Priscilla: Eu me descobri assexual no ano passado, logo depois da Semana da Visibilidade Assexual do ano passado. Me descobrir como assexual foi muito importante para saber melhor quem eu sou, entender a minha persona e como eu me comporto com as outras pessoas, como eu reajo com o mundo. Começando pelo começo: assexualidade é uma orientação sexual que inclui pessoas que não sentem atração sexual. Além disso, a assexualidade é um termo guarda-chuva que inclui outras orientações sexuais, como a demissexualidade (que são pessoas que só sentem atração sexual depois de desenvolver um vínculo romântico muito forte), a gray-assexualidade (que são pessoas que podem ou não sentir atração sexual, tendo uma sexualidade fluida) e ainda mais inúmeras identificações que as pessoas usam para se definir.
Muitas pessoas gostam de falar que essa quantidade de rótulos é uma grande besteira, que as pessoas deveriam se ver como seres humanos, no lugar de procurarem novos nomes para dividirem ainda mais. Entretanto, há uma grande importância em se definir dessa forma, nesse primeiro momento. O mundo inteiro está dividido, definido, organizado em diversas caixinhas. Mas, acima de tudo, é importante para criar um sentimento de comunidade. Quando eu me defini como assexual, eu recebi um grande abraço da comunidade assexual que eu conheci depois dessa definição. Uma comunidade que me abraçou e me fez sentir como se eu não fosse tão anormal quanto eu tinha me sentido a vida inteira.
Pensando nesse senso de comunidade, eu comecei a ouvir relatos dos preconceitos da assexualidade. Quando eu comecei a ser ativista dentro da minha causa, da minha bandeira, eu comecei a sentir esses relatos na minha própria pele. Muita gente acha que como a assexualidade é uma orientação “simples” - com poucas dificuldades, poucos problemas -, então assexuais não sofrem preconceitos da sociedade. Entretanto, do mesmo jeito que nós vivemos em uma sociedade cissexista, patriarcal, heteronormativa e que coloca um privilégio branco inerente na sociedade, nós também vivemos em uma sociedade sexonormativa.
Mas o que isso quer dizer?
Isso quer dizer que há uma ideia comum na sociedade de que o desejo sexual, a libido e a atração sexual são coisas inerentes de todo ser humano. Isso quer dizer que quando uma pessoa se assume como assexual - lembrando: alguém que não sente atração sexual -, ela recebe uma resposta da sociedade que diz que ela está errada. Esse erro vem de uma forma tanto social, quanto médica, quanto psicológica. De todas as formas que uma pessoa pode ser deslegitimizada, o assexual vai ter a sua orientação jogada embaixo do tapete.
Nessa Semana da Visibilidade Assexual (que foi do dia 19 de outubro até o dia 25 de outubro), eu me esforcei em fazer um trabalho de ativismo ainda mais forte do que nos outros dias. Eu compartilhei muito conteúdo com os meus amigos do facebook, claro, mas o trabalho mais importante que eu senti ter feito foi responder comentários em páginas que publicavam sobre a assexualidade. Eu recebi muitas respostas horríveis, muita gente me xingou, muita gente disse que eu deveria estar doente, muita gente disse que eu era uma mal amada e que eu não fazia ideia do mundo. E foi por isso que eu decidi escrever esse texto sobre os preconceitos que um assexual sofre, para que todo mundo possa ler e entender que, sim, a assexualidade também tem seus problemas.
Não, o assexual provavelmente nunca vai ser agredido na rua por andar de mãos dadas com o seu namorad@. Não, o assexual provavelmente nunca vai ser morto na rua simplesmente por existir. Esse tipo de violência - que, sim, pode acontecer com o assexual também, apesar de eu não acreditar que seja comum - é, muitas vezes, visto como o único tipo de agressão que uma pessoa LGBT+ recebe, o que é uma inverdade para todos os grupos. O que muitas pessoas vão dizer que o assexual é uma pessoa que precisa de tratamento hormonal, de acompanhamento psicológico ou que precisa ir a um médico descobrir o que há de errado consigo. Muitas pessoas vão responder que o assexual precisa de cura, porque o sexo é uma coisa tão maravilhosa que não faz sentido uma pessoa querer viver sem isso. Essas pessoas são parte da sexosociedade, dessa sociedade que normatiza o desejo sexual, e elas também são ignorantes diante da assexualidade.
Só que aí vem a resposta: Nem todo assexual não faz sexo. Existem dois grandes grupos dentro da comunidade assexual (podem existir mais, mas eu não os conheço): os que se consideram sexo-positivos e os que se consideram sexo-negativos. O assexual, como alguém que não sente atração sexual, pode ou não deixar de sentir libido ou desejo sexual. Mas, acima de tudo, ninguém precisa de atração sexual para querer fazer sexo - há diversos outros pontos que levam alguém a querer transar. Um assexual pode gostar de fazer sexo, assim como ele pode não gostar e sentir repulsa do ato, como acontece com assexuais sexo-negativos (que são assexuais que não querem transar e não gostam de transar e não querem fazer sexo).
Imagem do texto do Triluna Feminista sobre assexualidade |
Além disso, nem todo mundo tem desejo sexual, nem todo mundo precisa fazer sexo, nem todo mundo vai ficar com as “bolas azuis” ou com qualquer coisa horrível por não fazer sexo. Transar não é mandatório para ninguém e a ideia de que isso é necessário para a boa vida de alguém é algo extremamente maléfico para a sociedade por um todo. Pessoas se matam porque não conseguem um namorado ou alguém com quem transar, pessoas se sentem erradas todos os dias por serem solteiras ou por serem sozinhas, pessoas (homens, cahem) matam os outros porque não conseguiram transar. Crimes são justificados pela falta de sexo todos os dias, pessoas ficam infelizes pela normatização de que sexo é mandatório todos os dias. E, apesar de eu não ter conhecimento de causa, até que ponto não podemos acusar essa sociedade que normativa o desejo sexual disso?
Como para outra orientações sexuais diferentes, os assexuais também recebem a resposta de que eles só não encontraram a pessoa certa. A lógica da “pica de ouro” é muito comum para todos os grupos. Gays não encontraram a mulher certa, lésbicas não encontraram o homem certo, a mesma coisa acontece com qualquer orientação que não seja heterossexual. Então há a ideia de que o assexual precisa encontrar a pessoa certa que vai despertar a sua atração sexual e vai fazer nascer o tesão - quando isso nem necessariamente não está presente. Muitos dizem que a assexualidade não existe, que a assexualidade é só uma fase, que a assexualidade é a pessoa arranjando uma desculpa porque não consegue uma “foda”.
Muitas coisas são ditas sobre a assexualidade e sobre assexuais. Mas a verdade é que assexuais são só pessoas comuns, como quaisquer outras, que querem ser respeitadas como você. Isso é tão difícil assim?
Autora: Priscilla Binato
Priscilla é assexual heteromântica sexo-positiva, branca, cis, cheia de privilégios que está tentando desconstruir, carioca e jornalista
TAGS:
afobia,
assexual,
assexualidade,
atração sexual,
CCSociedade,
colaborador,
demissexual,
demissexualidade,
gray-a,
lgbt,
lgbtqiap,
Priscilla Binato,
sexo-negativo,
sexo-positivo,
Visibilidade Assexual
7 comentários
Gente é tanto termo que fico confusa. Mas se uma pessoa gosta de sexo e tem vida sexual ativa, o que a define como assexual?
ResponderExcluirA resposta é simples: ela não sentir atração sexual.
ExcluirAcho que a confusão aqui é entender o que é atração sexual, que é a reação do seu corpo. (nossa, fui pesquisar atração sexual agora em português e só apareceu porcaria. mas dá uma olhada em libido) Uma pessoa sexual (nome mais correto: alosexual), tem libido. enquanto a assexual não.
"Ver alguém e não achar apenas atraente, pensar que você gostaria de ter sexo com ela, fantasiar e coisa assim." É a sensação que faz você desejar tocar na pessoa de forma sexual. É quando você olha pra uma pessoa gostosa e omg, eu transaria com essa pessoa, eu passaria a mão nela, eu... É essa >sensação< do seu corpo.
Eu ainda tô aprendendo sobre atrações, então pode ter algo a completar (se alguém achar que sim, por favor complete)
Mas fazendo uma metáfora um pouco brusca, imagina que é tipo comer comida. Uma coisa é você ter vontade de comer, outra coisa é comer. Você pode gostar de comer de boa, pelo gosto, as sensações, os efeitos da comida ou sei lá, mas não quer dizer que você tenha sentido vontade de comer. Você pode até nem gostar de comer e nem sentir vontade de comer, mas tomar a decisão de comer mesmo assim.
Se você é uma pessoa assexual que gosta de fazer sexo, você ainda continua não tendo atração sexual. Então continua sendo assexual.
Do mesmo modo que uma pessoa bissexual mesmo em um relacionamento sério com a pessoa de um gênero não deixa de ser bissexual. A atração por mais de um gênero continua lá. Ela continua vendo uma pessoa de outro gênero e >sentindo< um "wow, eu pegaria essa pessoa".
E do mesmo modo uma pessoa homossexual fica com alguém de gênero diferente e ainda continua sendo homossexual.
Comportamento não define atração.
E mesmo não tendo atração, você ainda pode querer fazer algo e até gostar.
É diferente pra todo mundo, mas eu diria que a Dana explicou bem. Apesar de eu não achar que a libido em si tenha muito a ver, é bem isso aí que acho que define como um grupo: atração sexual quase ou inexistente.
ExcluirAquele "wow, eu pegaria essa pessoa" (daí pra cima) quando vê alguém ~atraente~? Muito improvável que vá sentir isso. É muito improvável que vá sentir esse tipo de atração por um desconhecido na balada, por exemplo. Mas nada impede a pessoa de ir lá e pegar o desconhecido, se ela tiver vontade e se sentir confortável com isso. Tem muito mais possibilidades do que o que eu sei explicar hahahhahaah
Dana Martins, então eu sou mesmo assexuada! Tudo se encaixa tão perfeitamente, desde q descobri o que é assexualidade eu fico negando q é isso mesmo o que eu sou, mas esse seu exemplo da comida sanou todas as dúvidas q eu tinha sobre o tema, e é tipo....então não sou mesmo estranha, não tem nada errado comigo!!!
ExcluirObrigada!!!!!
"Existem dois grandes grupos dentro da comunidade assexual (podem existir mais, mas eu não os conheço): os que se consideram sexo-positivos e os que se consideram sexo-negativos."
ResponderExcluirestava pesquisando mais sobre o assunto (como é bom internet nesses momentos) e parece que tem uma terceira opção que é o sex-neutral. me identifico muito mais com ela pois é como se sexo não fosse tão importante assim. ele existe acontece por aí mas não me afeta sabe? simplesmente nao me importo com isso desde que não me envolva.
e tem mais:
ExcluirSex-Positive: Approving of sex in general, for all people. The belief that sex is good as long as it’s safe and consensual.
Sex-Favorable: Desiring sex for yourself.
Sex-Neutral: Having no opinion toward sex in general, for all people.
Sex-Indifferent: Neither actively wanting sex for yourself, but not being against the idea of having it.
Sex-Negative: Believing that all sex is bad or inherently wrong in general, for all people.
Sex-Averse/Repulsed: Not enjoying or desiring sex for yourself.
http://www.demigray.org/post/130556758759/psa
Ótimo post! Acho que a parte de que somos pessoas comuns e que só não sentimos atração sexual é a que devemos reforçar mais. Cada um com suas peculiaridades, mas no fundo todo mundo igual. Por que tanto preconceito com quem sente algo diferente?
ResponderExcluir