Continuando a série de cartas para os nossos eus de dez anos atrás, aqui está a minha!
Foi uma tarefa esquisita e ao mesmo tempo muito prazerosa. Esquisito por estar escrevendo para alguém que não existe mais nesse plano temporal coisas que ele vai descobrir vivendo. Porém, como sempre, escrever foi uma ótima forma de auto-análise e auto-convencimento. Por mais que o destinatário seja uma outra versão de mim mesmo, a verdade é que o meu alvo é esse Paulo aqui, de agora.
Bom, sem mais delongas, vamos lá:
"Oi, Paulo de oito anos :)
Sinceramente, eu sei pouquíssimas coisas sobre você. Sério, parece que foi outra vida. Talvez a minha noção de tempo seja um pouco distorcida, talvez a quantidade de coisas que aconteceram desde meus (nossos?) doze anos crie essa sensação de ter passado muito mais tempo. De qualquer forma, foi esquisito perceber que falar com o meu eu de dez anos atrás é, na verdade, falar com você, e não com um Paulo que sabe algumas - ênfase no “algumas” - coisas sobre si mesmo.
É 2006, você teve o seu primeiro meio-irmão há alguns meses, está no terceiro ano do ensino fundamental, sofre pela menina que é sua paixonite há um tempo e… só?
A minha infância é como um bloco único na minha memória, não recordo muitos detalhes sobre você. Desculpa, mas até que não faz muita diferença. Quem você é, no momento que lê esta carta, não muda o que vou dizer - meu único objetivo aqui é garantir que você faça exatamente tudo o que eu fiz.
Ok, talvez não exatamente tudo. Aliás, minha saúde mental agradeceria bastante se você não fizesse os momentos embaraçosos que continuam reaparecendo na minha cabeça quando eu menos espero. Porém, de um modo geral, siga os meus passos. Os erros, os acertos. Tudo. É o que vai te trazer até mim.
Isso de todas as nossa ações construírem o que nós somos etc. etc. é super clichê, mas imagino que você ainda não tenha noção disso, então deixo essa mensagem para ficar aí no seu subconsciente e aparecer no momento certo.
Vou te dar alguns spoilers do seu futuro, para você ter uma ideia do caminho a ser seguido:
1. Em dois anos, você vai estar se preparando para entrar na segunda metade do ensino fundamental e, por isso, fará alguns concursos. É extremamente importante que você crie expectativas e >não< passe em nenhuma prova. Sim, porque a frustração da primeira derrota será importante para você se esforçar de verdade na segunda vez. Afinal, no ano seguinte, vão abrir vagas para o sétimo ano numa nova unidade de um desses colégios, e é para lá que você tem que ir.
Sem o Colégio Pedro II, você provavelmente não vai ter a oportunidade de descobrir sem grandes traumas que o seu umbigo não é o centro do mundo; não vai aprender a enxergar a realidade além do preto-e-branco conservador nem ver como tudo é muito colorido e diverso; e, principalmente, não verá essas cores em você.
A princípio, será difícil se adaptar a um colégio grande, com tantas pessoas. Com o tempo, muitas amizades serão criadas e, mesmo que algumas fiquem pelo caminho, as mais fortes sobreviverão. Até alguns professores se tornarão seus amigos. Converse com eles, absorva o máximo dos conhecimentos e participe de todo os projetos legais que surgirem. Você vai amar a escola, mas não só pelo que acontece na sala de aula. O que você e seus amigos - alunos ou professores - podem fazer fora dela é muito mais valioso.
2. Já que eu falei de projetos, preciso dizer que é para ficar atento também às oportunidades fora do colégio.
Talvez ainda esse ano, ou no máximo em dois, você vai começar a ler não porque a professora te obriga, mas porque é o que te deixa realmente feliz. No começo, serão poucos livros. Com o passar dos anos, o número de leituras vai crescer bastante, e não apenas isso - você vai descobrir que ler não é uma atividade solitária.
Sim, você vai fazer amigos por causa dos livros. Pelo Twitter (é uma rede social, você vai entender quando chegar a hora), descobrirá todo um mundo de jovens leitores* e blogs. Inclusive, você vai criar um blog junto com uma amiga e, por muito tempo, essa vai ser a melhor coisa da sua vida. O blog vai crescer e trazer amigos, contatos, experiências; muitas coisas boas, que você nunca imaginaria enquanto escreve sua primeira resenha (horrível, vamos admitir). E o melhor: você vai escrever sobre coisas que te satisfazem e descobrir que, ei, talvez você seja razoavelmente bom nisso de escrever uns textos.
*sempre mais velhos que você, sempre. aviso: supere.
Mas, bem, projetos acabam. Esse é outro aprendizado importante: às vezes o melhor a ser feito é dizer tchau. A vida vai te levar para lugares novos e diferentes e, num espaço curtíssimo de tempo, sua vida vai ser outra. Com novas configurações, coisas que faziam parte da sua antiga vida podem não se encaixar mais.
3. E para que essas mudanças aconteçam, fica a minha última dica: migo, se joga.
Não leve ao extremo e comece a Viver Perigosamente™, porque uma característica muito importante sua é saber analisar as coisas. O que eu quero que você aprenda aqui é que não há problema em tomar decisões arriscadas. Se há algo te dizendo que você precisa assumir uma outra posição na sua vida e ir fazer faculdade em São Paulo em vez de seguir o caminho mais esperado, vá. Talvez você quebre a cara e volte chorando para a casa da sua mãe, talvez dê certo e você seja feliz.* Riscos, dificuldades e até doses moderadas de sofrimentos são um preço justo a pagar pelo aprendizado que só se adquire por meio da experiência.
*spoiler: foi uma boa escolha, até agora
O parágrafo anterior, Paulo de oito anos, é a parada final do caminho para chegar até mim. Lendo essa carta deve ter parecido fácil, mas eu garanto que tem muita - muita - bagunça no caminho. Das mais tristes às mais idiotas, serão várias histórias para você colecionar nesses dez anos. Mas veja o lado bom: quando chegar aqui, você vai estar feliz, bastante até. A sua trajetória vai fazer sentido quando a observar em retrospectiva e a sensação de satisfação supera qualquer arrependimento.
Eu seria muito ingênuo se dissesse que isso vai ser uma constante na minha/nossa vida a partir de agora. Tenho total ciência de que tanto esses dez anos que resumi aqui quanto o meu atual momento são apenas parte de muitas mudanças, derrotas e vitórias que só os Paulos de vinte e oito, trinta e oito, quarenta e oito… (sei lá quantos realmente existem) vão conhecer.
O importante é: o que eu te escrevi são as minhas verdades - até agora, pelo menos. Eu acredito em cada palavra que eu disse aqui porque essa é a minha vida, e hoje eu consigo dizer que estou muito satisfeito em vivê-la.
Espero que você sinta o mesmo.
Com amor,
Paulo de dezoito anos."
***
Olá novamente! Bem, caso não tenha ficado claro na cartinha acima, eu estou deixando a equipe do ConversaCult. Foi muito prazeroso participar desse projeto por quatro anos e meio, porém, como eu disse, às vezes o melhor a ser feito é dizer tchau. Desejo boa sorte a todas as pessoas que continuam por aqui, escrevendo ou lendo. Nos encontramos na vida. :)
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Paulo V. Santana,
querido eu mesmo
1 comentários
voce vai ler isso? voce nao vai ler isso, mas enfim. que carta linda, paulo roberto. seus textos me fazem chorar.
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