e lutas de espada, mas cada uma dessas coisas é contada distantemente, de modo observador. A história não é contada em primeira pessoa quanto aos momentos de ação, clímax e emoção, mas sim distante, previsível e mais branda porque, afinal, o livro é sobre dois idosos que já tiveram suas "aventuras" deixadas pra trás. Agora buscam apenas sobreviver e encontrar o filho.
De minha perspectiva, achei o livro okay. Não vi nada demais. Talvez o que mais possa me interessar na moral é a relação da memória entre particulares, mas ainda assim, não foi nada deslumbrante, só trouxe questionamentos à superfície. A escrita eu não sei se foi condenada pela tradução (afinal, toda tradução involuntariamente sempre muda um pouco a intenção autor) ou se eu realmente não me dei bem com o um estilo mais rebuscado/poético. Não tive dificuldade de ler, fluiu do início ao fim, mas não senti emoção (e quem sabe esse não era o propósito?).
Preciso dizer que gostei de da ideia de construir um contexto, diversas hipóteses e possibilidades, e não trata-las porque elas simplesmente existem e o objetivo é outro. Conforme o livro desenrolou, passamos por dragões, dois povos conflitantes, castelos incríveis e fadas muito loucas. Achei interessante como o autor tratou como mundano, indiferente e normal, deu um ar verdadeiro a história. Não é como se ele precisasse encher tudo de porquês e vida sempre como vemos na maioria dos livros.
Outrossim e último, sim, senhor, eu não tenho um vasto conhecimento sobre mitologia, simbologia e ideias semelhantes. Kazuo não pega leve e usa diversas referências, eu não sabia o que queria dizer matar coelhos, não sabia a respeito de Merlin o suficiente pra captar a ideia e até a alegoria do barqueiro eu demorei a cair a ficha. Então, assim, se você manja desses significados talvez o livro fique mais empolgante pra ti, diferente de como foi pra mim que diversos detalhes passaram batidos.
Não é um livro ruim, mas também não acho um ícone. Não indico pra todos as pessoas em função, não só de ter uma escrita mais rebuscada, mas justamente pelo autor constantemente brincar com a realidade e a metáfora intensamente. Não é todo mundo que conseguirá entender e sentir o propósito do autor.
Nota:
A nota é alta, mas apenas porque reconheço seu potencial. (O que não tem nada a ver com o meu gosto ou não) |
Ficha Técnica:
- Editora: Companhia das Letras
Obrigada à Companhia das Letras por ter cedido o livro para nós!
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Valentino Martins
3 comentários
Oi, Valentino!
ResponderExcluirEu amei a sua resenha e acho que agora fiquei mais animada para iniciar a leitura do livro. Comprei ano passado, mas ouvi tanta gente dizer que era chato, massante, mas suas palavras aqui, fizeram despertar o desejo de começar essa aventura literária e descobrir por mim mesma o que o livro é! Obrigada!
Grande abraço,
Drica.
eu nunca tinha ouvido falar desse livro, parece bem interessante, ainda mais com a proposta dos protagonistas serem idosos, bem incomum, eu não sei se leria, não sou muito fã de mundo encantados rs Mas quem sabe, sua resenha foi ótima
ResponderExcluirBlog Entre Ver e Viver
Não consegui terminar de ler, mesmo a história sendo interessante. Ele tem uma narrativa e diálogos pra lá de mecânicos e artificiais, tornando muito difícil desenvolver qualquer envolvimento emocional com os personagens. Nunca li nada semelhante e me peguei pensando várias vezes se eu não estava deixando escapar alguma coisa. É o primeiro livro de Kazuo Ishiguro que "leio" e fiquei com o pé atrás com as outras obras do autor.
ResponderExcluirÉ um livro que dificilmente indicaria para alguém.