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A música What's Up mostra como Sense8 é uma série diferente

5.3.17Dana Martins


Uma análise atrasada da série? Talvez. Um pensamento aleatório tardio sobre o que é a experiência de assistir Sense8? Mais provavelmente. Bem, todo mundo a esse ponto já sabe que durante um dos episódios nós ouvimos a música What's Up onde todos os sensates cantam juntos e, pessoalmente, é uma das cenas mais maravilhosas na série. E o que isso nos diz sobre Sense8?

*tirando o fato de que toca What's Up, não tem nenhum spoiler 

Eu lembro até agora de quando eu ouvi falar sobre Sense8 pela primeira vez - eu pensei que ia ser uma série de super-heróis. Oito pessoas ao redor do mundo ganham poderes de se conectar, trocar habilidades e sentir o que o outro sente. Uma delas é a Sun e tinha cenas de luta. É tipo um Ben10 sem alienígenas.

Mas aí quando eu fui assistir a série, foi diferente. Sense8 aborda muito mais a vida dos personagens, as experiências pelas quais eles passam, de um modo que a traminha de Corporação Maligna Secreta Está Atrás de Nós fica em segundo plano. Sense8 não é uma série de super-heróis, ação ou ficção científica no sentido tradicional. Pelo contrário, parece que cada vez o objetivo da coisa toda é abordar o lado humano.

O grande super-poder de Sense8 não é pegar emprestado as habilidades ninja ou a mente hacker de alguém, é poder experimentar o mundo como uma pessoa completamente diferente de você, no sentido mais humano mesmo. Sentir um carinho de uma forma que você não viu antes. Saber o que é fazer parte de uma família mexicana no Natal. Sentir o frio na Alemanha. E até mesmo como é ficar menstruado. 

São momentos da vida, experimentados com diferentes olhos, mas ainda assim vislumbres de vida.


O objetivo disso tudo? Não sei. Quer dizer, eu consigo ver a razão de contar história dos outros - de certo modo, ficção é o que nos torna sensates. Assistir uma série nos faz ir pra outro lugar, viver outra vida e até ganhar umas habilidades extras (apesar de não tão legais, infelizmente). Mas no geral, qual é o ponto?

Uma série como Supergirl a gente entende, é uma super-heroína lidando com os dramas de super-heroína. É fácil julgar, ver se o combate ao crime tá interessante, desenvolvimento de personagem. E uma série como Fear The Walking Dead ou Game of Thrones? A gente quer saber quem vai sair vivo, o que vai acontecer!!! E tem aquelas com mistérios e teorias que você assiste pensando só pra responder àquela pergunta fundamental "que porra tá acontecendo aqui?" Até mesmo os dramas médicos ou policiais é fácil: como esse caso vai ser resolvido? Tu não precisa nem assistir o resto da temporada!!

Até mesmo Orange Is The New Black, que começa com uma abertura de "escute essas vozes", parece ter um objetivo - a Piper vai sobreviver à prisão? O que vai acontecer com as detentas? O que a corrupção do sistema penitenciário vai causar dessa vez?

Você consegue ver um objetivo. Traduzir em uma lógica simples e familiar.

Aí vem Sense8, com um número musical que não é exatamente uma número musical de "filme musical", mas é uma cena de 3 minutos onde tudo o que os personagens fazem é cantar uma música inteira. De modo geral, o máximo de desenvolvimento que acontece é aproximar o Wolfgang da Kala. É claro que ainda tem conteúdo pra tramar, mas qualquer outra série faria isso em muito menos tempo. E mais: essa não é a única cena de Sense8 onde a única coisa que parece que tá acontecendo é os personagens existirem.

Acho que é até aí que muita gente fica perdida. Você vem esperando uma ficção científica típica, série ainda feita pelas criadoras de Matrix!!!!!!, mas chega lá e... o que é isso??



Acho que uma das melhores formas de explicar isso é dizendo que, se fosse feita uma versão Star Wars no estilo de Sente8, o filme não seria (apenas) sobre uma missão pra se descobrir o herói e salvar o universo do imperialismo. Essa trama ainda estaria lá, ainda motivaria os personagens, apareceria no desfecho de tudo e envolveria mistérios que nos prendem. Mas tudo isso seria secundário. O filme (ou série) focaria na viagem espacial, a experiência que é estar em uma nave no meio do universo - como você se sente? como é? 

Seria sobre conhecer as pessoas da equipe na nave, o que é ser um Stormtropper pra o Finn, como é que ele passou anos vivendo aquilo? Como foi pra Rey passar as noites sozinha crescendo naquele deserto? A fome, o sol, os perigos? A resposta no Star Wars estilo Sense8, seria menos um dado de caracterização empurrado nos primeiros segundos de filme como quem passa correndo, joga nos braços de quem tá vendo uma porção de detalhes e diz "carrega isso, é importante" e vai embora. A resposta seria alguma cena que, de algum modo, nos faz viver um pouco o que é a experiência de estar ali.

Eu não sei até que ponto Sense8 é uma série que você vê pensando, é algo que você entende porque você sente. A ficção é cheia desses momentos, elas são o "coração" da história, fazem você chorar e se importar com trama. Só que elas estão ali, sempre carregando a trama. A milésima mãe do milésimo personagem homem não foi assassinada para fazer a gente sentir e discutir o que significa a morte de uma mãe, a morte tá ali pra justificar a história do homem - só que nós simpatizamos/ficamos triste/achamos foda, porque nós sentimos isso.

Sense8 inverte a balança. Ela cria as experiências pra você sentir, acima de ter um significado maior ou estar ali só pra empurrar a trama, o que é basicamente o que acontece na nossa vida.

O que é a gente colocando uma música no meio da madrugada e cantando e dançando sozinho? Pra que isso? Qual é o objetivo? Qual é o propósito? 

Pra que a gente deita no chão sob o sol e vê as nuvens passarem no céu, ou as estrelas durante a noite?

Pra que a gente entra num carro e dá a volta com os amigos ou vai parar num fast food 24 horas só pra comer um hambúrguer? Obviamente, é pra comer o tal hambúrguer, mas todos os momentinhos ali entre sair de casa e voltar, todos eles contam.

Pra que? Sei lá. Pra existir. Pra viver. Pra experimentar. Pra sentir a sensação da chuva no corpo ou enfiar o dedo numa geleca estranha ou comer um troço diferente pela primeira vez.

Existem aqueles momentos que a gente olha em volta e qual o objetivo? Sei lá. Não sei. Não faço ideia. Mas a gente tá vivo, a gente tá existindo, está ali naquele momento e... é bom?

É como está diz o trecho icônico de As Vantagens de Ser Invisível, "e nesse momento, eu juro, nós somos infinitos."



E qual forma melhor do que a música para representar isso?

A parte de What's Up, quando acontece pela primeira vez, é uma cena um pouco inesperada. Ela é também curiosa. A música toca de um lado, aos poucos vai ecoando lá longe, onde estão os outros, cada um pouco a pouco vai se rendendo à letra, até que no fim está todo mundo cantando junto. E "todo mundo" eu quero dizer: nós também.

É incrível porque não são só esses personagens fictícios em uma série se deixando levar pela música que toca no fundo da cabeça deles. Somos nós, pessoais reais, cantando junto. E quantas pessoas reais não estão assistindo essa mesma série ao mesmo tempo? Quantas não cantaram essa música juntas, mas separadas, conectadas através da ficção?

"Eu também sou nós"

Eu estou escrevendo esse texto porque esses dias apareceu no facebook o vídeo da cena. Eu já ouvi essa música inúmeras vezes nesse dois (2!!) anos desde que a série saiu. É a música que eu coloco no pen drive pra ouvir no carro, porque é certo que todo mundo vai cantar. É a música que, por causa disso, começou inúmeras viagens minhas. É a música que me faz lembrar da CCXP com o stand da Netflix tocando ao fundo sem parar. É uma música que eu já to bem cansada, pra dizer verdade. Recentemente também assisti o episódio especial de Natal de Sense8 e eu não tenho mais conseguido apagar alguns problemas que a série tem. Acho que podemos dizer que eu estou decepcionada. Mas então o vídeo estava ali, a um clique de distância, e eu apertei play.

Começou embalada pelo "aaaaah não, essa música outra vez, não" do desgaste mental. Não chegou nem no primeiro refrão e o meu irmão estava cantando, e então eu estava cantando, e a gente estava rindo e brincando com as diferentes vozes dos sensates cantando em conjunto na versão da série e, assim como acontece no episódio, no final já era mais pra aquela melodia de liberdade e HEEEEEEEY HEEEEEY WHAT'S GOOING ON

E naquele momento, de fato, nós éramos infinito outra vez.





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