Alex Vause bissexual

Como (não) escrever mulheres LGBT+ 101

1.4.16Dana Martins


Eu tentando desvendar as lógicas malucas que fazem tantos escritores torturarem personagens LGBT+

Não sei por que, mas existe essa ideia de que história de pessoa LGBT+ tem que ser tragédia ou sofrimento. Ou sobre a pessoa ser LGBT+, coming out, essas coisas, que normalmente envolve os sofrimento de não aceitação. E essa é normalmente a história onde a pessoa LGBT+ tem protagonismo. 

Aí tem aquelas que querem dizer que se importam com diversidade e botam no fundo, normalmente são personagens secundários que são só recurso de roteiro. Instrumentalizados mesmo. É a garota hacker da agência que vai aparecer com cara de inteligente e fazer um comentário sassy. É a garota boazinha que vai morrer de fundo pra dizer que tem gente que morre. É a garota badass que vai morrer heroicamente pra causar dor num personagem mais protagonista.

Ou às vezes eles só usam elas desavergonhadamente para criar conflito na trama.


Enfim, elas ficam naquela posição de personagem usado instrumentalmente pra desenvolver trama, e normalmente a morte é associada a isso. Isso é um problema sofrido por minorias em geral.

OBS: Uma das piores consequências do trope Bury Your Gays é que ele reforça a ideia de que LGBT+ nunca vai ter final feliz e é só sofrimento. Então por mais que toda vez que uma morra, costume sobrar uma vida ("então nem todo mundo morreu"), a história da pessoa viva já tá marcada pela tragédia e o fato de que ela sofre por se apaixonar. Então a pessoa tá viva? Sim, mas é representatividade boa? Não, principalmente porque a razão da morte é justamente fazer essa pessoa sofrer. Então reforça do mesmo jeito o trope. 


Mas não termina aí, porque esse é o nível Representatividade Ruim. Tem aqueles que tentam fazer melhor.

AVISO: spoilers sobre as mortes e acontecimentos de The Magicians, Orphan Black e Orange Is The New Black. Mas eu não pretendo mais avisar sobre spoiler e morte de personagens lésbicas/bi no CC porque isso não é um "segredo de uma série que vai estragar emoção". Reduzir vida de garotas LGBT+ a isso é desrespeitoso e eu não vou fazer parte desse jogo de usar as esperanças que esse grupo vulnerável tem pra criar drama. 

Tipo os que reconhecem o trope. Esses são os piores, porque eles querem matar a personagem, mas não querem dizer que tão reforçando o trope, então nessas histórias eles vão fazer a própria personagem morrendo de alguma forma validar estar morrendo. "Ela foi porque quis". Tipo a Kira de The Magicians que pede para morrer, e acho que eles vão fazer o mesmo com a Lexa (já estão fazendo, porque ela sempre disse que ia morrer e tratou como se fosse ok), mas ela ainda deve voltar pra fazer a Clarke entender que tá tudo bem. Isso é um clássico da representatividade ruim - eles querem fazer a merda ou reconhecem um problema e, em vez de mudar de fato, eles colocam o personagem concordando com aquilo como se aí mudasse a situação. Objetificou a mulher? "Ah, eu sou uma mulher que abraço minha sexualidade!!" Isso é só mais bizarro porque são claramente palavras colocada na boca da personagem por homens que querem fugir da responsabilidade de estar fazendo a merda. 

Mas tem aqueles que amam demais suas personagens LGBT+. Eles não querem matar elas. Eles são mais progressivos. Finalmente, né?

a sorte de OITNB é que eles têm muito personagem LGBT+, e isso neutraliza. mas é assim mesmo que tem que ser:
o problema de um trope não é ele acontecer, é quando ele se torna a única história de um grupo
mulher LGBT+ morrer é diferente de 70% delas morrerem (as outras 29% sobrevivem pra sofrer)
então quando você tem uma história com 10 personagens LGBT+ e 1 morre, o impacto não é o mesmo do que matar a única
isso também explica porque um homem hétero morrendo não é o mesmo que uma mulher LGBT+ morrendo

Só que mesmo nesses casos o perigo de morte é explorado. 

Quer dizer, naturalmente qualquer personagem mulher lésbica ou bissexual a gente já tem medo de que vai morrer, porque é uma questão de probabilidade - na maior parte das vezes elas vão morrer. A gente é preparado pra esperar isso. A gente não assiste uma série antes dela terminar sem a respiração presa com a expectativa de que a qualquer momento o relacionamento vá acabar. E, em alguns casos, eles ainda voltam anos depois só pra explorar ao máximo o clássico trope Bury Your Gays, tipo Skins fez com Naomily. Tava bom demais pra terminar em um relacionamento feliz, né?

Só que além desse medo do perigo evidente, os escritores normalmente captam o amor por esse ship e personagens, e decidem usar isso. Usam como cliffhanger de temporada - será que as bi/lés vão estar viva quando voltar?

mas é meio estranho quando você parece ser a única clone gay


Orange Is The New Black e Orphan Black, as duas, por três temporadas seguidas, usaram isso. Em OITNB nós não sabemos o que vai acontecer com a Piper (além de já ter um Bury Your Gays trope na temporada), na segunda termina com o relacionamento da Piper e Alex em um momento crítico, na 3ª termina parecendo que a Alex tá morrendo. Em Orphan Black nas duas primeiras temporadas nós ficamos no ar sem saber se a Cosima está prestes a morrer, e quando isso é superado, termina a 3ª temporada com a Delphine levando um tiro. Chances são de que nenhuma das duas vai morrer, e o medo só é um artifício para segurar a audiência pra próxima temporada. (Então, sim, eles estão explorando o medo de uma comunidade vulnerável para fazer assistirem a série, e essas são duas das melhores séries de representatividade que nós temos)

Isso sem falar quando o relacionamento de mesmo gênero não é muito usado ao longo da temporada pra causar drama, porque é aquele que todo mundo quer que eles fiquem juntos e felizes. Então vão demorar eras pra dar o primeiro beijo, e depois que ficarem juntos vai surgir algum problema tipo família ou trabalho no meio do caminho.

Enquanto isso, na televisão... 



Não importa se é clichê, se é ação, se "nesse mundo as pessoas morrem"... sempre parece ser possível ter espaço pra desenvolver relacionamentos entre homem e mulher. 







No meio da guerra? COMO ASSIM ESSE NÃO É O MELHOR MOMENTO PRA DAR AQUELE BEIJO PELA PRIMEIRA VEZ EM ALGUÉM QUE VOCÊ NEM CONHECE DIREITO? 




Eu não sei como é. Eu não sei como é ter uma história comum onde uma personagem só gosta da outra por gostar, e é divertido. Aquele romancezinho de colegial bobo em que o maior dilema é "essa pessoa gosta de mim também?". Ou o que é ter uma aventura com duas heroínas que flertam o tempo todo e no final dão o beijo da vitória, só porque elas podem e se amam. Eu não sei como é ver o personagem tendo aquele caso aleatório. Ou sei lá, qualquer coisa que envolva um romance comum que não envolva uma enorme batalha pra acontecer, pra manter depois que conseguiu e pra sobreviver depois que acabou. 

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2 comentários

  1. Olá, desculpa, ótimo texto, só não entendi o que os gifs do final tem a ver com o assunto.

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