CCAnálise
Dana Martins
Não acredito que Little Witch Academia inventou o feminismo
24.9.17Dana Martins
Quando eu fiz minha resenha de Little Witch Academia - na verdade, minha intenção não era escrever sobre o quanto eu amei, mas conversar sobre o lado feminista da história. Então aqui está o meu post verdadeiro:
A maior parte boa disso é que nem corria o risco de cair naquilo de ser história centrada em homem e que fica tentando satisfazer ego de homem. Mas mesmo depois quando aparece algum ou outro de fundo, Little Witch Academia ainda deixa claro que a história principal é sobre a Akko, a protagonista, e as bruxinhas ao seu redor.
A série tem uma das minhas cenas preferidas nesse quesito - em um episódio, Akko está com Andrew e os dois vão tentar salvar uma das outras bruxas, mas pra isso precisam entrar em um lugar arriscado. Logo na entrada ela enfia a mão na cara dele pra o Andrew parar. "Não, fica aí, deixa que eu vou."
Tem noção de... quantas vezes na minha vida eu vi a garota ser quem fica do lado de fora esperando nessa hora?
Hermione fica pra trás pra ajudar o Rony, Astrid (Como Treinar Seu Dragão) desaparece, a Mako (Pacific Rim) desmaia, a Jyn de Rogue One até chega a conseguir ir sozinha, só pra ser encurralada pelo vilão e ser salva pelo Cassian. Esse é um momento importante nas histórias onde a gente vê sobre quem é a história e quem tem autonomia - e raramente são as mulheres.
Little Witch Academia como um todo não é só um banho de mostrar a Akko (e todas as 9 bruxas secundárias!) tendo autonomia, como ainda pega esse momento batido onde o homem costuma roubar protagonismo da garota e faz a Akko simplesmente enfiar a mão na cara dele e "vlw flw, eu me viro daqui pra frente."
Little Witch Academia é uma aula do que acabar com a famosa Síndrome Trinity. Infelizmente, é muito comum ter a personagem "foda" que não faz nada. Ao mesmo tempo, a "justificativa" pra isso é que "o protagonista tem que concluir a própria história sozinho," o que parece muito lógico, até você assistir Little Witch Academia e ver como uma vez após a outra a série consegue dar valor e autonomia para as mulheres ao redor da Akko sem tirar o protagonismo dela.
Primeiro, por ser uma série, tem momentos em que várias das personagens podem colaborar ativamente do próprio jeito. O episódio da Amanda O'Neil é um exemplo: apesar de ser voltado pra Akko buscando reviver uma palavra, a batalha final quem luta é a Amanda e, mesmo quando a Akko aparece com sua contribuição, quem dá o golpe final é a Amanda.
aliás, elas vão pra uma escola só pra garotos que odeia bruxas e a Amanda tem uma batalha de "cavaleiros" com o filho do dono |
Outra coisa que acontece é que a Akko não consegue voar, então ela tá sempre sendo carregada por alguém. É um detalhezinho bobo, só que faz a diferença. Normalmente enfiam o protagonista como a estrela de TUDO. Ele tem O batcarro, é O melhor jogador, vence O campeonato, faz O caralho a quatro. Isso tira o realismo, os personagens deixam de parecer gente de verdade e ficam parecendo só acessório.
E o final fecha com chave de ouro - ATENÇÃO AGORA É SPOILER DA FINALE, PULA ESSE PARÁGRAFO SE VOCÊ NÃO ASSISTIU A SÉRIE, SAI DAQUI, POR FAVOR. No final, todas as garotas contribuem pra a salvação do dia. A Diana é quem vai na frente da vassoura levando a Akko. Mesmo quando acontece o clássico "sai daqui que é a minha agora de brilhar," a Diana continua com a Akko e uma boa parte da ação é trabalhada com as duas juntas, quase como se fossem uma só. Isso é algo que eu nunca vi numa história (não que eu lembre) e foi maravilhoso. Os últimos 5 episódios +ou- são construídos em sequência de maneira que conecta as duas e cria diversas oportunidades onde as personagens tomam as próprias decisões e colocam pra foder. Você não duvida da capacidade delas. Você não esquece que a Akko é protagonista. A Diana não parece secundária por causa disso. E, de quebra, enquanto elas estão fazendo parte da ação, a Croix a Chariot completam por outro lado. Até as outras professoras velhas aparecem perto do final pra ajudar a mover a história.
Pra constar, em Harry Potter isso acontece na batalha final, onde você tem vários personagens fazendo várias coisas diferentes. Tem o famoso "Not my daughter, you bitch" da Sra. Weasley. O Rony e a Hermione vão pegar as presas do basílisco e o Neville corta a cabeça de uma cobra (olha aí um momento importante de personagem secundário tomando as rédeas). Tudo isso é importante e Harry Potter não é nem um exemplo de como é ruim, mas a narrativa principal ainda está nas mãos do Harry e a maior parte do que acontece parece ruído de fundo. Enquanto em Little Witch Academia muitas dessas bruxas são vitais pra narrativa.
FIM DE SPOILER
Além disso, a quantidade de mulheres dá a oportunidade de ver mulheres em papeis diferentes, principalmente aqueles mais auxiliares que normalmente são reservados só pra homens (já que quando lembram de colocar mulher, colocam só a protagonista e olhe lá). A Chariot, por exemplo, é uma espécie de agente especial, tem uma roupa quase de super-heroína. A Croix tem um estilo a+ com cabelo roxo e figurino de Inventor Genial e Maligno. Tem bruxas lendárias que fazem parte do passado desse mundo. Tem seres mitológicos. Tem a Diretorazinha que tá ali no fundo só como figura de autoridade, mas já ajuda a compor esse mundo onde mulheres aparecem em todos os tipos de papeis.
o visual da Croix é personagemporn |
Eu senti isso lendo Monstress (clica aqui pra ver minha resenha) também, que é o impacto de ver uma história dominada por mulheres. A gente não percebe o quanto não vê esse tipo de coisa até encontrar. É algo que vai muito além da Smurfette, e aquela única Mulher Forte™ que "pode se virar sozinha." É um mundo onde elas são heroínas, vilãs, alívio cômico. Onde elas podem ser a garota cool que quebra regras como a Amanda O'Neil, a filha disciplinada e brilhante como a Diana Carvendish, a heroína que só se ferra como a Akko, a amiga carinhosa que é a Lotte ou alguém que simplesmente adora odiar como a Sucy. Onde mulheres são inspiradoras como a Chariot, tem passados misteriosos, amigos e relações complicadas de longa data como a da Chariot e a Croix.
Aliás, a Chariot e a Croix vs. Akko & cia são a contraposição perfeita pra história, porque você tem duas gerações envolvidas. É muito bom ver a perspectiva da Chariot de uma mulher "mais velha." Ela não é exatamente velha, ela deve ter uns 30 anos na história, e esse é justamente o buraco da idade que as mulheres são jogadas fora da ficção - quando elas são velhas demais para serem a namoradinha, mas novas demais para serem a mãe ou avó de alguém. Ver essas mulheres lidando com as próprias falhas, tendo passados que de certa maneira destruíram a vitalidade delas - essa vitalidade que a gente vê na Akko e suas amigas - e ainda indo em frente, lutando, sendo importante pra história, foi muito bom.
as pessoas grandiosas do passado também são mulheres! |
E eu acho que no geral é isso que permite a história ser profunda. Você tem a relação da Akko com a Sucy e a Lotte, a amizade delas é muito fofa e você vê com o desenvolvimento da relação delas através do tempo. Você tem a Akko com a Professora Ursula que é uma relação entre aluno-mestre. Você tem a relação da Chariot e a Croix. E...
Você tem a Diana e a Akko, que são "inimigas" - a Diana aparece como a Menina Malvada, a Draco Malfoy, só que na realidade não é nada disso. Vou falar só isso por enquanto porque quero focar na Diana e em personagens como ela em um post específico.
Enfim, só sei que aprendi muito com Little Witch Academia sobre como é criar um mundo povoado por mulheres e que é possível dar todo o destaque e valor que elas merecem.
Enfim, só sei que aprendi muito com Little Witch Academia sobre como é criar um mundo povoado por mulheres e que é possível dar todo o destaque e valor que elas merecem.
LEIA TAMBÉM: minha resenha de Little Witch Academia
0 comentários