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Carta a um escritor morto (ou: Resenha de Uma História Meio Que Engraçada, de Ned Vizzini)
29.1.16Unknown
Num certo momento de Uma história meio que engraçada, eu pensei: preciso enviar um e-mail pro autor desse livro assim que terminar a leitura. Na minha cabeça, já havia até esboçado algumas linhas, então dá para imaginar como eu fiquei desolado ao saber que você nunca poderia ler qualquer palavra escrita por mim. Não porque você é um daqueles escritores ermitões, nem porque sua caixa de entrada é lotada demais para conseguir pinçar meu singelo e-mail no meio de tantos outros. É porque você está morto.
Não sei se consigo descrever com exatidão como eu me senti ao saber que você se suicidou dois anos atrás. Grande parte de mim foi tomada por tristeza - o cara que, com um livro, conseguiu me dar vontade de viver havia tirado a própria vida. !!!??@$!?#!%!?!!$??%!?!!$&! Não estou te julgando - nem eu nem ninguém tem esse direito - mas foi um paradoxo meio difícil de aguentar. Você me deu vida enquanto tudo o que você queria era não ter uma.
Mas confesso que a felicidade também estava na salada de sentimentos dentro de mim. Uma vez uma amiga me disse para sempre olhar ao redor de um problema ou uma questão, porque, mudando o foco, a solução pode ficar mais fácil de ser encontrada. Quando parei de só pensar no fato da sua morte em si, fui capaz de perceber que a sua obra, anos depois, continua ecoando e fazendo novos leitores. Olha só, eu estou aqui, em 2016, absorvendo o máximo que eu posso, e outras pessoas estão fazendo ou ainda farão o mesmo.
Ok, mas por que insistir em escrever algo direcionado a alguém que não pode ler? A resposta é simples: porque eu preciso, de alguma forma, te agradecer por esse livro, e escrever uma resenha direcionada à você, para que outras pessoas conheçam seu trabalho, é a coisa mais genuína que eu poderia tirar de mim.
Esse é o e-mail que eu lhe enviaria se você estivesse vivo.
***
Nos dois momentos da minha vida em que a bagunça das químicas na minha cabeça chegou a níveis insuportáveis, uma das maiores ajudas veio da literatura. O lado bom da vida apareceu no olho do furacão em 2013 e trouxe um pouco de luz no horizonte. Já em 2015, quem me ajudou foi o seu Uma história meio que engraçada, porém, de uma forma diferente.
Na verdade, nem ler eu conseguia quando estava nos meus piores momentos do ano passado, e eu só fui adiando a leitura do seu livro. Nunca vou saber qual seria o efeito terapêutico que ele teria na minha depressão, mas imagino que lê-lo agora, meses depois de eu ter começado a ficar bem, tenha sido a melhor escolha. Ler um livro como esse me permitiu olhar com outra perspectiva pelo que eu passei; a precisão na descrição da depressão e dos episódios de ansiedade permitiram que eu me sentisse representado, ouvido, compreendido.
Sempre que vou recomendar o livro a algum amigo, é fácil descrever a história, porque ela é extremamente próxima da minha própria e, às vezes, até da pessoa que estou recomendando. Sejamos sinceros: você conseguiu escrever um livro que dialoga com questões de todos os jovens que cresceram no fim do século passado ou já nos anos 2000. Uma história meio que engraçada foi escrito há dez anos, mas descreve um cenário que continua atual, o dos jovens que sofrem uma pressão terrível - da família, dos amigos, do mundo - para terem a melhor educação possível para ter o melhor trabalho possível para receber o melhor salário possível para… para que mesmo?
Se eu pudesse, te perguntaria como chegou a Craig, o nome do protagonista dessa história, porque não seria nada absurdo se ele tivesse o meu nome ou o da pessoa que acabou encontrando esse texto. Com 15 anos, ele já quase completou a lista de psicólogos e psiquiatras de Nova York por causa de todos os sentimentos negativos e problemas que apareceram na sua cabeça. Ele pode ter uma família estável, amigos e uma escola que promete um futuro confortável, mas lá dentro, na cabeça do Craig, nada está no lugar. Várias tarefas que, supostamente, qualquer um pode realizar se tornam tentáculos para ele, aí, no final do dia, ele não consegue simplesmente deitar na cama e dizer “eu estou bem”.
Eu me sentia (me sinto?) da mesma forma, e é óbvio que você passou pelo mesmo. Quantos de nós não passaram? Quantos não se sentiram fracassados por não alcançarem ou não se adaptarem a objetivos que outros esperam de você? Quantos não demoraram a descobrir - ou sequer descobriram - que o “caminho do sucesso” simplesmente não funciona para todo mundo?
O Craig foi um desses que precisou ir até o ponto mais fundo para perceber que ele também era capaz de aguentar o mundo. No ápice da depressão e do desejo de suicidar-se, Craig teve a força para se internar na seção psiquiátrica de um hospital e, assim, conhecer novas perspectivas e aprender qual é o caminho que ele* deveria seguir.
Eu admiro muito o Craig, eu admiro muito você. Ele, pela coragem e pela força de admitir para si mesmo a necessidade de ajuda médica. Você, por ser capaz de registrar com tanto esmero uma realidade tão delicada.
Uma história meio que engraçada é leve, agradável, bonito e inspirador. Assim que terminei o livro, eu disse o seguinte: “isso me deu vontade de viver”.
Obrigado, Ned. De onde você estiver, obrigado por isso.
Com amor,
P.
Obs.1: O livro foi cedido pela editora LeYa, muito obrigado pela oportunidade. <3
Obs. 2: O Diego escreveu relatos tão sensíveis sobre depressão quanto esse, leia: Como é ter depressão e Eu estou bem
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8 comentários
Essa foi uma das melhores resenhas que já li, e quero esse livro para ontem.
ResponderExcluirmuito obrigado, taiany! <3 pode deixar que eu vou te emprestar o meu ahhaha
ExcluirPaulo, você faz resenhas sempre tão bem, tão originais e tocantes.
ResponderExcluirmuito obrigado pelo carinho, helena <3
ExcluirQue linda sua carta ='}
ResponderExcluirque resenha linda, meu amor. nunca mais acredito em voce quando voce me desencorajar a ler algum texto seu
ResponderExcluirOi, eu descobri o blog por meio deste livro.
ResponderExcluirEnfim, sempre que eu vou começar a ler um livro, eu sempre procuro uma resenha dele ou algo assim. Com o "Uma Historia Meio Que Engraçada" não foi o mesmo.
Assim como você disse,o filme (que conheci mais ou menos em 2013) foi o que eu precisava ouvir naquela época. Foi o que me deu vontade de viver e superar esse caos que é a depressão.
Então quando encontrei esse livro na livraria, comprei sem nem pensar duas vezes. Ainda mais porque estava no meio de uma crise de novo. Nem preciso falar o quão ruim eu fiquei quando descobri que o autor não conseguiu vencer a depressão... Foi horrível pra mim, e agora que eu literalmente terminei o livro sinto de novo aquela força. Não apenas pela historia do Craig, mas sim porque sei que o Ned gostaria que eu vivesse, mesmo ele não tendo conseguido, ele conseguiu dar forças pra um monte de leitores que passam pela mesma situação.
Já mandei mensagem pra dois amigos meus, que também passam pelos mesmo problemas,e já pretendo emprestar o livro pros dois.
Enfim, só queria compartilhar isso com alguém.
Parabéns pela resenha. Assim como você quando terminei de ler o livro fui procurar como andava o autor e fiquei muito triste pela sua morte. Eu também passei um tempo numa clinica e senti que o livro abordava de uma forma muito leve todo esse processo. Realmente é um livro incrível, uma pena alguém tão talentoso ter nos deixado tão cedo
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