Há uns meses atrás, Uma Thurman deu uma declaração num tapete vermelho dizendo que não poderia comentar nada sobre as inúmeras denúncias de assédio sexual sobre o Harvey Weinstein, porque ela estava com muitas raiva, e quando ela estava com raiva, não podia controlar o que ela falava.
Todo mundo ficou "Caralho, o que tá acontecendo???", porque você sentia as ondas de raiva emanando dela.
No fim da semana passada, saiu um texto no New York Times (em inglês aqui) explicando porque Uma Thurman estava zangada. Ela foi atacada por Weinstein, que tentou forçá-la a fazer sexo. Ela foi ameaçada por ele, que disse que acabaria com a carreira dela. A atriz bateu de frente, porque ela sabia do que os homens poderosos de Hollywood eram capazes: ela foi estuprada aos 16 anos por um ator 20 anos mais velho. Só se encontrava com o produtor com outras pessoas junto dos dois.
Uma Thurman era muito amiga de Quentin Tarantino. Em 2001, quando estavam conversando sobre fazer Kill Bill (baseado numa ideia em que os dois tiveram quando filmaram Pulp Fiction, em 1994), Uma tentou convencer Tarantino a não trabalhar com Harvey Weinstein (dono da produtora do filme), devido aos ataques que ela sofreu. Tarantino desconversou, falando que ele sempre estava tentando ter as garotas que não podia ter, e ignorou os apelos da atriz.
Mas a partir daí, a relação de amizade dos dois mudou. Várias cenas violentas em Kill Bill, como enforcamento com correntes e uma cuspida na cara, foi o diretor que fez na atriz. Ele insistiu que ela dirigisse um carro aparentemente com problemas (ela e membros da equipe apontaram problemas, que foram ignorados pelo diretor) sem dublê, numa estrada arenosa e cheia de curvas. Uma bateu com o carro em uma palmeira, ficou com uma cicatriz no pescoço e sequelas nos joelhos que duram até hoje.
Pra mim, como amante de cinema, foi bastante difícil ver essas denúncias, pela decepção com pessoas que eu gostava e mais ainda pelos traumas que eles causaram nas vítimas. Mas essa denúncia da Uma Thurman me atingiu mais do que qualquer outra que tenha saído.
Kill Bill e Kill Bill 2 sempre figuraram na minha lista de filmes preferidos. Com Kill Bill eu passei a prestar atenção nos detalhes e passei a amar cinema mesmo, não só ver o filme pra me distrair ou algo do tipo. A Noiva me fez crescer apontando dedo na cara de quem mexesse comigo, me fez crescer e aceitar que eu não deveria ser passiva, não deveria aceitar ninguém mexendo comigo.
E aí agora eu descubro que um dos filmes da minha vida, que é vendido como um filme com personagem feminina forte, foi feito humilhando e diminuindo uma atriz (aliás, não só uma, porque a Daryl Hannah também foi assediada pelo Weinstein e disse que Tarantino ignorou o que ela disse).
Tudo o que eu consigo pensar agora é:
1 - Caralho. Que merda. Que. Merda.
2 - Foi muita coragem da Uma Thurman falar tudo o que aconteceu. Espero que ela fique bem, na medida do possível.
Ao mesmo tempo que eu acho que tem que denunciar mesmo, eu também estou muito, MUITO, MUITO decepcionada. Querendo ou não, eu acabei de perder uma parte importante da minha vida, que me fez crescer como pessoa, que se não fosse isso provavelmente eu teria sido uma pessoa completamente diferente. Então, ao mesmo tempo que é importante denunciar e não apoiar mais o Tarantino, eu estou sentindo um vazio dentro de mim. Algo se foi. Até mesmo me sinto meio suja, mesmo eu não sabendo o que estava acontecendo, sinto que indiretamente eu estava ajudando isso a acontecer.
Enfim. Seguimos em frente, porque só assim as mudanças vão acontecer.
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1 comentários
A pergunta que não quer calar e que tem sido feita por aí: o que fazer com a obra de um abusador? :( Porque a gente perde a graça total, entendo isso, mas e os filmes, as músicas, os livros... Dá pra abri mão assim de uma vez? Tem delitos "mais leves" que talvez dê pra relevar? E se a pessoa se arrependeu?
ResponderExcluirNossa, são tantas as possibilidades que eu fico até com medo de gostar de algo e descobrir que as pessoas envolvidas são horríveis...