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Dividindo o mundo entre quem gosta de Orange Is The New Black e quem não
6.10.15Dana Martins
Enquanto tava eu de boa assistindo a 3ª temporada da série, começou a surgir uma teoria na minha cabeça: no mundo existem 2 tipos de pessoa, quem gosta de Orange Is The New Black e quem não. Isso é mais do que apenas gostar de uma série, isso é sobre como a pessoa vê o mundo. É difícil confiar em alguém que não gosta de Orange Is The New Black (OITNB). Vou explicar por quê.
Vamos lá, já começamos pela sequência de abertura de Orange Is The New Black, que mostra a imagem aproximada de vários rostos.
De certo modo, é parecida com a abertura de Sense8, que mostra o mundo de maneira geral acontecendo com pessoas vivendo nele (um plano geral), enquanto nessa de OITNB temos um close no rosto de um monte de mulheres, tão perto que às vezes você nem consegue ver direito quem a pessoa é. São rostos desconhecidos. Diversos. Mostrado com um filtro cru. Isso é muito da síntese do que a série faz em termos de história.
E aí... eu não sei nem por onde começar. Talvez pelo primeiro episódio? Nós já começamos vendo a protagonista pelada. Tomando banho pequenininha. Tomando banho com a namorada. Tomando banho com o namorado. Tomando banho... na prisão.
Muita gente não consegue nem lidar com essa imagem, porque é uma mulher pelada passando no banheiro sem qualquer conotação sexual. É uma mulher pelada porque, wow, quando mulheres tiram a roupa elas ficam peladas!!! É uma mulher pelada no cotidiano. É uma mulher pelada de um jeito que estar pelada não importa muito. Mas... é óbvio que importa porque isso em si é um ato revolucionário em termos de representatividade.
Ontem mesmo eu estava numa festa de família e descobri que uma das melhores combinações quando você rearranjava o nome Giovanna era Vagina (sobrando as letras ON). Sério, vagina. Escrito assim em cima da mesa. Não teve uma pessoa que passou e não fez algum comentário negativo. "Vô, filme a palavra!" "Eu hein!!" ou o melhor comentário: "Teve aula de educação sexual na escola e acabou de aprender isso!" dito para uma garota que tem uma vagina. Pensar que uma garota sabe o que é uma vagina é um conceito alienígena. Pensar que vagina possa estar envolvida em qualquer contexto não-sexual é uma ideia alienígena.
E lembrando agora, Orange Is The Black mostra que isso não é só na minha família. Em um episódio aleatório de forma casual o babado da prisão é sobre como a vagina é. Sei lá, duas detentas brigam quanto a como realmente é uma vagina e a mulher trans acaba explicando pra todo mundo.
Você sabe que Orange Is The New Black é comédia, né? Não uma comédia escrachada. A comédia vem de situações como essas em que você está numa prisão de mulheres e ninguém sabe dizer exatamente como é uma vagina. É interessante que a mulher trans acaba sabendo mais, porque ela estudou sobre isso, esse é um corpo que ela lutou pra ter. E de quebra, isso serve para todos nós. Se você tem uma vagina, você sabe como ela é? Você sabe que o seu corpo é >seu< e você pode explora-lo como quiser? E se você não tem uma vagina... você sabe como ela é? É importante também.
Repare que eu falei de 2 cenas da série. DUAS. E aí você já tem comédia, realidade e grandes questionamentos sobre nós como seres humanos. Não é nem algo que você precisa ficar analisando pra entender, você agrega conhecimento por osmose.
Enfim, eu tava falando era do primeiro episódio, que por si só é um divisor de águas. Ele mostra, inclusive, cenas de sexo feitas de modo não sexual. Mostra duas mulheres tendo uma relação com o mesmo tratamento que teria qualquer casal de gênero diferente fofinho. Para algumas pessoas isso é simplesmente demais - no sentido ruim mesmo, é muito chocante, é muito "alienígena".
Imagina se no lugar de um episódio da novela passam o primeiro ep de OITNB |
Orange Is The New Black, por ser em uma prisão, tem muito isso de "tirar" das pessoas essas convenções sociais. São um monte de mulheres lá, jogadas com aqueles macacões iguais. Basicamente, é como se fosse um contexto que tenta despir a pessoa de quem ela é (é uma prisão, diabos! nos Estados Unidos teve uma prisão que parou de usar macacão laranja depois que a série lançou, porque o uniforme tava sendo associado a algo bom e definitivamente ninguém quer que detentos percebam que ainda são pessoas...). Em outras palavras, OITNB é como jogar verdades na cara, verdades que nós aprendemos a esconder e repudiar, e ver isso graficamente pode ser desafiador.
É quase como assumir que eu tenho uma vagina e isso é natural. Chocante.
E, é claro, eu não vou tirar da mesa a possibilidade de que OITNB simplesmente não seja a sua praia - prisão, mulheres, histórias cotidianas da vida dos outros, às vezes histórias pesadas ESTAMOS FALANDO DE PESSOAS QUE FORAM PRESAS! ELAS FIZERAM COISAS FORA DA LEI!! Se você está assistindo Once Upon A Time, The Legend of Korra ou qualquer outra coisa que te faz bem, com reinos mágicos e felizes, OITNB é um tapa na cara. Você ainda vai encontrar seu ship. Você ainda vai ter momentos fofinhos. Bem, você ainda vai ter tantos momentos diferentes quanto na vida real. Mas ainda é uma prisão.
Tem um episódio inteiro pra o dia dos namorados em que os personagens definem o que é amor |
Eu mesma por um tempo fiquei - uma prisão de mulheres? naah, obrigada. Tem um filme antigo sobre uma professora em uma escola pobre onde o ensino é muuuito ruim e ela passa por um inferno pra atrair o interesse dos estudantes, no fim eles acabam escrevendo um livro. Ah! Escritores da Liberdade! Pra mim Orange Is The New Black parecia a versão prisão disso. Eu gostei do filme, mas não é algo que eu tenho o interesse de assistir naturalmente. Pensando agora, os 2 até que têm suas semelhanças, mas OITNB é beeem diferente.
Também tinha o fato de que parecia uma série "de lésbicas" - sei lá, eu nem lembro mais o que eu pensava, só que parecia que as mulheres se pegando era o que tinha de grandioso. Eu tinha preconceito. Talvez uma homofobia enraizada. Não lembro direito, meu cérebro já apagou esse momento deplorável da minha mente.
Então pra entrar na série foi um desafio de enfrentar preconceitos meus. E já vi que muita gente tem preconceitos parecidos, então é outra forma de dividir as pessoas.
"Isso não é Histórias Cruzadas, bitch" |
Sabe o que é curioso? Eu acho que só assisti a série porque eu entendi errado a premissa da história. É só que - se você está por fora - OITNB é ""protagonizado"" por Piper Chapman, a típica garota loira tentando ser perfeitinha, que tem seus planos interrompidos quando uma ordem de prisão chega em sua porta. Aí ela tem que explicar pra família e o noivo que na sua juventude "devassa" ela teve uma namorada traficante de drogas e deu uma ajudinha nas atividades ilegais também. O que tornou o primeiro episódio hilário pra mim é que eu pensei que ela não precisava ser presa. Não me pergunte, não sei o que aconteceu. Eu pensei que ela tava sendo burra. Eu pensei que ela tava se entregando sem necessidade.
Tipo, o objetivo do primeiro episódio (e da personagem Piper) é nos guiar por esse mundo da prisão - nós assistindo somos literalmente a Piper com nossas vidinhas perfeitas e morais idealizadas, que ao assistir Orange Is The New Black precisamos lidar com a realidade. A série remarca isso de modo hilário. Tem noção de que a Piper antes de ir pra prisão leu sobre isso? ELA ESTUDOU COMO É A PRISÃO PRA IR PRA PRISÃO. Isso só reforçou a minha ideia de que ela tava sendo idiota e deixou tudo muuuito mais divertido.
"Como eu supostamente devo ter uma luta de prisão com uma senhora russa que tem problema nas costas?" |
Eu queria ver como ela ia lidar com isso. Quando ela ia perceber. E aí adeus vida, adeus mundo, adeus alma...
A Jenji Kohan, criadora da série, costuma falar que a Piper é o "cavalo de troia" dela. As pessoas são atraídas pela típica loira branquinha protagonista, seguem ela por esse mundo, e quando vão ver já estão por dentro da história. Anunciar umas série de MULHERES NEGRAS NA PRISÃO é uma coisa. Anunciar GAROTA LOIRINHA TEM SUA VIDA INTERROMPIDA QUANDO VAI PARAR NA PRISÃO COM OS MAL ELEMENTOS é outra.
E a Uzo Aduba, atriz que já ganhou 2 Emmys por fazer a "Crazy Eyes" em Orange Is The New Black, falou algo muito interessante numa entrevista. O repórter tava comentando que conforme você avança na história os personagens vão mudando. Verdade seja dita - você começa a assistir a série vendo aquele bando de gente estranha de prisão fazendo coisa ameaçadora, dá medo. Só que cada episódio foca em uma delas vs. passado antes da prisão (+história da Piper), então dá tempo de você aprender por que aquela pessoa age daquele jeito. A personagem Crazy Eyes que é tipo a "maluca da prisão" mostra bem isso. Então a Uzo Aduba respondeu algo como "eu não sei se é a personagem que muda, ou a forma como nós vemos a personagem" e isso é INCRÍVEL.
Crazy Eyes |
Todos os personagens estão lá, fazendo as mesmas coisas desde sempre, sendo quem eles são. Só que o nosso preconceito é tão grande que nós temos dificuldade de enxerga-los como pessoas. Ou da mesma forma que enxergaríamos a Piper ou a namorada bonitona, a Alex. Apenas reforça o quanto nós vivemos condenando as pessoas antes mesmo de conhece-las.
Condenando, sacou? É uma série de prisão, que mostra pessoas >condenadas<, mas também condenadas no nosso julgamento, na nossa percepção.
Orange Is The New Black é um grande mindfuck. Às vezes eu preciso ficar me lembrando a razão pela qual a personagem foi presa, porque é difícil não se apaixonar por todas elas e suas histórias.
#tenso |
Então Orange Is The New Black é muito sobre ter preconceito. É sobre ver a pessoa estranha e cruzar a rua. Assistir essa série é como escolher não cruzar a rua, é ficar ali, estender o braço pra pessoa e apertar a mão. É parar pra reconhece-la como igual. É parar um segundo para ouvir a história dela. E acho que se alguém passou por todos os preconceitos contra a série, sentou pra ouvir e continuou com elas, é uma boa evidência de quem essa pessoa é.
E, como eu disse no início, a série o tempo inteiro está questionando a nossa forma de pensar. Na terceira temporada tem um episódio muito bom sobre aborto. Às vezes assistir Orange Is The New Black é como ter uma aula. Acho beem difícil você assistir tudo e ainda sair Família Tradicional™. Não é um caso de conversão - não me entenda mal - é um caso de empatia.
Como diz a música de abertura:
Lembre-se de todos seus rostos
Lembre-se de todas suas vozes
Tudo é diferente
Da segunda vez
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6 comentários
Dana eu provavelmente não vou assistir a série pq tenho probleminhas com séries, sou chata pra ser e não sou muito paciente para acompanhar, mas tudo que você falou sobre essa série me dá a impressão de que com certeza seria algo que vale a pena assistir, toda essa desconstrução q aparentemente a série proporciona, sinceramente eu gostaria muito de ver, mas não vou medir pra mim nem pra vc, não vou acompanhar, quase todas as minhas séries estão num limbo , mas se me deparar com essa qlqr dia, vou assistir sim, nem que seja eps soltos. Adorei o texto, na verdade, já que estamos sendo sinceras, eu adoro todos os textos, vc consegui transmitir as coisas de uma forma que além de fáceis de entender, me fazem sentir tanta empatia e pertencimento.
ResponderExcluirEu só queria dizer <3
achei seu comentário divertido, porque eu tava preocupada de estar escrevendo um post entre ~separar~ as pessoas e você fala sobre pertencimento!!!! bem, ainda acho que OITNB seja um indicativo sobre a pessoa. mas é legal ver que mais pessoas possam se relacionar de outras formas e que isso não é nenhum indicativo de valor de ninguém.
Excluirmuito obrigada por comentar. e você não é chata, é o seu jeito!
Dana eu provavelmente não vou assistir a série pq tenho probleminhas com séries, sou chata pra ser e não sou muito paciente para acompanhar, mas tudo que você falou sobre essa série me dá a impressão de que com certeza seria algo que vale a pena assistir, toda essa desconstrução q aparentemente a série proporciona, sinceramente eu gostaria muito de ver, mas não vou medir pra mim nem pra vc, não vou acompanhar, quase todas as minhas séries estão num limbo , mas se me deparar com essa qlqr dia, vou assistir sim, nem que seja eps soltos. Adorei o texto, na verdade, já que estamos sendo sinceras, eu adoro todos os textos, vc consegui transmitir as coisas de uma forma que além de fáceis de entender, me fazem sentir tanta empatia e pertencimento.
ResponderExcluirEu só queria dizer <3
Que post lindo! Assisti a série td esse ano e foi uma das melhores coisas que fiz. Assim como vc, tbm tinha meus preconceitos, mesmo que não os assumisse pra mim mesma. Se tem uma coisa que aprendi foi a ter empatia, ver o lado do outro sem condená-lo logo de cara. Com isso, aprendi a gostar de várias personagens que de cara eu não curtia, como a caipira. Amo Orange e estou morrendo de saudades <3 e a abertura <3 <3 <3
ResponderExcluirNossa!!! Eu não sabia que você tinha assistido e <3 <3 <3 Muito obrigada por dizer aqui xD
ExcluirDsclp sociedade, mas eu sou o segundo tipo de pessoa. :( Eu assisti o primeiro episódio e simplesmente não fiquei ansiosa pelo próximo. Não achei ruim, não achei chato, pelo contrário, parecia que tinha muita coisa pra acontecer, mas não é a minha praia. Me disseram que melhora bastante pela frente, mas eu sou do tipo que precisa ser conquistada de cara pra continuar.
ResponderExcluirE convenhamos, nem as séries que amo ando assistindo, então o problema nem é com Orange, é comigo mesmo.