Sempre que a gente fala de privilégios, vem alguém falar "eu não tenho privilégio nenhum!" e aí, para provar, bota como exemplo um problema que vive que, adivinha só: não tem NADA a ver com a questão dos privilégios. Então, está na hora de explicar direitinho o que significa ter privilégios para ninguém ficar com dúvidas.
Primeiro, vamos deixar claro o que NÃO significa ter privilégios. Ter privilégios não significa que sua vida é perfeita, que você está livre de sofrer violências, que você será multimilionário, que você não vai morrer amanhã... Enfim, ter privilégios não significa uma garantia de vida plena e feliz. Você provavelmente terá problemas e, geralmente, vai ter que lutar para conquistar aquilo que você deseja (tem gente que não precisa lutar, mas esses são absurdamente privilegiados e é importante a gente mostrar que existem pessoas privilegiadas fora dessa elite).
Ter privilégios significa que pessoas que partilham determinada característica (seja ela física ou não) com você tem vantagens ou deixam de ter desvantagens em relação a outra pessoas que partilham determinada característica análoga à do primeiro grupo. Esse segundo grupo, então, é o grupo oprimido. Exemplos: Brancos-negros, homens-mulheres, héteros-gays, sulistas-nortistas, cisgêneros-transgêneros, magros-gordos.
"Toda vez que a gente tem a chance de avançar, eles mudam a linha de chegada. Toda vez" |
Importante a gente ressaltar aqui que ter um privilégio em determinada dicotomia não impede você de ser oprimido em outra dicotomia. Por exemplo: Um gay branco, um homem negro, uma mulher rica, um branco nordestino, uma gorda cisgênero.
E o que acontece quando você soma duas ou mais características de grupos oprimidos? Se você, por exemplo, é um gay negro ou uma trans nordestina ou um gordo pobre? Aí entra a questão da interseccionalidade. Você vive as opressões não apenas de forma individual, mas também de forma combinada, e o que é pior, muitas vezes, você passa a ser oprimido por uma dessas características por pessoas que compartilham a outra opressão com você. A gente pode ver isso na gordofobia que existe no meio gay, ou em mulheres que discriminam mulheres trans, ou em pobres que são racistas.
Tá, mas se, como eu disse no início, o privilégio não te impede de ter problemas, qual a diferença? Bem, a diferença está nos números.
Você pode ser morto por um tiro se for homem, mas as estatísticas mostram que as chances são muito maiores de isso acontecer se você for negro. A ponto de isso ser uma preocupação real na vida da maioria das pessoas negras.(Pode perguntar! Muitos negros relatam que, desde crianças, as mães os instruíam a não andar com boné cobrindo o rosto e não correr na rua, coisa que a maioria dos brancos não passam.)
Você pode ser estuprado se você for homem, mas as estatísticas mostram que as chances são muito maiores de isso acontecer se você for mulher. A ponto de isso ser uma preocupação real na vida de quase todas as mulheres. (Pergunte a uma amiga sua se ela já deixou de usar uma roupa porque teve medo de ser assediada.)
Você pode viver no desemprego e com baixa escolaridade se você for cisgênero, mas as estatísticas mostram que noventa por cento das pessoas trans acabam vivendo da prostituição, principalmente pela falta de oportunidades.
Você pode ser atacado na rua se você for hétero, mas as chances de isso acontecer com um gay são maiores, porque, além das pessoas que poderiam atacar você, gays também podem ser atacados por pessoas que buscam atacar gays. (E, vamos ser honestos, ninguém sai por aí querendo atacar héteros.)
E quem deu esses privilégios para algumas pessoas e oprimiu outras? Bem, geralmente, são questões históricas que estão entremeadas na cultura do nosso país e da nossa sociedade como um todo. Mas isso não é motivo para pensar "poxa, sempre foi assim, não vai mudar!". Justamente porque isso está acontecendo há tanto tempo, aumenta a nossa responsabilidade enquanto geração atual. A responsabilidade dos oprimidos aumenta, para que lutemos pelo fim dessas opressões; e a responsabilidade dos privilegiados também aumenta, para que esses percebam seus privilégios e entendam que eles devem acabar.
E como acabamos com esses privilégios? Com a promoção da igualdade em todos os sentidos. E como isso acontece? Bem, cada relação privilegiado-oprimido tem suas próprias histórias e diversas correntes que debatem qual a melhor maneira de promover essa igualdade. E isso dá pano para manga para muitos e muitos textos. Por hora, o importante a saber é que, seja lá qual for a solução, ela passará obrigatoriamente pelo reconhecimento dos privilégios que cada um de nós tem.
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Sobre a autoria: Renan Wilbert é jornalista e administrador da página “Igreja de Santa Cher na Terra”. Nascido e criado no Rio de Janeiro, procura utilizar sua escrita para tratar de temas como a igualdade, autoestima e sociedade.
6 comentários
Por favor, mais desse texto pq tá INCRÍVEL. Simples, claro e direto.
ResponderExcluirConcordo com a Taiany, o texto foi direto ao assunto. Certeiro.
ResponderExcluirAdorei esse post! Para ilustrar, eu recomendo uma dinâmica que fiz parte ano passado, em que em um espaço amplo, era para as pessoas ficarem lado a lado,e o mediador falava, por exemplo: "dê um passo acima se você nunca se preocupou em andar sozinho na rua", dê um passo acima se você nunca se preocupou em sofrer alguma violência por estar de mãos dadas com quem você ama", abordando várias formas de privilégios de renda, gênero, orientação sexual, cor de pele, que a maioria não pensa muito sobre. No fim, era possível, ver quem era o mais privilegiado e quem não era, te fazendo refletir muito.(Eu me lembro de gostar tanto da dinâmica, porque embora todos fossem de uma entidade sobre voluntariado universitário, isso não necessariamente mostrava que todos eram iguais, como era o meu pensamento.
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