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One Day At A Time volta com uma 2 temporada de aquecer o coração
2.2.18Dana Martins
Eu não costumo escrever sobre segundas temporadas, mas também eu não costumo gostar tanto de uma série quanto eu gosto de One Day At A Time. Então aqui vão meus pensamentos sobre a s2! (e, sim, tem spoilers. se você não conhece One Day At A Time, clica aqui pra ler meu post indicando)
Se você acompanha o que eu escrevo aqui no CC, sabe que ultimamente minha expectativa com séries tá muito baixa. Então apesar de passar os 3 séculos que duraram 2017 esperando pela segunda temporada, eu ainda tava desconfiada. Será que vai ser bom? Será que eles vão começar a falar merda?
E depois de assistir a segunda temporada inteira em um dia só, eu posso dizer: FOI BOM, SIM. FOI MUITO BOM.
Se eu tinha qualquer dúvida elas foram apagadas logo com o primeiro episódio. O povo gritando na arquibancada (quem lembra o auê que deu durante as Copas sobre brasileiro torcendo?), o infame pacote de biscoito que ninguém nunca viu com os biscoitos originais dentro, ir roubar guardanapo do barzinho e, pra fechar a introdução com um vrau, comentando o fato de que a Elena parece ser branca e usando o termo "bi" casualmente.
Daí pra o resto do episódio foi só melhorando: discutindo as agressões que as pessoas latinas enfrentam no cotidiano, algo que ficou pior ainda com o Trump na presidência, e discutindo como a diferença de tom de pele da Elena pra o irmão muda como eles são tratados. E que tem todo tipo de latino. Tudo isso de maneira direta, clara, e inserida no cotidiano dos personagens. Naquele ritmo divertido que só ODAAT sabe fazer.
É legal que quando a gente vê o racismo em jogo, não é só "vamos falar de racismo," isso é atrelado à jornada pessoal do Alex de se tornar adolescente e querer ser aceito de maneira igual pelos amigos. E aos desafios da própria Penelope de se conectar com o filho nessa idade.
A gente vê a impotência de um pai que quer proteger o filho dessas merdas, quando ela diz "Eu queria te dizer que isso nunca mais vai acontecer, mas vai." E como ela reconhece a dimensão da situação dizendo algo como, "Se você responde, eles ganham. Se você fica em silêncio, eles ganham também. É complicado." O fato é que essas microagressões são parte do cotidiano de quem é a minoria, e por mais que a gente fale, se prepare e tente mudar, é inevitável que elas aconteçam volta e meia. Isso não significa "vou deixar acontecer!!! nada nunca vai mudar!!" - é importante continuar lutando e reconhecendo o problema. E com um episódiozinho de abertura One Day At A Time mostra isso.
Aliás, a maneira que eles mostram o assunto é humana. Eles mostram no cotidiano, no meio de outros interesses dos personagens, que são pessoas com falhas e erram e ficam cansados. Às vezes essas discussões sobre feminismo e racismo e questões LGBT+ só acontecem num contexto abstrato de OLHA, É ASSIM QUE TEM QUE SER. Mas e aquele momento que você chega em casa, tarde, cansado e quer ficar no sofá e só quer descansar, ou você tá se sentindo sozinho, ou sei lá?
One Day At A Time são essas questões na prática, na realidade, com pessoas que lembram muito às pessoas reais ao nosso redor, que tem pensamentos diferentes e desejos diferentes. Não tem um muro entre o "assunto sério" e a vida dos personagens, porque essa é a vida dos personagens. Elena Alvarez não para a vida pra fazer um discurso emocionante sobre ser gay, ela é gay até na roupa que tá usando e no olhar durante uma conversa. A Penelope não tá vivendo e no meio episódio pausa pra fazer um discurso feminista, durante todo segundo que a gente vê, ali, a mãe solteira protagonizando a própria série e trabalhando, estudando, cuidando do filho e tentando manter uma vida normal, ela tá sendo feminista e tratando de questões feministas.
Isso me lembra alguém comentando uma matéria que dizia "na internet as pessoas são obcecadas por política!" enquanto, na verdade, o que você tem é mais pessoas falando normalmente sobre a própria vida. E isso inclui pessoas que vão comentar momentos de racismo, homofobia, machismo, coisas que antes só apareciam como nota do rodapé numa discussão política.
Esse thread da autora Seanan McGuire toca nesse assunto:
É fácil dizer que "política não pertence na ficção de gênero" quando sua existência pode ser vista como apolítica: você é aceito ao escrever uma história com alguém Exatamente Como Você, é aplaudido, em vez de ser recebido com gritos de "self-insert" ou "Mary Sue".
*self-insert é quando o autor escreve histórias que o protagonista é basicamente ele mesmo vivendo aventuras.
It's easy to say "politics don't belong in genre fiction" when your existence can be viewed as apolitical: when writing a story with someone Exactly Like You is accepted, applauded, and not greeted with cries of "self-insert" or "Mary Sue."— Seanan McGuire (@seananmcguire) 18 de janeiro de 2018
Basicamente, One Day At A Time faz esses assuntos parecerem mais cotidianos do que teoria porque, de fato, é uma história onde as pessoas que sofrem isso são protagonistas. Isso só me mostra como o resto de Hollywood é um bando de babaca porque é possível fazer. E fazer direito!!!
Enfim, e entre as piadas, os comentários e desenvolvimento dos personagens, One Day At A Time me lembrou por que eu gosto tanto dessa série. Pra mim, a experiência de assistir é boa. Eu me sinto quase em paz. HUAHUAH É tipo chegar em casa depois de um longo dia e descansar no sofá aproveitando o último solzinho da tarde.
Depois desse primeiro episódio foi só ladeira abaixo. Quer dizer, eu fui. Direto pra o fundo desse poço que é amar e querer assistir One Day At A Time pra sempre.
Mais comentários sobre a 2 temporada e série no geral:
Acho que não preciso dizer que todas as atrizes estão incríveis e dá vontade de chorar de tão bom.
Outra coisa que eu gosto na série é o realismo. Às vezes eu fico pensando se é realista mesmo em relação às outras, ou se é mais próxima da minha realidade. Seja o que for - parece que eu tô vendo gente real. A Elena parece qualquer garota que eu vou encontrar numa escola por aqui. Ela chega a parecer a minha prima, com os mesmos comentários e amor por Doctor Who. Ela assiste série no notebook e joga videogame e usa o app atual pra fazer streaming ao vivo. Quando ela ganha uma namoradinha? A garota parece literalmente alguém que eu veria numa fila de show. Ou até os adolescentes americanos reais que eu vejo no tumblr. Compara com uma série tipo Riverdale ou Pretty Little Lies. A Elena tem a mesma idade que eles!!!!!!!!!!
Nessa temporada, a gente continua tendo aquela coisa de ver um assunto pela perspectiva de três gerações diferentes. E, novamente, a busca pelas personagens de se respeitarem e considerarem umas às outras, mesmo que não vejam o assunto exatamente da mesma maneira. E não é aquele "respeito" que a pessoa "tá, faz o que você quiser" e fica boicotando a outra o tempo inteiro, sendo passivo-agressiva. Tem um momento ótimo que mostra isso:
A avó: "Toda mulher precisa de um homem-"
(personagens gays tossindo)
E o principal, em seguida a avó se corrige, "Muitas mulheres precisam de um homem."
O tratamento da Elena é outra coisa ótima. Quando acontecem piadas como "me gay too," a do butch e a do "super gay supergirl" são momentos inteiramente dedicados às garotas lésbicas assistindo.
No meu post de 10 pontos que influenciam a análise de representatividade, os dois primeiros pontos são:
1. Qual personagem a história favorece
Apesar da Penelope ser a protagonista™, One Day At A Time varia o foco nos personagens, dando momentos que são especificamente sobre eles. E momentos como esses são da Elena.
2. Qual público a história favorece
E nesses momentos, as piadas são piadas internas do público LGBT+. É uma história contada PRA ESSE PÚBLICO, não "sobre esse público." Um exemplo dessa diferença são histórias de personagem saindo do armário ou "olha o sofrimento de ser gay!!!" - muitas vezes é só um drama pra gente hétero deixar de ser babaca e se importar. Ou até mesmo qualquer história onde o personagem LGBT+ morra. "Você é o que morre" é uma história contada pra pessoa LGBT+??? Não. Aliás, no próprio One Day At A Time a gente tem essa variação de foco. Na primeira temporada quando a Penelope fica desconfortável e vai ser aventurar num bar LGBT+, o público é totalmente "pais de pessoas LGBT+." A narrativa ali é centrada nisso. E no caso de One Day At A time, não acaba sendo tão ruim porque sabe explorar os momentos da Elena que são histórias feitas PRA ELA e pra o público LGBT+. E importante: Escritas por pessoas LGBT+.
Enfim, é muito legal ver uma história que dá pra ver que foi feita por gente LGBT+ pra gente LGBT+ em vez daqueles 5 minutos no holofote dado pelo escritor hétero que quer se sentir salvador dos pobrezinho necessitado.
Nessa segunda temporada, também, tem um episódio sobre depressão e ansiedade. Acho sinistro que uma série de comédia com episódios de 20 minutos seja a melhor representação disso que eu já vi. No geral, pareceu um pouco corrido porque essas coisas vão acontecendo tão devagar e através do tempo que é difícil perceber o buraco que você foi parar, mas acho que vai direto ao ponto e mostra de uma maneira humana. Inclusive o episódio é centrado num ideal de "normalidade" - ah, a Penelope tá bem, tá tudo ótimo! Tá com um namorado lindo, emprego, estudando pra algo que é o sonho dela, filhos lindos. Tudo indo bem!!! Pra que ela precisaria de remédios?? Ela é uma pessoa "normal" com tudo em cima!!! Não precisa dessas bobeiras!!!
Aí no meio disso inclui o preconceito com terapia e remédios. E a minha parte preferida: como ela tá ali saindo de uma apresentação com todo mundo comemorando e elogiando, e aí ela começa a pensar demais, analisar, se julgar. Tá claro que tá tudo bem!! Só que ela não consegue ver, ela começa a se preocupar, perde a energia. E isso não é algo que muda dizendo "tá tudo bem, Penelope," ela precisa de tratamento profissional adequado.
Pra fechar, um detalhezinho que eu adoro na série é a continuidade. Eles introduzem uma coisinha que reaparece vários episódios depois em uma piada. É tão bem feitinho. Cansada dessas séries que acontece algo gigante e 2 episódios depois ninguém nem lembra mais.
E por enquanto é só, eu acho. Mentira, lembrei agora da parte de enfatizar a nacionalidade americana. Acho chato demais. Passava bem sem aquela cortina da avó que é a bandeira. Só que ao mesmo tempo eu entendo o que eles tão fazendo. Muito dessa temporada é uma resposta ao Trump e ao que tá acontecendo com as pessoas latinas nos EUA agora. Eles tem muito disso do povo crescer e passar a vida toda lá tipo a Elena e o Alex e a Penelope, e ainda assim não serem considerados americanos. E pior ainda se eles ousarem ter abertamente uma cultura que não é a do americano branco!!! Então a série busca redefinir essa visão do que é ser americano.
ah, e também tem uma coisa que na legenda em português do Netflix, se referem a Syd como "ela" ignorando completamente os pronomes. Eu sei que a gente não tem o they/them, mas podia fazer alguma coisa?? Se não o elx, podia buscar falar de uma forma neutra e uma linguagem que não simplesmente apagasse a identidade do personagem, ainda mais que a série tem UM EPISÓDIO SOBRE ISSO.
Agora acho que terminei. JÁ PODE MANDAR A S3, NETFLIX.
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1 comentários
Ahhhh, eu amo essa série. Recomendando pra todo mundo.
ResponderExcluirEu me lembro de ter visto apenas um episódio, mas não tinha animado muito porque tinha muita coisa pra fazer para faculdade, mas que amor foi agora no carnaval. Eu nunca tinha me visto tanto na representatividade latina antes e eu vi muito a minha família nisso (meus pais são da Bolívia) e eles falando em espanhol, fazendo comida típica, toda a parte da avó religiosa é tão a gente, além de outros assuntos importantes como o feminismo, a depressão, a sexualidade, tantas coisas que nem dá pra colocar aqui.
Quero a terceira temporada pra agora também!
(Ai que saudade de entrar no conversa cult, vocês estão nos meus sites favoritos, mas acabei parando de entrar nos últimos meses pela correria da faculdade, mas só queria dizer que vocês me ajudaram e muito sobre me descobrir demissexual e só tenho a agradecer por continuarem com esses textos e dicas incríveis)