clube de escrita Dana Martins

Clube de Escrita: onde entra a representatividade

25.9.16Dana Martins


Tava eu conversando com a Helena sobre representatividade em histórias, e essa não é a primeira vez que eu converso sobre isso. Aqui no ConversaCult eu falo muito sobre representatividade, e nós temos o Clube de Escrita que é de fato sobre escrever. E quando os dois se encontram?

Deixa eu começar dizendo que é como se fossem coisas diferentes. A parte de mim que analisa histórias é diferente da parte que escreve.


Só que o que eu tenho visto é a pressão por representatividade virar mais uma das pressões internas pra o escritor. E, veja bem, o Clube de Escrita é muito conversando com autores jovens que, como eu, lidam muito com o simples esforço de colocar uma história no papel e finalizar.

E uma coisa é eu chegar pra JK Rowling ou o Neil Gaiman ou o escritor de uma série e falar - amorzinho, que porra é essa?

Outra coisa é chegar pra alguém que tá começando a formar a consciência de que é um escritor, e exigir o mesmo.

Então eu vou deixar aqui o trecho de uma conversa que eu tive sobre isso. 


No fim, o importante é fazer o que você consegue, o que te faz ir em frente, porque nesse momento a principal parte mesmo é se desenvolver como escritor.

Não adianta nada querer escrever uma história perfeita se você não tem nenhuma história escrita.

Não adianta querer ser o escritor fodão das galáxias da representatividade e que se importa com os outros, se você nem tem uma história escrita.

é importante dissociar todas essas coisas.

- representatividade é importante. 

sim, mas por quê?

Pra desconstruir as coisas tóxicas que a gente tem internalizadas. Importante não pra escrever uma História de Qualidade™, mas importante porque culturalmente a nossa sociedade precisa de outras narrativas, porque isso pode mudar a vida de pessoas, porque isso liberta a gente mesmo (no caso, mulher que escreve uma história mostrando a se libertar dos padrões de beleza, por exemplo). É importante, porque... é literalmente usar a ficção pra expandir a realidade.

Assista o vídeo da Chimamanda Ngozi Adiche sobre O Perigo da Única História

Que sentido faz você aqui no Brasil escrever a história do Jessy Bradley que toma café gelado todo dia, mas quando neva, ele prefere tomar quente com baunilha, enquanto anda com seu cachecol da Buckmann pelas ruas de Rington Flowers? Por que você acha que isso é o legal, não a Kátia andando de skate na praia de Cabo Frio e comendo churros? 

Eu sei que existe uma resistência, eu sei que a gente cresce aprendendo que o Ben McCartney é Cool™, e basicamente só lendo histórias que se passam na West Street. Em outras palavras, comer uma tapioca ali no centro no meio do pagodão parece uma coisa bem chulé. (Até porque acho que a gente não tá acostumado a ter histórias tão próximas da nossa realidade, que isso fica quebrando a magia da Ficção. Você consegue dissociar muito mais fácil lendo a história do Justin Green na cidadezinha de Westonveils)

E eu sei, porque eu faço também, que a gente tem várias formas engenhosas de esconder isso. As Cidades Imaginárias, aquele lugar artificial que absolutamente não existe, mas é muito semelhante com as que a gente lê nos livros com uma pitada da nossa própria realidade. Sem compromisso nenhum com fatos da realidade. Até porque a gente não conhece o bastante sobre essas cidades americanas pra escrever sobre elas, e as nossas parecem erradas. 

Ou a gente vai pra ficção científica, ou fantasia. Ou até vai parar na China. Por que não, né? 

Também tem os nomes e apelidos que ficam no meio do caminho, Tom, Dan, Jess... Todo mundo come pizza porque tem em todo lugar. Tá, já deu pra entender.

Enfim, o importante é saber que você tem a opção de fazer isso e ter consciência do impacto que a sua história tem na vida real. 

Até porque ninguém escreve história que exclui minoria por maldade. Elas não reforçam padrões que fazem mal aos outros por maldade. Às vezes é só porque elas não pararam pra pensar, ou pra entender, que podia ser diferente. 

Ou seja, se preocupar dá a oportunidade de fazer o que você realmente quer. 

Grande parte da ficção reproduz ficção. E pra quebrar o ciclo de um tipo só de narrativa, precisa de esforço.

Esse é o interesse de todo autor? Isso é uma obrigação? Isso é necessário pra uma história boa? Não, não e não.

Você conta a história que você quiser, que parecer o certo pra você. Isso em todo tipo de arte. Ainda mais se você sente que isso tá te bloqueando. Não deixa, se liberta e vai em frente. Experimenta.

Isso é o que eu digo pra os meus amigos: gente pf acho lindo que você se importe com a representatividade, e esteja se esforçando pra fazer algo melhor, mas eu preciso que você esteja aí vivo e escrevendo, eu preciso que as suas histórias sejam reais. enfia o pé na jaca de propósito. vai escrever, meu filho. depoooooooooooooois. tu pensa em representatividade.

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OBS 1- vamos lembrar de umas coisinhas
Às vezes tu quer escrever um sexo explícito ou um palavrão e se censura pra agradar o público. Aliás, a única razão do triângulo amoroso entre Peeta-Katniss-Gale em Jogos Vorazes é porque foi dica do editor. E a JK Rowling escondeu o próprio nome (e sabe o que mais ela mudou...) pra poder vender a história. Esses esforços parecem naturais e ninguém reclama muito. Agora, quando chega na hora de fazer um personagem que não seja branco parece A DESTRUIÇÃO DA ARTE E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Existe aí uns preconceitos, existe umas barreiras que fazem a gente enxergar colocar representatividade como difícil ou ruim, enquanto outros esforços pra "encaixar" que a gente faz, não são são criticados. Por isso que é importante se questionar.


OBS 2- 
Comigo, mesmo que eu não consiga colocar em prática na hora ou pareça ruim, com o tempo estando alerta pra isso sem rejeitar, eu comecei a incluir mais naturalmente. 

OBS 3- 
Outra coisa que me ajudou é: foda-se, vou escrever do jeito que der vontade, e aí só penso nisso depois que a história terminar. Mudar gênero, sexualidade, cor de pele, etc. Eu tinha na cabeça a ideia de que parecia Certo™ esse homem branco protagonizar porque a ideia veio assim, não dava pra mudar!! Então escrevi assim e, depois de escrito, quando não tem mais essa pressão, se diverte alterando. Nunca precisei fazer isso, mas pensar assim me libertou.

OBS 4-
Toda história é representatividade. Toda história é uma representação da realidade. Você não escolhe ou não representar algo. Só o que você vai representar.

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2 comentários

  1. Adorei o texto, falei sobre isso no meu blog há um tempo atrás e uma garota de um grupo de leitura do qual eu participo descordou completamente dizendo que os autores "colocam representavidade" se quiserem, entendo que ninguém é obrigado a nada, mas ás pessoas têm que parar para refletir sobre determinados assuntos.
    http://minimundoliterario.blogspot.com.br/

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    Respostas
    1. adaptação de um tweet que eu vi esses dias responde bem: o escritor pode fazer O QUE QUISER mas precisa lidar com as consequências do q se diz.

      não é só porque escritor não tem obrigação de ser importar com outros seres humanos e refletir o impacto do que escreve, que eu não vou achar ruim ler uma história que trata como se eu não existisse/não devesse existir/fosse algo ruim.

      e o principal é que muita gente quer fazer, mas não sabe como ou não percebe. então discutir ajuda a pensar sobre isso :)

      obrigada pelo comentário <3

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