Eu escrevi finalmente um post explicando o que são tropes aqui pra o CC, agora vamos falar sobre por que eu acho que é importante aprender. Spoiler: porque eu falo disso o tempo inteiro no ConversaCult. HAUHAAHA Mas vamos lá...
Eles são tipo ferramentas que tornam muito mais fácil entender conceitos e discutir os problemas, reparar tendências.
Por exemplo, voltando ao Donzela em Apuros que eu mencionei no outro post. Por que isso é um trope? Por que TANTA história coloca uma mulher em apuros? Aí nós olhamos pra nossa cultura machista e vemos coisas como a ideia de que a mulher é mais fraca, indefesa, precisa ser protegida, é propriedade do homem que precisa ser recuperada ou salva. E aí parece super lógico que se alguém precisa ser defendido em história, é a mulher. As pessoas nem pensam no que tão fazendo, apenas repetem essas ideias internalizadas que viram a vida inteira, e o resultado tá aí: um trope que é muito comum.
Agora, quando a gente sabe que o trope Donzela em Apuros existe, fica muito mais fácil reconhecer e, principalmente, reverter.
Eu sou uma dama. Eu estou em apuros. Eu posso lidar com isso. Tenha um bom dia. |
A Disney é famosa por reconhecer os próprios tropes e criar personagens que parecem desafiá-los, só pra reforçar no final. Depois de ser apresentada com esse discurso todo aí, a história da Meg vira sobre o Hércules "ser o cara que é diferente" e o final da história se resume ao Hércules indo até o submundo para salvá-la. A história da Meg é literalmente sobre "a garota que não é como as outras... até encontrar o cara certo". Não façam isso.
O problema trope não é ele em si, mas a mensagem que ele reforça. Então não adianta a personagem dizer em cena "eu sou independente!" e chutar bundas uma vez, se no final vai ser comprovado que ela precisa do homem, sim.
Frozen é outra história que é aplaudida por todo discurso COMO ASSIM FICAR COM UM CARA QUE VOCÊ ACABOU DE CONHECER (aliás, isso de ficar com o cara que acabou de conhecer é um trope da disney!!), chega até mesmo a desconstruir a imagem do príncipe encantado perfeito com o Hans, mas no final... a Anna fica com um garoto que ela acaba de conhecer. Ele é gente boa se comparado ao Hans, tem uma historinha legal, tentou salvá-la, mas...??????????? Não muda o fato??? Mesmo que seja pra casar, ainda repete a ideia de "ficaram juntos e viveram felizes para sempre" que, adivinhe só, é outro trope.
Ao mesmo tempo, se você prestou atenção, Frozen subverte o trope "Donzela em Apuros" quando mostra o Kristoff indo salvar a Anna, mas acaba nem servindo pra nada. As irmãs é que se salvam.
Então quando você entende o trope, você ganha a opção de olhar pra sua história e pensar "ok, por que ela precisa de ajuda pra ser salva? por que a pessoa em apuros não pode ser um homem?" E se você não é escritor, você ganha a opção de olhar pra uma história e dizer "nope, isso não é saudável" e também exigir melhor dos escritores. E não se engane, falar sobre esses problemas nas redes sociais e buscar celebrar as histórias mais subversivas tem impacto.
Uma coisa pra prestar atenção:
o gênero (raça, sexualidade, etc) é algo que altera completamente o trope
Um trope massante e tóxico tipo o da Donzela, quando você muda o gênero, vira algo inovador, que às vezes não é nem um trope porque quase nenhuma história faz. A garota salvando o cara? WOW. A garota salvando a namorada? WOW. Uma garota negra sendo salva? WOW.
Por que? Porque a mensagem muda. Uma garota salvando o cara, não diz que ele é fraco, mas que ela é forte. Uma garota salvando a namorada, diz que garotas são fortes E que garotas se amando é lindo (olha como elas lutam pelo amor! mas tomar cuidado pra não virar tragédia...). Uma garota negra sendo salva reverte um histórico de tratar mulheres negras na ficção como secundárias, indesejáveis, etc. A mensagem é que ela é alguém que merece ser salva. O que infelizmente é algo difícil de ver na ficção quando se trata de mulheres negras.
Mas por que uma mulher sendo salva a mensagem é "ela é fraca" e o homem sendo salvo não quer dizer que "ele é fraco"?
Simplesmente porque na nossa cultura (pelo menos brasileira/ocidental/americanizada), já existe a concepção errada de que mulheres são fracas, sensíveis, precisam ser protegidas. Essa ideia é reforçada em todo lugar. O mesmo vai pra os homens. Ninguém duvida que o homem seja fortão e consiga se virar sozinho. Um cara sendo resgatado não vai mudar isso.
O que nos leva a...
O PROBLEMA É A REPETIÇÃO
Trope é a repetição da mesma narrativa. Pra desconstruir a ideia de que a mulher é dependente de homem para protegê-la, nós precisamos desconstruir esses tropes.
Por isso tem um detalhe principal que conecta entender representatividade a entender trope: Também não dá pra discutir representatividade sem considerar outras histórias.
"Ah, mas eu não tô dizendo que TODAS AS MULHERES DO MUNDO SÃO FRACAS, eu tô só contando a história sobre essa mulher aqui que é particularmente fraca"
O problema é que, por acaso, todo mundo decidiu que só quer contar a história da mulher fraca. Então querendo ou não, o que você tá dizendo é "todas as mulheres do mundo são fracas". É isso que a pessoa assistindo vê. Ela nunca viu nem outra opção???
E na real, 90% de chance de que a sua NECESSIDADE INCONTROLÁVEL de contar a história da mulher fraca, vem do fato de que você não viu a mulher ser apresentada de nenhuma outra forma, então nem passa pela sua cabeça como fazer diferente e que isso também é legal.
"Mulher fraca" aqui pode ser substituído sobre qualquer mensagem repetida constantemente sobre minorias, tipo "pra conquistar o felizes para sempre no fim a mulher precisa ter um homem" e "gente gay morre no fim".
A necessidade de discutir representatividade nasce daí. A gente começa a buscar novas formas de contar histórias, de incluir, de repensar como apresentar minorias e não reforçar essas mensagens.
Os tropes são uma forma de dar nome a coisas que nós vemos, sentimos, mas não sabemos colocar em palavras.
Fica muito mais fácil entender as mensagens que nós estamos "reforçando" e como alterar, quando nós a entendemos como trope. Imagina se toda vez que eu quisesse discutir sobre um padrão narrativo comum nas histórias eu tivesse que explicar tudo? "Então, mataram um personagem LGBT na história, e isso é um padrão recorrente porque personagens LGBT normalmente só ganham histórias dramáticas sobre sofrimento e são relegados a papeis de fundo que só tão ali pra sofrer pra mover a história do protagonista, isso é ruim porque reforça a mensagem de que pessoas LGBT só vivem histórias trágicas e morrem no final, o que tem um impacto negativo na comunidade..." em vez disso, eu poderia dizer "Bury Your Gays" e você saberia o que a história fez. Pronto.
É 1000x mais fácil discutir representatividade quando a gente entende os tropes.
Enfim...
O problema da representatividade nasce nos padrões narrativos que são repetidos e entender o que é trope faz você entender que X acontecimento em uma história é um problema não por causa dessa específica história em si, mas porque ele se junta as outras trilhões de histórias que dizem o mesmo X.
E sabe qual é a prova de que muita gente não entende isso? Elas tentam argumentar "mas nessa história fazer o X faz sentido". Nas outras também, Suzanne, mas esse não é o problema.
Se você entende o que é trope, que é algo que acontece em várias histórias, você entende isso.
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1 comentários
Wow, isso realmente me ajudou muito...
ResponderExcluirUm filme que desafia esses tropes é "Encantada" (TAMBÉM DA DISNEY!! ;-;)
Recomendo muuuiiitttooo esse filme, é super bem escrito e interessante como é inovador, mesmo sendo piegas. Bjs de Luz!!