Eu estou no meio da edição de uma história, e... eu queria compartilhar sobre como é interessante ver um rascunho ruim começar a ganhar a forma de uma história.
Primeiro, vamos deixar pra trás aquela ideia de que escrita é algo único, tipo que quando você senta na escola e o professor fala "escreve a redação sobre isso", e você vai lá e enche uma folha com palavras. Pronto. Acabou. Não.
A história começa nas ideias, e você literalmente refletindo sobre as possibilidades de narrativa - tudo na sua cabeça, sem uma palavra escrita. Ela está quando você faz pesquisas, e começa a associar pontos. Ela está nos trechos de diálogos e cenas, que você rascunha aqui e ali. Ela está quando você escreve 50 mil palavras de lixo. Ela está quando às 5 da manhã você está fazendo diagramas e anotando informação, num surto de arquitetura falido.
Pensando agora, é que escrita e história não são a mesma coisa. História vem da ideia, da organização dos fatos, e ela existe mesmo quando a Paula está fazendo uma aesthetic das casas de hogwarts no tumblr. A escrita é só... traduzir essa história em palavras.
Mas mesmo a escrita, ela não é um bloco de concreto que sempre acontece a mesma coisa. "Ah, eu tive a ideia dessa história onde um menino cai por um buraco e vai parar na sua série de tv preferida". Eu acabei de escrever sobre o que é a história, mas ainda não é a história em si. Então quando nós vamos escrever, nós também podemos passar por várias formas de escrita.
Eu normalmente escrevo, depois entendo o que eu queria falar e aí organizo o que tá escrito pra passar isso da melhor forma.
Quando eu escrevo histórias, é parecido, só que envolve MUITO mais camadas.
A minha história atual, a Ground Control au, eu tive a ideia numa noite. Sabe aquelas que parece muuuito legal escrever? O primeiro capítulo saiu quase perfeito. Eu pensei "é só uma história pequena, talvez eu escreva tudo hoje". Agora já faz meses e eu tô indo pra 3 edição/escrita.
A primeira versão eu escrevi ao longo de uma semana, e eram mais uma sequência de cenas soltas. Eu sabia que a história se passava no período de 4/5 anos, e eu escrevi todas as cenas legais que vinham na minha cabeça até não ter mais nada.
Quando eu terminei, e comecei o planejamento, foi o trabalho de listar todas as cenas, organizar em ordem cronológica, entender o que eu quero dizer e anotar o que faltava, o que precisava ser trabalhado.
Fácil. |
Até eu começar a escrever e descobrir que a maior parte da história não estava escrita. E algumas cenas não funcionavam. E certos acontecimentos não tinham impacto, porque não importam pra protagonista. Foi bem ruim. O segundo capítulo da história parecia um frankenstein no final, todas as minhas tentativas de tentar escreve-lo recortadas, combinadas, mal escritas.
Um detalhe aqui: quando eu escrevo a primeira vez, eu não me esforço pra deixar perfeito. Depende da minha energia no momento, mas descrições, diálogos, tudo ali é feito do jeito que a ideia veio. O importante nessa parte é colocar a ideia pra fora, materializar a cena ali mesmo que uma porcaria, fixar as imagens que passam pela minha cabeça.
eu quando vou consertar as minhas primeiras versões |
Depois de umas duas/três semanas, terminei outra vez.
Enquanto eu me dei um dia de folga, já pensava em cortar todas as 9 mil palavras desse segundo capítulo, ir direto pra o terceiro, que é mais interessante.
Dica: nem tudo que você escreve precisa ser usado. Aliás, eu só consegui "finalizar" o segundo capítulo depois de escrever uma cena aleatória que acontece antes da história, com a protagonista. Isso me fez perceber que eu precisava conhecer mais ela, e me deu mais propriedade pra poder fazer uma história que ela guiasse.
Aí agora é que as coisas ficam interessantes.
Eu tava indo dormir quando tive a ideia: A personagem ouvindo um barulho. E essa cena me deu espaço para tornar toda a história do segundo capítulo interessante - e eu sabia que precisava disso, porque ele estabelece coisas pra o resto da história inteira.
Deixa eu comentar uma coisa, sabe quando você tá escrevendo uma cena, e você sabe que é aquilo que tem que acontecer, mas parece chato? Tão chato que você começa a duvidar se vale a pena a contar essa história mesmo. Sei lá, só não parece legal. Eu posso escrever a cena de uma pessoa chegando em casa, mas isso não significa que seja algo que eu queria ler, que me chame atenção.
Era assim que tava o meu 2º capítulo, e essa cena mudou isso. Pelo menos um pouco.
Aí começa eu a reescrever o capítulo inteiro.
Recap:
Na escrita 1, esse capítulo nem existia.
No planejamento, eu vi que precisava para introduzir certas informações e pensei em como contar isso.
Na escrita 2, eu escrevi várias versões até recortar tudo e combinar num troço só.
Na escrita 3, eu ia cortar ele, mas com essa cena nova eu pude reescrever as outras.
Eu ainda não terminei, mas com certeza vai ter uma escrita 4 ou 5. Talvez até mais.
Mas escrever esse capítulo outra vez foi muito legal, por poder me livrar de muita porcaria e ver a história começar a ganhar a forma que eu tinha planejado. Até mais do que isso, coisas que não tinham funcionado na escrita 2, agora faziam sentido.
Algumas coisas que surgiram nesse capítulo e eu gostei:
1. Um sistema de pontos, que pode levar a personagem a ser demitida. Uma das coisas que eu queria fixar, é que a personagem só se preocupa em manter o emprego. Ela quer seguir as regras, fazer tudo direito. "Eu devo fazer isso ou não?" é um conflito constante, e esse sistema de pontos concretizou isso na história.
2. Propaganda. Um dos problemas do capítulo 2, é que ela ainda não conhece personagem X direito, e só ela refletindo sobre alguém do nada tava meio chato. Então a propaganda que mostra personagem X - em pôsteres, revistas - materializa a presença desse outro personagem. Agora eu literalmente posso escrever cena entre as duas, sem que uma delas esteja presente.
3. Voz dos personagens. Alguns diálogos em cenas já escritas foram ficando diferentes, mas é legal ver como eles se encaixam muito mais com os personagens.
Tinha mais, mas eu esqueci.
De qualquer modo, é como tentar arrumar móveis em uma sala cheia deles. Você empurra um sofá pra cá, uma mesinha pra lá, arrasta a estante e... aos poucos, o lugar vai ficando com cara de uma sala de estar, e você pode andar ali tranquilamente.
Ainda tá cru, hoje eu já acordei com uma ideia para melhorar uma cena. Ainda tem uma reescrita mais detalhista pra fazer, que é ir de parágrafo em parágrafo até que a leitura seja interessante, fluida e se encaixe com o tom geral.
Mas... estamos chegando lá. Eu espero. Alguma hora isso vai ficar pelo menos razoável, e aí eu vou terminar.
Enfim, fica aqui o lembrete de que a escrita não precisa ser algo único - ela dificilmente é. Se você está tendo dificuldade para ir em frente, ou se tudo parece uma merda, lembra que o que você tá produzindo no momento não precisa ser definitivo. Todas as palavras ali podem ser cortadas, alteradas, melhoradas.
O que você quer dizer com essa história?
Como isso pode ser dito?
Quais cenas te animam, e por quê?
Como fazer uma cena que te anima contar o que você quer?
Tá ruim? VAMOS PARA REESCRITA NÚMERO 23223.
continue a nadar! |
Curiosidade 1: Você vai ver esses inúmeros testes em várias histórias sobre invenção - reais e ficção. Assisti Chappie esses dias, onde um cara inventa inteligência artificial, e mostra ele fazendo vídeo "então, teste número 439394, vamos tentar outra vez". E aí ele pega a mesma ideia, ajusta, melhora... e tenta. Assisti Ex Machina que é a mesma história, e nós vemos os vários modelos de teste que ele foi aperfeiçoando. Ontem eu tava na página do Santos Dummont no Wikipédia, e tem uma lista de dirigíveis que ele foi criando (N-1, N-2, N-3...). Experimente abordar a escrita assim também.
Curiosidade 2: o Batdrama agora é enviado por email, só se inscrever nesse link. Lá todo domingo eu compartilho meu progresso de escrita, e às vezes envio os posts específicos de escrita (título: Escrita).
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