Uma coisa que vocês precisam saber antes de eu começar a escrever sobre o assunto é que minha mãe vive tentando me arranjar com garotos. E eu falo sério quando digo isso. Ela leva o negócio como um esporte mesmo, tipo uma meta de vida. O que acontece é que eu não gosto de garotos. Eu sou uma garota e gosto de outras garotas, ponto. Partindo disso, vamos desenrolar a história.
Eu não sei se minha mãe suspeita que eu seja gay ou o que diabos ela pensa, mas o que acontece é que ela vive constantemente me forçando a olhar para os meninos. Eu fui falar pra ela outro dia que estava com dor no ombro e ela já lançou um “você precisa de um namorado pra te fazer massagem”. Reclamei que minha garganta tava ruim e ela já veio com “é porque você não beija ninguém”. E isso acontece o tempo todo. Em qualquer momento — possível ou impossível, cabível ou incabível (sim, essas palavras existem) — ela joga uma coisa desse tipo. Isso sem contar comentários como “olha lá aquele menino, o que você achou dele?”, “você não gosta de homem, não? Nunca te vejo comentando sobre eles”, “vou te arrumar um namorado porque não aguento mais ver você dentro de casa”, “você precisa sair com amigos homens”.
E eu me sinto completamente sufocada. Sinto vontade de explodir. Eu não suporto essa pressão para ser hétero. Eu não sou hétero. Eu não gosto de garotos e não adianta me forçar a gostar deles porque isso só me faz querer me afastar ainda mais. Essa exigência é uma coisa muito tóxica e abusiva que me consome. Eu fico esgotada, revoltada, irritada com essa heterossexualidade compulsória. Eu tenho vontade de chorar, de sair de casa, de nunca mais voltar, às vezes de ficar e lutar pra fazer ela me entender.
Eu acho que ela não percebe o quão mal isso me deixa — mesmo eu já tendo falado várias vezes pra ela parar. Mesmo se eu fosse hétero, eu continuaria irritada com essa pressão toda pra arranjar um cara. Poxa, por que não posso ficar sozinha? Não sou feliz sozinha, mãe? Eu preciso de outra pessoa, de um cara, pra me sentir completa?
Eu chego até a me sentir culpada por não gostar de homens. E olha, eu tentei gostar de garotos. Tentei lutar contra o fato de que eu não gosto deles. Eu tentei olhar pra eles do jeito que minha mãe gostaria que eu olhasse. Eu realmente realmente me forcei a tentar. “Certo, então vamos lá, vamos procurar algum menino bonitinho que me faça sentir alguma coisa. Aquele ali é bonitinho, talvez eu possa gostar de ficar com ele. Okay, talvez não. Eu deveria sentir alguma coisa, né? Vamos, sinta alguma coisa. Por favor, por favor, qualquer coisa. Eu preciso sentir alguma coisa.”
Minha garganta aperta, meu coração dispara, meus olhos ameaçam derramar lágrimas e eu sei que não to fazendo o que eu sinto que é certo pra mim mesma. Mas a visão de repreensão da minha família está sempre ali na minha cabeça. Como eu disse, sufocante. Por que, mãe, eu não posso gostar de garotas? O que é que eu to fazendo de errado? Eu só to amando.
Lidar com a minha própria sexualidade já foi um pouco difícil, e essa pressão toda só acabou me deixando pior. Eu me culpei durante muito tempo por não gostar de garotos. Ainda não me livrei por completo desse sentimento de culpa. Eu me forcei a ser quem eu não era e a gostar de quem eu não gostava. Eu tentei me forçar a ser quem gostariam que eu fosse e quase tive um colapso fazendo isso.
Desculpa, mãe, mas não sinto atração sexual nem romântica pelos garotos do jeito que você gostaria. Eu não sou a pessoa que você quer que eu seja, assim como você não é quem eu gostaria que você fosse — e eu, em momento algum, cobrei que você fosse quem você não é. Acho que seria bom se você pudesse fazer o mesmo comigo.
E não é só por aí, vai além disso. Não é só a minha família que faz isso comigo. Mesmo que nem todos falem, eu sinto essa imposição sobre os meus ombros. É a minha mãe me forçando a gostar de garotos, vistoriando a minha vida e dizendo que eu preciso namorar um cara. São as propagandas mostrando famílias compostas por um pai, uma mãe e os filhos, ou um namorado e uma namorada, marido e esposa. São os filmes românticos protagonizados por um casal formado por um homem e uma mulher. São os livros e histórias de ação, aventura, fantasia, ficção, romance — e diversos outros gêneros — com o mocinho ficando com a mocinha.
Em qualquer lugar que eu olhe, eu vejo os padrões que a sociedade construiu e sinto como se eu não conseguisse mais respirar. Tudo isso grita um “seja hétero” na minha cabeça. É sufocante, dá vontade de gritar, fechar os olhos, rasgar o que quer que seja que tente me obrigar a entrar nesse molde previamente estabelecido no qual eu não me encaixo. E eu grito de volta, num sussurro porque tenho medo da repressão alheia, um “desculpa, mas não sou”.
- M
Leia o outro texto que ela escreveu, Um (não tão) breve relato de quem ainda tá se escondendo
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1 comentários
Adorei, a minha vida se identificou em certos pontos. Adoraria saber qm escreveu!
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