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Sobre fantasias de carnaval e racismo

14.2.16Anônimo


Vamos falar sobre o que aconteceu no Carnaval?


A essa altura do campeonato é bem provável que você já tenha visto a imagem que vêm povoando a internet nos últimos dias, de um casal fantasiado de Aladim e Jasmine com seu filho adotivo negro vestido de Abu. A imagem não será publicada aqui, pois não é da intenção dos autores expor desnecessariamente a família em questão, mas é consenso geral no ConversaCult de que uma discussão sobre o assunto é necessária. E ela acontece com uma centena de ressalvas, porque a primeira coisa que me consterna nesse caso todo é a quantidade desmedida de ódio desferida contra essas pessoas. Uma coisa é identificar algo que você considera problemático e tentar educar alguém a respeito do assunto. Outra bem diferente é começar a xingar pessoas pela internet irracionalmente. Vítima de racismo ou não, o menino cuja fantasia é tão discutida não merece nada disso.


A segunda questão que quero pontuar é: não me cabe dizer se foi de racismo ou não. E o motivo para isso é simples: eu sou branco. Eu não decido o que é racista, porque eu não tenho autoridade de decidir o que ofende outras pessoas com outras vivências. E o problema que tenho visto em toda essa discussão no facebook é justamente essa: a maioria das pessoas que vejo falar do assunto são brancas. Seja dizendo que é racismo e atormentando a família ou que não é racismo e que é um absurdo dizer uma coisa dessas. Brancos que, na sua posição de privilegio, usam um espaço de discurso que não é deles e acabam apagando as vozes que realmente importam.

Sim, caro leitor, se você publicou a respeito desse assunto na sua timeline, você pode ser parte do problema, e eu sinto muito te trazer luz a isso. Mas quando você tem tanto barulho sendo feito por pessoas que não são o alvo da agressão, você simplesmente torna mais difícil para a gente ver as opiniões de quem realmente é afetado. O que pessoas do movimento negro acham disso? O que pessoas com vivencia de racismo acham disso? Como pessoas que já foram chamadas de macaco se sentem vendo essa situação. É para isso que nós deveríamos estar olhando! Era a partir daí que essa discussão deveria estar acontecendo! E isso acontece com diversos movimentos sociais diferentes a cada vez que um caso polêmico estoura nas redes!

Então aqui fica a minha proposta: pessoa branca, pessoa homem, pessoa cisgênero, pessoa heterossexual, pessoa católica: use sua posição de privilégio na nossa sociedade para direcionar a atenção a quem precisa ter voz. Ao invés de opinar sobre um caso de machismo, homofobia ou racismo, compartilhe a opinião de alguém que tenha propriedade sobre o assunto. Eu sei que a gente vive essa ilusão de que pode opinar sobre tudo, mas é preciso entender que isso se torna uma forma de roubar protagonismo das pessoas que estão lutando pelos seus direitos. Ter uma opinião não torna absolutamente necessário que você expresse ela, especialmente quando a nossa cultura te incentiva a isso enquanto obriga outras pessoas a se calarem.


Então ao invés de vir aqui tagarelar se eu acho que foi racista ou não o que os pais daquele menino fizeram,vou dar o resto do post para alguém com experiência no assunto falar a respeito. Tauana Nagy é uma das minhas melhores amigas no universo, um espirito inquieto nesse mundo de injustiças e biomédica graduada que tenta tornar o mundo melhor através do seu mestrado; e eu não poderia estar mais feliz em tê-la aqui dando a sua opinião:



Quero começar esse texto dizendo que eu fiquei muito feliz em ser convidada para escrever algo para o ConversaCult porque eu simplesmente A-DO-RO o espaço que vocês criam para debates importantes dentro do contexto da cultura pop. Sério, sou super fã! hahaha

Segundo, tem um ponto que tanto eu quanto o Diego achamos que é importante frisar sobre o que eu vou dizer acerca do assunto: eu sou UMA pessoa negra, com a MINHA opinião pessoal. Não a porta-voz de todos os negros do Universo. Certamente existem outras pessoas com opiniões diferentes, o que é ótimo, pois é uma discussão importante. 

Dito isso, vamos a grande polêmica do Carnaval.


A primeira vez que eu vi a foto meu pensamento passou MUITO longe de racismo, até porque o menininho tá ali mega feliz. Depois, eu vi que a galera tava falando que era racismo colocar uma criança negra de macaco. Acho importante para a discussão colocar a definição de racismo do dicionário:


racismo 

ra.cis.mo


sm (raça+ismo) 1 Teoria que afirma a superioridade de certas raças humanas sobre as demais. 2 Caracteres físicos, morais e intelectuais que distinguem determinada raça. 3 Ação ou qualidade de indivíduo racista. 4 Apego à raça.

Então: não, eu não acho que o casal em questão foi racista. Como eu disse para o Diego, eu normalmente não acompanho essas discussões de Internet, que geralmente acabam virando um monte de gente falando um monte de besteiras, com palavras cheias de ódio, sem um debate civilizado de verdade. Entretanto, pela própria foto, dá para imaginar que o garoto foi adotado pelo casal e eles, sem malícia nenhuma, pensaram em vestir o pequeno de Abu, só porque ele é o menor da casa, como teriam feito se o filho fosse branco, asiático ou indígena.

Fantasias podem ser racistas. Antigamente as pessoas se vestiam de negro de forma satírica, o chamado Black Face. Isso fazia da identidade negra uma fantasia exótica, um personagem para se tirar sarro, uma piada.

Para mim, seria racismo se eles estivessem ridicularizando o menino com a intenção de ofendê-lo, o que não me pareceu que aconteceu na situação. Além do que o Abu deve ter um apelo muito forte em crianças. 

Eu tenho uma memória muito vivida de um episódio de racismo que aconteceu comigo: eu estava na quarta série e tinha um menino da minha idade, da minha sala, que começou a me chamar de macaca. Sem motivo nenhum, eu nem conversava com ele e era visível que era algo feito para me atingir. Era completamente gratuito e eu nem entendia o porquê daquilo. A coisa só não foi pior porque foi um caso isolado (eu tinha muitos amigos na escola) e porque a minha mãe sempre nos deu muito suporte e auto-estima. Racismo é uma coisa muito ligada ao ódio, a humilhação.

Não se pode banalizar algo tão sério quanto racismo.

Obrigada, Diego, por ter me dado a oportunidade e espero que a minha pequena opinião seja útil!

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2 comentários

  1. Eu comecei a ler esse texto com bastante medo do lugar comum.
    OBRIGADO pela lucidez na exposição da sua leitura dos fatos.
    Você fez minha vida mais feliz.

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  2. Compreendo a necessidade de dar voz a quem tem mais experiência no assunto, mas será que isso realmente significa que deveríamos nos calar? (Que temos apenas que aceitar o que os outros dizem?)

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