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O que a s4 de OITNB me ensinou sobre histórias (sem spoilers)

30.6.16Dana Martins


Sem spoiler até porque eu ainda nem assisti ainda essa temporada de Orange Is The New Black, mas aconteceu algo que me fez ficar pensando. 

Histórias não são apenas histórias, existe também uma dimensão de pra quem você tá contando a história. 

"Óbvio né, o público-alvo!" Não. 

Eu não tô falando de uma questão comercial, mas do fato de que quando você tá contando algo, você conta pra alguém. Por exemplo, pensa que você vai conversar sobre a cultura de colocar culpa do estupro na vítima pra o seu amigo (que sabe o que é), ou pra o seu tio que tá dizendo "ela fez pra chamar atenção".

Ou seja, querendo ou não você adapta o que tá falando pra quem você tá falando.

E daí? E daí que a maioria das histórias são pra homem, branco, cis, hétero. 

Lembro quando saiu Formation, da Beyoncé, e falaram que essa música não era pras pessoas brancas. E não é. Você pode ouvir, gostar, mas não é a mesma coisa.



Isso explica como muito homem não gosta de Jessica Jones - é finalmente uma história que não é contada pra eles. Ela conversa o tempo inteiro com experiências das mulheres, e elas reconhecem. O Kilgrave parece horrível e impossível, mas o que ele representa é uma figura presente na vida das mulheres. 

Eu adoro que muito homem gosta da parte que começa a explicar o lado do Kilgrave - agora sim, profundidade, interessante, uma jornada de recuperação, olha como tem explicação pra as coisas horríveis que ele faz... e essa é literalmente a história que um monte de herói de ação recebe. Homem é perdoado pelas merdas o tempo inteiro.

Mas não em Jessica Jones, porque aqui é uma história contada pra mulheres, que vivem diariamente com o custo dessa impunidade. Elas sabem que mesmo que os homens adorem contar histórias explicando por que eles fazem coisas horríveis e tratando como se fosse ok, não é assim pra metade da população que se ferra.


Eu pensei que ia ter que pesquisar algo mais, mas literalmente bastou só escrever "woman" e "smile" no google:


Inclusive o site "Stop Telling Women To Smile" (Pare de dizer para as mulheres sorrirem), que é contra o combate de abuso nas ruas. 

pf, diz que o Kilgrave não é real


Então enfim, é uma história que conversa com as mulheres. E é claro que homens podem assistir e gostar e buscar entender a perspectiva (reflita: mulheres crescem tendo que fazer isso com história de homem), mas essa história é pra elas. 

Mas o que isso tem a ver com Orange Is The New Black?

Aí que entra OITNB, uma série que se vende como "a série de lésbica" e é uma das melhores histórias com representatividade. O que eles fazem de diferente? Tratar minoria como gente, contar as histórias delas com dignidade. A própria abertura da série canta "lembre-se dos rostos delas, lembre-se das vozes delas". Eles deram espaço pra um monte de atrizes que seriam rejeitadas por causa de gênero, sexualidade, etnia, idade (...) interpretarem papeis complexos.

Mas então eles fazem algo na quarta temporada, pra contar uma história sobre o movimento Black Lives Matter, e o choque vem: Essa não é uma história contada pras minorias. 

Essa é uma história contada pra o pessoal privilegiado e preconceituoso. 

Piper

Quando eu penso nisso lembro da Jenji Kohan, a showrunner de OITNB, comentando:

  • "De muitas maneiras a Piper é o meu Cavalo de Troia. Você não vai num canal e vende uma série com histórias fascinantes sobre mulheres negras, e mulheres latinas, e mulheres velhas e criminais. Mas se você pega essa garota branca, esse peixe fora d'água, e a acompanha, você pode expandir o seu mundo." (x)


Na época eu, garota branca (e latina, mas aí é outra história), achei isso genial. Pra ser sincera demorei a assistir OITNB porque eu ouvia falar que era "a série de lésbicas" e não me interessava (preconceito? com certeza). Se eu visse só um monte de mulher negra ia assistir? Acho que não. Mas uma vez lá dentro EU NÃO QUERO SAIR MAIS!!! E é maravilhoso seguir a vida dessas pessoas. 

Só que... essas pessoas são reais. Não as personagens, mas a mulher negra. A latina. E todo mundo que eles representam lá.

Aí é que começa a ironia. 

Ironia porque você dificilmente tem histórias onde minorias têm papeis relevantes, e que são histórias pensando nelas e no que elas precisam;

Ironia porque até quando contra todas as chances surge uma série como Orange Is The New Black, ela é feita para a audiência branca hétero cis e privilegiada. 

E se depois de assistir a série, você ainda não olha para as pessoas dessas minorias na vida real, e escuta a perspectiva delas, isso significa que toda essa série é só apropriação dos dilemas deles.

É tipo um jogos vorazes, que você pega o sofrimento da vida real de alguém pra entretenimento, pra fazer alguém se divertir por um dia e dizer "cara, que série foda!!" e foda-se. 

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1 comentários

  1. acho que tão importante quanto ver pra quem essas histórias são contadas, é ver quem ta contando essas historias. e todos os roteiristas de oitnb são brancos, né.

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