"- Vai doer. Até pra gente como eu, a dor ainda machuca. Se você anda e age no mundo material., o mundo material age em você. A dor machuca, assim como a ganância embriaga e a luxúria arde. Podemos até não morrer com facilidade, e com toda a certeza não vamos morrer de uma forma boa, mas podemos morrer. Se ainda formos amados e lembrados, outra coisa bem parecida com a gente surge no nosso lugar, e começa tudo de novo. E, se formos esquecidos, já era."
Enquanto eu lia Deuses Americanos, eu ia percebendo uma coisa que, até essa fala, eu ainda não tinha parado pra refletir muito bem: a forma como os deuses são retratados na história. Eu só sabia que era algo diferente de tudo o que eu tinha visto até então e GENTE. EU JÁ VI MUITA COISA. Onde tem deuses e mitos (de qualquer panteão que seja) eu tô lendo ou assistindo, não importa o quê. Então posso falar com propriedade: eu nunca vi uma abordagem como essa.
Se você já viu Fúria de Titãs, leu Percy Jackson ou até mesmo viu Os Vingadores e qualquer outra mídia que explore o mundo das mitologias, você vê os deuses como? Isso mesmo: poderosos, arrogantes e muito fodões. Isso é de praxe. A retratação da mitologia em questão pode estar TODA ERRADA, mas os deuses serão mostrados como seres à parte do nosso mundo. Nos mitos gregos vários deles tem uma história e uma existência desgraçadas (pra não dizer todos HAHAHHAA), mas ainda assim sempre tem um episódio onde demonstram o seu poder. Então eu cresci com esse imaginário, me acostumei a pensar em figuras divinas como onipotentes.
Em Percy Jackson, o Rick começa a quebrar um pouco essa coisa de deuses imperturbáveis, imortais e invencíveis, mas eles ainda eram a potência daquele universo, lindos e poderosos. Já em Magnus Chase os deuses são uns inúteis e é por isso que apesar de eu amar a saga, eu detesto aqueles nórdicos energúmenos. Eis que pego em Deuses Americanos e sou apresentada a um punhado de deuses com aparência idosa, fodidos e tendo que se virar pra sobreviver num país que não acredita mais neles. São seres divinos que vieram praquela terra por causa dos mortais, numa espécie de imigração forçada, e acabaram sendo deixados de lado e trocados por novos deuses. Olha, eu preciso admitir: meu cérebro quase se fundiu com a ideia HAHAHAHAH.
Foi difícil aceitar ver Odin daquele jeito, vivendo de golpes e sendo tão...mortal. Ou ver uma deusa se prostituindo, um leprachaun viciado em drogas, deuses do Leste Europeu vivendo em um cubículo e por aí vai. No fim da edição publicada pela Intrínseca tem um extra onde o Neil explica como ele "ousava" falar sobre imigrantes nos states antes que façam essa pergunta a ele, já eu estava mais pra COMO VOCÊ OUSA FAZER ISSO COM OS DEUSES??? COMO OUSA FAZER ELES TÃO MISERÁVEIS E MUNDANOS?? Até os deuses novos eram mequetrefes!!!
Eu tava meio indignada HAHAHHA |
Deuses Americanos não se conclui de forma clara, ele dá abertura pra interpretações e formas de ver como a guerra terminou, isso se ela acabou mesmo. Eu mesma não sei direito, mas acredito que as ideias não morrem e sim se transformam, e como deuses se originam de ideias...fica aí a reflexão. Só sei que esse livro genial me mostrou que é possível e é incrível retratar seres divinos sujeitos à toda sorte de desgraças de uma forma ao mesmo tempo diferente e parecida com a gente. Diferente porque né, eles são deuses então podem viver eternamente, tem poderes e tudo o mais; mas muito semelhantes porque podem ser mortos, podem ser feridos e podem sentir toda a gama de emoções que mortais sentem.
E é isso que os tornam tão interessantes.
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neil gaiman
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