apropriação cultural
CCdiário
CCdiário: Carnaval não é só diversão, é também reflexão
13.3.18Jota Albuquerque
Eu sei que já passou, mas quem não gosta do carnaval? (muita gente, mas esse não é o ponto). Quem não gosta de zoeira? Quase uma semana toda só de diversão, muita festa, risada e (quase) nenhuma preocupação. Porém, para algumas pessoas (como a minha), é também um período de luta, conscientização.
Você provavelmente deve estar se perguntando "o que esse cara está falando? O que tem para se conscientizar no Carnaval?" e é aí que eu venho com a resposta: racismo, apropriação, assédio, feminismo, machismo e homofobia (LGBTQfobia). Falar sobre essas coisas no Carnaval é um risco que só quem se encaixa nessas categorias sabe, mas é necessário, então a gente só vai.
Vamos (pra primeira parte desse texto) começar falando sobre racismo + machismo + homofobia nas fantasias:
Existem algumas fantasias que as pessoas usam que elas não entendem que não deveriam ser usadas (sim, eu sei que o que eu estou falando pode até conscientizar algumas pessoas, mas outras vão simplesmente cagar pra isso, mas ao menos quem entender vai reconhecer o como é tóxico e cruel o uso dessas "fantasias"), alguns exemplos são: homens se fantasiando de mulheres, Yemanjá, índio, cigano, gay e Nega Maluca (o Catraca Livre fez um vídeo que pode acessar aqui: texto).
Por que?
É simples, vamos por partes para que eu possa te fazer entender:
Homens com fantasias de mulheres: não costumam ser somente fantasias num tom cômico e ridicularizando, quase como se ser mulher fosse engraçado, como também são um desrespeito à comunidade trans. Perpetua uma ideia de que mulheres trans são homens vestidos com roupas "femininas", quando na verdade não, são mulheres, assim como uma cisgênero.
Yemanjá: É uma entidade de uma não só cultura demonizada (africana, do Cadomblé e Umbanda), como de uma minoria que até hoje sofre com a intolerância e preconceito, assim como ataques. Então é um desrespeito.
Índio: Acho que nesse século se tinha algo para ficar mais que claro é que acessórios indígenas e a vida indígena não é algo que você possa se apropriar no seu dia-a-dia e só quem deveria usar são índios, então quando chega no Carnaval e ver um bando de gente se fantasiando de índio é um puta desrespeito porque as pessoas esquecem que os indígenas são uma comunidade, na verdade várias, vivendo sob a opressão e sendo obrigados a largar sua cultura porque as cidades os obrigam, tendo pouquíssimas proteções. O pessoal se fantasia esquecendo que são pessoas, tem uma cultura ampla e que os esteriótipos que essas "fantasias" reproduzem são tóxicas. Não adianta usar um cocar por alguns dias e se esquecer dessas vidas pelos 360 dias restantes do ano.
Cigano: é o mesmo caso do índio.
Gay: (realmente não queria ter que incluir isso e ainda explicar, mas aparentemente muita gente acha que é brincadeira) Ser gay nessa sociedade, uma das que mais matam LGBTQs por dia, é ter um alvo no corpo no dia-a-dia, na internet, escola e família. As pessoas acham engraçado pegar e ir pular o Carnaval fazendo gestos e afinando a voz gritando para todos que está se fantasiando de gay. Eu não sou a porra de uma fantasia.
Nega Maluca: Quantos vídeos não tem sobre black face no Carnaval? Juro, são muitos e todos explicam os problemas das pessoas se "fantasiando" de negros, em especial muita gente se "fantasiando" de Nega Maluca. Primeiro, branco se pintar de marrom ou preto pra fazer um negro é black face (historicamente, as pessoas brancas faziam isso porque não queriam negros atuando e infelizmente ainda ocorre na televisão. Muitos famosos já fizeram, mas principalmente o pessoal de Carnaval) e segundo, é uma ridicularização da mulher (sobretudo periférica e negra). Acho que vale um vídeo para vocês entenderem:
Em resumo: nós, pessoas, nossas culturas, não somos fantasias para você "se divertir". Tem tanto exemplo de fantasias que não são ofensivas e super divertidas. Uma tia minha mesmo, ela se fantasiou de um saco de bala de gomas (feitas de bexiga). E teve vídeo circulando de um cara que foi do animal que tomava banho (rato? capivara?).
E eu entendo que vocês achem isso chato, até extremismo, ou que a gente esteja louco, mas isso só prova que vocês nunca, mas NUNCA, vão sentir na pele o que a gente sente, sabe? Vocês podem ter empatia e pensar em como a gente enfrenta as coisas todas, mas vocês não sabem como eu me sinto ao ver alguém se fantasiando como o que eu sou pra "brincar, festejar", não sabem como eu tenho vontade de chorar porque eu sei que um dia, eu posso ser o próximo a morrer na rua por ser o que sou ou ser espancado na escola, porque pra vocês, ser o que eu sou não passa de uma brincadeira, de uma fantasia pro Carnaval, sempre esquecendo o resto do ano como é pra alguém LGBTQ (ou de outra minoria).
Agora para a segunda parte desse texto: homofobia e como héteros tem o direito de fazer o que bem entendem na nossa sociedade.
Não sei se todo mundo viu, mas um vídeo foi super compartilhado, principalmente no twitter, de um casal hétero transando em plena luz do dia no meio de um bando de pessoas. Resultado: nada. Literalmente, NADA!
No vídeo tem gente rindo, a pessoa que gravou não fez nada, ninguém chamou a polícia (afinal, é crime sexo em público). As pessoas ali mandaram ver, transaram sem preocupação, mas casal LGBTQ nem pode dar a mão que já tem olhar de reprovação, filhos sendo puxados para longe, xingamento, dependendo agressão física, tem até gente dando piti ou fazendo discurso religioso. Mas com o caral hétero (de pessoas hétero) que transam no meio do Carnaval com crianças e tudo o mais pra ver, nem gente pra interromper e mandar parar teve.
Não to falando que não teve gente indignada na internet ou na cena, deve ter tido e na verdade, maior parte do povo indignado na net foi de gente LGBTQ e outras minorias, mas o fato de ninguém ter feito nada mostra como a coisa é no nosso país.
Basicamente: hétero pode até transar sem ser recriminado em público, mas LGBTQ nem pode dar mãos ou selinho que pode até morrer. Tá na hora de mudar isso, né? Ta na hora de parar pra pensar sobre as agressões e mortes de LGBTQs no dia-a-dia brasileiro (e no mundo), analisar como é em relação ao Carnaval. Ou seja: já passou da hora da criminalização da homofobia.
Agora pra parte final do texto: Sobre assédio. Sobre o NÃO. Sobre o respeito ao corpo do outro e seu espaço. Sobre 'não é legal insistir'. Sobre: parem de encher o saco e insistir.
Isso não vale só para o Carnaval, mas pra tudo. E as pessoas acham que isso não é sério, que é balela, mimimi, então eu decidi não dar exemplo de Carnaval (vou deixar isso pra Jout Jout no final do texto), mas de exemplos no bar, em casa, escola, etc, com amigos, pessoas desconhecidas e paqueras.
- Tu tá no bar, viu alguém que gostou, achou uma pessoa bonita e quer ficar com ela. NÃO PUXE ESSA PESSOA. Chegue numa boa, converse se a pessoa quiser conversar, então conversa.
- Se alguém que tu gostou na balada/bar topar depois da pergunta "vamo fica?" (ou sabe-se lá que pergunta tu faz pra beijar), então partiu. Se a pessoa falar que não, não xingue a pessoa nem seja um babaca, só segue pra próxima ou fica na conversa com essa pessoa.
- Essa vai pro povo da net (em geral meninos hétero cis): se tu ta conversando com alguém, ou chega do nada, pede nude ou pede foto do rosto dessa pessoa e ela disser não, NÃO XINGUE, NÃO SEJA UM OTÁRIO, NINGUÉM É OBRIGADO A FAZER O QUE NÃO QUER. (e vamo ser honesto: ninguém começa uma conversa com "e aí, nude?/Vamo troca nude?" pqp hein gente)
- Seu amigo não quer fazer algo. Seja alguma brincadeira ou sabe-se lá o que vocês façam e hoje ele não quer fazer, se você já perguntou uma vez e ele disse não, não fique chamando ele de "sem graça, corta barato, etc", respeite e não insista.
- Se a pessoa, na transa, pediu para tu parar ou antes da transa mesmo disse que não queria aquilo, respeita, não passa do limite, não insista.
Se respeitarmos as pessoas, tudo é mais fácil, tudo fica mais divertido e melhor. Então respeite. É tão simples. Empatia é um bom jeito de exercer o respeito, sabia? Pense no outro como se fosse você no lugar da pessoa, gostaria de que agissem daquele modo com você?
TAGS:
apropriação cultural,
CCdiário,
CCDicas,
CCSociedade,
feminismo,
Feminismo Negro,
João Paulo Albuquerque,
lgbt,
lgbtofobia,
LGBTQ,
não,
não sou obrigada,
racismo
0 comentários