Angie Thomas
black lives matter
[Resenha] O Ódio que Você Semeia, de Angie Thomas
10.7.17Dana Martins
Nem sempre faço resenhas, mas alguns livros a gente quer espalhar pra todo mundo. The Hate U Give (THUG), como é conhecido lá fora, vai ser lançado em julho pela Galera Record como O Ódio que Você Semeia, e é um desses livros.
Eu hoje depois de ler o livro: PRA QUE DORMIR, NÃO POSSO DORMIR, TENHO QUE ESCREVER E FAZER TODO MUNDO LER ESSE LIVRO
Eu já fui encher o saco de umas 3 pessoas sobre O Ódio que Você Semeia, isso é sinal de que eu preciso falar sobre o livro, então aqui estamos.
Pra começar, faz tempo que eu não leio um livro. Se bobear esse é o primeiro livro que eu termino em 2017 e estamos em junho, acho que deve ser o ano que eu menos li pelo menos nos últimos 10 anos. Eu nem lembro qual foi o último que eu terminei. Pra constar, eu comecei vários livros. uns 5 ou mais, na verdade, só que eles não são ficção e eu vou de pouco em pouco fazendo revezamento quando me convém. eu li HQs também, mas vamos ser sinceros: livro é livro.
E fazia tanto tempo que eu não li um livro legal, que eu tava quase pensando que eles não faziam mais livros legais. Até a livraria perdeu o brilho pra mim - eu chego lá e as mesmas edições repaginadas de Harry Potter. Gente, qual é o livro de YA da vez? Será que eu cresci e abandonei, ou não tem mais nada?
Aí é que chegamos a O Ódio que Você Semeia - eu juro por deus, faz mais de 1 ano que eu tô pra ler esse livro, mais ou menos pelo fato de que eu fiquei sabendo do livro no twitter bem antes do lançamento. AÍ FUI COMPRAR E- o livro não estava à venda. Foi assim por quase um ano. É um feito eu ter lembrado de ir consultar o twitter da autora, Angie Thomas, por tanto tempo pra ver se já tinha lançado.
MAS AGORA FOI. E EU COMPREI. E 6 MESES DEPOIS CHEGOU.
E eu fiquei com medo de ser ruim, mas eu comecei a ler e... foi bom. Foi muito bom. A escrita desde o início me chamou atenção, a narrativa simplesmente flui. Eu adoro livros assim, livros que eu tô lendo e o jeito de narrar parece gostoso.
A segunda coisa é o quanto o livro é moderno. Não sei quantos anos a Angie Thomas tem, MAS ELA FALA DE TUMBLR. DE. TUMBLR. E ELA SABE DAS PIADAS INTERNAS DE HIGH SCHOOL MUSICAL E DA FASE DE JONAS BROTHER QUE TODO MUNDO TEVE. FIQUEI CHOCADA.
Me pareceu com algo que eu tenho nas fanfics e raramente vejo em livros, mesmo os recentes: jovens falando de coisas atuais como a gente, de piadas internas da nossa geração.
E, tipo, eu sei que por ser relacionado ao Black Lives Matter o povo tá vendendo como "pô, aí, uma lição sobre a vida." A capa da minha edição tem o rosto de uma garota no tom dourado, parece aqueles filmes de Lição de Vida Sofrida tipo Menina de Ouro ou sei lá. Acho que existe um marketing escroto aí que vende histórias de minorias como "uma história tocante" pra fazer a gente (=gente privilegiada) pensar.
Não se engane, O Ódio que Você Semeia é pra fazer a gente pensar e faz, mas também é como todo livro YA contemporâneo legal. Na verdade, é até melhor porque esse é um dos Realmente Bons™.
Mas enfim, começa lá o livro e é a história da Starr, uma garota comum que tem a vida dela de boa de adolescente até que acaba sendo a única testemunha de um policial assassinando um amigo dela. A partir daí, a gente vai acompanhando toda a jornada dela até meio que conquistar a voz e falar sobre o assunto.
Enquanto isso acontece, que eu acho que é a minha parte preferida, nós vamos vendo o dia a dia dela. Conhecemos a família dela, os amigos. Tem algo interessante que é: a Starr estuda numa escola de gente branca num bairro mais rico, só que mora num bairro mais pobre de maioria negra. É do tipo que o namorado branco dela tem uma mansão que caberia a casa dela inteira dentro.
Aí a gente vê também a Starr meio que se ajustando, como ela se "adapta" pra ser mais aceitável pra os amigos brancos, como ela evita assuntos ou não sente que pode falar sobre a realidade dela. E isso cria conflito, né? ELA VIU O AMIGO MORRER. Ela tá passando pela perda, tá passando pelo conflito de ter que ser testemunha, e isso afeta as relações dela.
O livro é tão bem feito, tão bem amarrado. Os personagens são interessantes e eu fui gostando deles mesmo sem querer. E a família dela? A FAMÍLIA DELA?
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH.
Eu acho que nunca vi uma família tão unida na ficção. Tem briga, tem a mãe que é a Mãe, mas tudo se encaixa no final. Às vezes fico até surpresa que podem existir famílias assim tão boazinhas.
Também é interessante, que não é só a família tipo papai-mamãe-filhos. É tipo: o irmão mais velho dela, Seven, é filho do pai dela com outra mulher, então vive entre 2 casas e ele ainda tem mais 2 irmãs. Além disso, quando o pai dela foi prisão e ela era pequena, o tio dela é que ajudou a mãe e cuidou dela e do irmão (Seven, que não era nem filho da mãe dela), então eles têm essa terceira casa também. É tanta gente que parece confuso, mas no livro é super natural e no fim você conhece todo mundo e ama todo mundo.
O ponto é que é legal ver essa relação entre essas 3 famílias, que meio que são uma só.
Na verdade, acho que nunca vi tanta relação saudável quanto nesse livro??? Acho que YA normalmente é tão focada no principal feat. amigos vs. resto do mundo que é todo mundo mal e um monte de gente tóxica, que eu tinha esquecido que pessoas têm relações saudáveis e não existem só pra conflito. É estranho.
Só sei que adorei, ri demais também com os momentos deles. Também adorei todas as discussões sobre diferenças culturais. Teve momentos do livro que eu adorei e teve daqueles de estar lendo deitada e precisar sentar PORQUE ISSO TÁ MUITO BOM, PRECISO ATENÇÃO 100% AQUI, LIGA AS CÂMERAS, FOCO, GENTE.
E no geral, eu acho que é um livro muito importante porque mostra como as merdas acontecem, como você vive aquilo e todas as formas como as raízes do racismo sistemático se espalham e prende a pessoa no lugar, como você consegue ver todas as merdas e como o povo privilegiado simplesmente ignora ou reverte a situação.
Acho que é gritante porque A GENTE SABE QUE ELE NÃO FEZ NADA E ASSIM MORREU E NÃO ACONTECEU NADA COM O POLICIAL. A GENTE VÊ COMO... COMO É QUE VOCÊ VIVE ASSIM? TU NÃO FAZ NADA. E PODE LEVAR UM TIRO POR NÃO FAZER NADA. COMO É QUE VOCÊ FAZ?
Eu tenho às vezes longas conversas com a Bells e uma recente foi sobre militar, sobre isso de "ah, pra que ficar se preocupando e vendo essas merdas? pra que 'militar', ficar apontando e falando?" - e a minha explicação, que talvez um dia eu consiga transformar num post, é que ninguém escolhe militar. Na verdade, não chamo nem de militar. Essas merdas todas fazem parte da realidade. Você não tá focando na merda, tu tá praticamente fazendo fofoca durante o chá, só que a fofoca é que aquele fdp foi machista. Se pra você não faz parte da realidade, é porque não te afeta, ou você não percebe ou as pessoas são silenciadas perto de você.
E acho que O Ódio que Você Semeia mostra isso, como essas coisas são entrelaçadas no cotidiano. O pessoal pode pegar e apontar "olha aqui como esse livro fala sobre essa questão", da mesma forma que você tira uma roupa do armário e decide que é o que vai usar hoje pra dar uma volta, mas pra muita gente não é uma roupa, é o nosso próprio esqueleto que a gente carrega onde for.
E acho que O Ódio que Você Semeia mostra isso, como essas coisas são entrelaçadas no cotidiano. O pessoal pode pegar e apontar "olha aqui como esse livro fala sobre essa questão", da mesma forma que você tira uma roupa do armário e decide que é o que vai usar hoje pra dar uma volta, mas pra muita gente não é uma roupa, é o nosso próprio esqueleto que a gente carrega onde for.
Eu não tô dizendo que essa é a realidade de pessoas negras americanas, eu não posso saber como é e nem generalizar, eu tô falando da minha experiência com essas questões e que eu me encontrei no livro.
Enfim. Eu que achei que não ia falar nada falei tudo isso. Eu queria que todo mundo lesse. Eu queria que as pessoas não virassem o rosto. Eu queria que as pessoas também não tivessem preconceito com esse livro YA legal só porque parece tocar em assuntos sérios (e se alguém fizer isso, espero que ela tenha tido a mesma reação com A Culpa é das Estrelas e Jogos Vorazes).
Só leiam. E se divirtam. Se não quiser ler também foda-se, azar é seu. Beijinhos.
Estou muito feliz com o livro e triste que acabou e esperando mais da Angie Thomas e feliz que ler livros parece algo legal outra vez.
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1 comentários
Eu tava querendo saber qual era o YA internacional do momento, tava vendo umas listas e nada de achar um que me interessasse realmente (Só The Serpent King). MAS QUERO ESSE *---*
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