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E se a gente fizesse um The Voice só com pessoas negras?

16.11.15Dana Martins

Na imagem de capa: Foto do The Voice angola, mostrando as cadeiras vermelhas dos coaches de lado, todos eles negros, em destaque a única mulher que está apontando para o palco e olhando com uma expressão divertida.

Esses dias meus avós estavam assistindo The Voice enquanto eu e o irmão estávamos na sala. Era a fase de batalhas, e aí o meu irmão comentou "já reparou que é sempre a mulher que sai?". Daqui a pouco entra uma garota negra no palco e, antes mesmo dela começar a cantar, ele diz "Ih, vai sair.". Não dá outra, a garota sai.

Esse poderia ter sido um comentário passageiro se não tivessem acontecido outras duas coisas: 1- nesses dias meu irmão perguntou o que eu eu acho da existência de grupos feministas privados só para mulheres; 2- minha amiga apareceu fazendo um comentário bem parecido.

O que a minha amiga me mandou:

"Tô vendo The Voice US e ta na fase que tem 6 pessoas em cada time e mandam metade embora. Dos 3 que ficam, 2 são escolhidos do público.

Já mostraram o resultado de 3 dos 4 times e as pessoas salvas sempre são: homens brancos. Que dificilmente são os mais talentosos. Eu tô muito puta. O público vota em homens brancos sempre. Sempre. Sempre. Acabou de ir embora uma porrada de gente boa porque: mulher, mulher negra, homem negro; e gente mais ou menos ficou. Não consigo achar que é coincidência. A única mulher que foi salva por voto de casa: branca num time de maioria negra."

Então ela começou a fazer uma análise e mandar vídeos. 

Tipo o do vencedor do último The Voice:



E de algumas outras pessoas eliminadas


Só pra constar: não existem só pessoas negras e pessoas brancas. Esse texto se aplica a qualquer minoria étnica. E indico a leitura desse texto pra entender o que significa minoria.




"Analisando agora o último time sendo salvo. Todo mundo é branco, exceto uma menina que parece ter alguma descendência asiática. Vamos ver o que acontece. Certeza que os homens vão ser salvos pelo voto de casa. Primeiro homem branco salvo já. Uma mulher salva. Branca. EU TO MT REVOLTADAAAAA. Curioso porém: os dois salvos são gordos. Pensei que fossem sobrar também."

Essa semana, por acaso, também vi a matéria do Mary Sue sobre um matemático, Greg Martin, que analisou que as chances de ter um painel formado só por homens em uma conferência com mais de 10 pessoas falando eram menos do que 5% - se fosse um ambiente que trata gênero da mesma forma. E, ainda assim, o que mais tem é conferências onde a maioria (quando não todos) falando são homens. Em outras palavras: Greg Martin usou a matemática pra provar que mulheres são tratadas diferente por causa do gênero. 

Por "diferente" entenda: elas são excluídas. 

Aí diante disso, nós começamos a imaginar um The Voice que resolve esse problema. Um onde o público também não vê o participante antes de votar (afinal, não é o >the voice<? o reality show que ganhou destaque porque as pessoas eram escolhidas só pela voz!), só pra ver se isso mudaria o resultado. Ou um The Voice...

onde simplesmente não aceitam gente branca.

Mas não seria sacanagem? Não seria uma forma de exclusão? As pessoas brancas não podem ter uma chance também?

E aí logo na minha cabeça vem todos aqueles comentários, tipo em relação ao dia da consciência negra (vamos fazer uma consciência branca também!! consciência humana!!!), ou quando reclamam que o feminismo não fala dos problemas dos homens. 

No gif: Um gato com cara de puto.

Outro dia meu irmão falou que tava num grupo de discussão que volta e meia tinha tópicos "só para as mulheres falarem" e me perguntou o que eu achava disso.

Eu expliquei que essas coisas são exemplos de igualdade. Que o que esses exemplos mostram não é exclusão, pelo contrário, é uma forma de tentar agir normalmente, porque o que as pessoas não percebem é que todo dia é dia de consciência branca. Todo dia os problemas dos homens é que são considerados. Todos os dias você vê os homens falando.

Mas eu não tinha um exemplo muito bom, até surgir esse caso do The Voice.

Você vê que em uma situação não controlada onde (eu espero) ninguém tem a intenção de ser racista ou machista, as pessoas brancas acabam recebendo mais atenção. A mulher negra pode ser a Beyonce 2.0 e vem qualquer Justin Bieber elfo levando tudo. É o caso do esmalte Risqué que celebra coisas banais que homens fazem. Tipo, o cara não faz mais do que ser uma pessoa decente, e aí ganha uma linha de esmalte inteira. A parte mais chocante dessa linha é que o pessoal que criou realmente devia pensar nessas coisas como algo grandioso, porque nós aprendemos a super-celebrar qualquer coisinha que homem faz.  

Na imagem: A coleção de esmaltes da risqué, são 6 ao todo, cada um de uma cor. Na embalagem está escrito "homens que amamos" e embaixo o tipo do esmalte, como "Fê mandou mensagem" e "André fez o jantar"


E se a gente não começa a ter consciência disso, os padrões se repetem. Os espaços são dominados pelos homens brancos. Ao ponto de que você precisa fazer um esforço tipo "um the voice que não aceita gente branca", "um the voice com cotas", "o dia pra comemorar pessoas negras no the voice" pra poder tentar resolver isso. Isso seria exclusão dos outros?

Não. 

A merda é que nós não percebemos que o que consideramos "normal" na nossa cultura é por si só uma forma de exclusão. Então quando surge uma ação pra tentar equilibrar isso, parece que tá privilegiando um grupo. Não tá. Nem chega perto disso. 

É como se a nossa cultura (e estrutura social) fosse uma cota branca invisível. 



"Pensando aqui: isso do The Voice mostra mais ainda a importância do feminismo negro??? (na verdade, o feminismo interseccional - é esse o nome, ne?) Não consigo imaginar o tanto de merda que uma mulher negra deve passar todos os dias."

E isso porque nem cheguei a analisar como o sistema de coaches do The Voice trata a mulher e o negro como "outro", mas fica pra outro dia. Vou encerrar aqui com esse quote maravilhoso:

"AND I SAY HEEEEEEEEEYEEEEEEEEEAH YEAH YEEEEAH

I SAY HEY
WHAT'S GOING ON


racismo"

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2 comentários

  1. Vc tem toda razão. Mesmo o coach sendo negro, nos EUA, sem chance. É muito difícil assistir isso. E o q importa não a VOZ?

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