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6 pensamentos depois de assistir Rogue One

18.12.16Dana Martins


Hoje mais cedo publiquei a primeira parte do texto "Por que eu fui assistir Rogue One" (sério, leia) e agora venho com meus comentários completos sobre o que eu achei e representatividade pra quem já assistiu Rogue One: Uma História Star Wars. TEM SPOILER!!!

O que eu pensei depois que assisti foi...

1- quanto homem

Nossa. Homem demais.

Os do mal são só homem. Não existe mulher ali.

Os rebeldes... quase isso. 98% dos soldados e figurantes e personagens gerais são homens. 

Eu lembro de 3 mulheres no filme: a protagonista, uma branca com cabelo de cuia e uma negra do conselho. 

Pra não dizer que eu tô exagerando, uma hora no meio da batalha tem uma mulher piloto gritando. Ah! E a mãe da protagonista, que estreia morrendo.

Até mesmo entre os rebeldes tinha uns 3 caras pra cabeça de cuia.

proporção de mulher pra homem no filme

(vou ignorar a Leia pq plmdds)

Existia alguma necessidade do engenheiro lá ser o pai dela em vez da mãe? existia uma necessidade do pai adotivo nela ser um homem negro e não uma mulher negra? existe necessidade de todos os personagens relevantes do filme além da protagonista serem homens?

É meio surpreendente que num filme protagonizado por uma mulher e que parecia querer trazer representatividade, tem tanto homem. Um filme ainda que tem uma equipe central imensa (6 personagens vs. os 3 de Despertar da Força) e ainda tem os dois pais dela (o engenheiro e o cara negro que decide morrer porque... sei lá, não tinha mais espaço no filme). 

É claro que você ainda vê uma ou outra mulher no canto no filme, se prestar atenção. Como eu falei, é 98% homem. Normalmente é 100%.

Qualquer semelhança entre essa proporção e Guardiões da Galáxia e Liga da Justiça e Vingadores... bem. vou deixar você concluir sozinho.

2- iniciativa da protagonista

Primeiro, nas cenas de ação. Das 3 sequências principais, a Jyn Erso só aparece lutando mesmo na primeira da cidade sagrada E É FODA, AINDA MAIS QUE ELA É MAIS COMBATE FÍSICO). Só que aí chega na parte da morte do pai... o que ela faz? Escala e fica jogada no chão enquanto o Cassian vem buscar. No final? Escala, aperta uns botões e fica jogada esperando o Cassian vir salvar outra vez.


Não sei, senti muita falta da personagem encarando ação pra resolver as coisas. Às vezes até mesmo parecia que a história dela era só a mitologia legal pra explicar a missão Rogue One, só que o protagonista mesmo era ele. 

Até nessa parte da morte do pai da Jyn mesmo, eles mostram mais da perspectiva do Cassian e a expectativa é se ele vai ou não matar o Galen Erso. Um momento que poderia ser crucial pra ela.

Aliás... ALIÁS. Existe um padrão narrativo de protagonistas que é: o herói tem que completar a história sozinho. Por exemplo, em Harry Potter e a Câmara Secreta, caem umas pedras entre o Rony e o Harry, e aí o Harry tem que ir enfrentar a cobra gigante e o Voldemort sozinho. Ok. 

Em representatividade, isso levou a uma questão de "emburrecimento" das mulheres "fortes". Tipo, com a busca por dar mais valor às mulheres, fazem personagens super competentes, só que... a história ainda é sobre o homem. Então quando chega no final inventam uma razão pra tirar ela de combate e ele salvar o dia. Ex: Em Pacific Rim a Mako desmaia e o protagonista vai sozinho jogar a bomba no outro planeta. Em termos narrativos, essa conclusão de Pacific Rim é perfeita pra história dele de conseguir finalmente salvar o parceiro. Em representatidade de mulher, nem tanto, já que é uma prova de que ela só não é a heroína porque... queriam contar a história do homem.

Ok outra vez. A justificativa sempre foi de que é porque o herói precisa completar a própria jornada sozinho. Faz sentido.

Aí vem Rogue One e em meio segundo mostra que quando é com homem isso não importa.

No final, a Jyn sobe lá pelos arquivos, o Cassian é atingido e é o típico "tirado de combate para o herói completar a jornada", mas aí... a Jyn encontra o vilão e o Cassian surge do nada e acaba com ele.

É tipo estar lendo Harry Potter e aí AGORA É A BATALHA FINAL CONTRA O VOLDEMORT. O HARRY PREPARA A VARINHA E, BOOM, o Rony dá um Avada Kedavra no Voldemort. Gente, não. 

Lição que eu tenho aprendido: Qualquer Justificativa™ pra má representatividade baseada em Em Termos Narrativo de Escritor™, são apenas desculpas furadas pra não tratar representatividade direito, por mais que elas pareçam certas. 

Eu perdi a primeira versão desse texto, mas lembro que comentei algo tipo:

Na última batalha tem uma hora que mostra a Jyn andando e ela tá com dois bastões cruzados nas costas e eu fiquei WOW FODA!!! Mas eu não lembro nem deles chegarem a ser usados.



E eu acho que isso resume a minha sensação geral sobre a Jyn. Ela é interessante, o figurino é incrível, ela é competente e esperta. Literalmente adoro o jeito desafiador dela, a relação que ela tem com o robô lá, e ela daria uma personagem incrível. Mas na maior parte do tempo a sensação que eu tenho é que ela é apagada. Não cheguei nem a fazer os cálculos mentais, mas quase certeza de que se tirasse ela do filme não mudaria quase nada. 

A Jyn tá ali só incorporando todos os homens ao redor dela: o plano do pai, o sacrifício pela causa do pai adotivo, a crença nos rebeldes do cassian, a esperança na Força do Chirrut.

Se você tira ela, o que acontece? No máximo, dá pra dizer que vai perder a narrativa da pessoa cética, mas que acaba decidindo dar a vida pela causa.

Atualizando porque eu achei um post no tumblr comentando como dá pra fazer um filme muito melhor centrando no Bodhi Rook, que mostra como a Jyn tem pouca importância na história. (ou seja, não sou só eu que vi isso...) (e sinceramente, a não ser que o Bodhi fosse uma mulher, eu não trocaria pela Jyn, mas se vamo colocar as mulheres vamos pelo menos usar)

Agora deixa eu fazer uma pausa: isso não significa que foi ruim. Na verdade, a história dela de uma garota jovem que foi abandonada duas vezes por causa da guerra e não tinha propósito até entender a importância da causa, é muito legal. 

Além disso, é extremamente importante lembrar que a nossa balança interna é desregulada e nós costumamos ser hipercríticos de mulheres, enquanto homem faz a metade e já parece muito melhor. Então essa pode ser uma das causas dessa sensação.

No pior dos casos, a Jyn Erso é apenas uma heroína típica de aventura que salva o dia escolhendo seguir o próprio coração. O que é maravilhoso, porque dificilmente vemos uma mulher nesse papel.

Escolho a Jyn no lugar de qualquer típico herói bonzinho qualquer dia.


3- As partes boas

tristeza em pensar que dificilmente vou ver esses atores
em outros papeis assim


Essa parte eu não tenho muita vontade de falar outra vez não, porque eu perdi todo o primeiro rascunho do texto.

Mas no geral, a história é interessante, importante e visualmente linda. Nossa, poder ver esses cenários futuristas "reais" dá um prazer que nem sei descrever. E ainda mais legal foi ver que cada cidade que eles visitavam era inspirada em um lugar diferente do mundo real fora do típico EUA-europa.

Todos os personagens são bem legais também. A narrativa central é muito bem encadeada. Do Galen Erso encontrando uma forma de combater o Império de dentro, que através disso ensina pra o piloto a narrativa de "eu fiz algo horrível, mas estou usando a minha chance pra fazer o melhor" (a verdadeira mensagem que ele manda), que ensina o Cassian a seguir o mesmo e, por consequência, todos os outros. O casalzinho que acredita na força e tem uma relação muito legal pra trazer o "espírito" da história pra o filme. Aquele robô que é uma das melhores coisas e adorei a relação dele com a Jyn.

melhor que o filme do avatar inteiro

Eu só queria que... de certo modo, tivesse mais tempo pra aproveitar.

É até uma ironia do filme. Durante o início, parece que ele tá correndo, quer jogar todas as informações básicas na nossa cabeça, só que é uma correria paradona. Assistir foi tipo "tá, tá, tá, aham" e aí tem uma cena de ação, COISAS FINALMENTE ACONTECEM, mas aí continua o tá, tá, tá, tá, tá bom. chegava o ponto que eu me distraia do filme e via a sensação de ~tédio~ ao redor, tipo esperando algo acontecer de verdade. eu não sei se era muita informação, se tipo passava tão rápido que não dava pra aproveitar a cena, não sei

As melhores cenas, sem dúvidas, são as cenas de ação. Não só pela porradaria, mas porque é uma ação cheia de camadas, com vários núcleos, onde os personagens estão se transformando de verdade. Até num livro ficaria interessante.

Enquanto eu assistia tava pensando em Esquadrão Suicida, porque os dois tem duas cenas meio parecidas: eles chegando na "cidade" pra invadir. Eu lembro de assistir Esquadrão com meu cérebro derretendo na poltrona de tédio. Enquanto em Rogue One, mesmo com um bando de rebelde aleatório era envolvente.


Enfim, eu queria ter aproveitado mais os personagens, visto eles se conhecerem e só... viverem juntos. Tudo bem que isso tornaria 1000x mais doloroso o final, mas ainda assim, eu queria mais. As minhas partes preferidas do início do filme literalmente foram as da Jyn Erso x Robô interagindo. 

Com um pouco mais de desenvolvento nessas vivências, seria um grupo de "amigos rebeldes" inesquecível.

AGORA ME SEGURA VAMO FALAR DA MINHA PARTE PREFERIDA

4- sobre isso de todo mundo morrer. 

A primeira pessoa que morre é a mãe dela. E wow, que revolucionário, uma mulher morrendo assim que começa a história pra causar drama (e na verdade, nem causa drama, a morte não tem a menor relevância). Cansada disso. Cansada de assistir mulher sendo assassinada. 

Aí o segundo que morre é o cara negro, porque óbvio. Se tivesse alguém gay, seria o próximo.

Não, peraí. Quem morre depois e o Chirrut Îmwe, aquele que acredita na força, e o namorado dele.

Aí vai um a um morrendo. Até que no final os protagonistas morrem também e adeus. vlw flw

E puta que pariu, que história maravilhosa. Sério. Eu acho importante, porque essas histórias tem tantas guerras e genocídio, que não dá pra descartar o peso disso.

Star Wars: O Despertar da Força literalmente começa com uma vila sendo exterminada. Um planeta inteiro é destruído no meio da história. E ainda assim, se a gente não reparar, a gente assiste o filme inteiro e pensa que só o [insira aqui Aquele personagem] morreu.

Não cria a menor sensibilidade pra a devastação da guerra. E também não contabiliza as vidas que são sacrificadas nisso.

De certo modo, eu acho que Rogue One é a história de quando você vira a câmera um pouco pra o lado e vê os figurantes ali, e se pergunta quem eles são e como foram parar naquilo. É uma narrativa importante e poderosa.

Só que...

tem uma coisa meio estranha quando o filme que justamente decide contar essa história é o filme mais diverso de todos.

isso sem contar que a maioria dos personagens tem uma narrativa de "vou sacrificar a minha vida pela causa como perdão pelos meus erros" (Até o robô é um Imperial "convertido")

Não, isso não é teoria da conspiração. Eu não acho que eles falaram VAMOS FAZER UM FILME DIVERSO E MATAR TODO MUNDO HÁHÁHÁ. Eu acho que é uma mistura infeliz de coincidências, tipo:

1) É um spinoff de uma grande frânquia, o que permite mais liberdade já que você tem os Brancos™ principais garantidos. 
2) Eles estão realmente fazendo uma força pra ser mais inclusivo, vide O Despertar da Força também
3) Preconceitos e padrões internalizados que querendo ou não escapam quando vai escrever

Basicamente, minorias sofrem do problema de só receber papeis secundários e esses são os personagens descartáveis que podem ser sacrificados para causar choque ou passar uma grande mensagem. E Rogue One é um filme inteiro que representa isso.


Existe um padrão narrativo aí, um trope. Querendo ou não, o filme sendo maravilhoso ou não, ele contribui para formação e reforço desse padrão.

E se o objetivo é criar narrativas positivas para todos os grupos, isso precisa ser considerado.

5- ENFIM...



O resumo geral é que até antes da batalha final, o filme tava meio mais ou menos. Lindo pra caralho. Sci-fi worldbuilding porn. Tinha algumas coisas legais, mas tá. Aí depois da batalha final... tava já eu chorando, morta e gostando de tudo. O final definitivamente levantou o filme das 3 ou 4 conversinhas que eu daria pra 5 (de 5 no total). Eu realmente gostei por ser envolvente, emocionante e completar a história de uma maneira surpreendente, dolorosa e que é boa pra refletir.

Mas fica aí todos os questionamentos sobre representatividade, pra que da próxima vez seja melhor.

Bônus: está irritando os machistas, então vamos em continuar

6- Um dia depois...

Quanto mais eu penso sobre o filme, mais eu gosto dele. É tipo carinho pela história? Sei lá. Mas é uma sensação boa de ter assistido algo que eu gostei.






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2 comentários

  1. super concordo e se eu ver mais uma white feminist dizer que o filme é o mais representativo ever, eu me enterro. Isso mostra q falta MUITO pra esses diretores privilegeados aprenderem a fazer o minimo. Poxa mts filmes bons e diversos sao ignorados e enterrados enquanto as mesmas historias cliches viram blockbuster. Mesmo irritada que diversidade é vista como obrigaçao, é melhor ter isso q nada :/

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    1. o mais representativo ever é sacanagem HUAHUAHUAH é bom, e muito importante, mas tem lá todas as questões (inclusive a falta de mulheres de outras etnias) (ontem eu vi alguém usando a lupita de exemplo pra dizer que tinha uma mulher negra nos filmes HUAHUAHUAH). Mas pelo menos Despertar da Força é melhor em questão de representatividade pra mulher, então ainda dá mais esperança. e concordo com td

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