"Badlands está aí para provar que coisas boas também podem sair de situações e momentos não tão legais se a gente souber aproveitar."
Eu sou do tipo de pessoa que está sempre procurando música nova para ouvir, seja por meio de indicação de amigos, por lista de mais tocadas da Billboard, ou, sei lá, aquela listinha de artistas relacionados do Youtube ou Lastfm. E aí, quando encontro um artista legal, acabo ficando obcecada. EVERY. DAMN. TIME. Só gostar das coisas é algo que não acontece comigo. Filosofia de vida: go hard or go home.
No início de 2015, em uma dessas caças ao tesouro, por obra do acaso acabei em um dos canais da VEVO especialmente criado para mostrar artistas novos e me deparei com a Halsey: uma menina de cabelo cinza e voz profunda, vestida tipo uma fazendeira (?) (AHUAHUAH), tocando guitarra e cantando um refrão poderoso sobre ser dona de si.
Aquela apresentação bastou para eu começar a pesquisar sobre a artista, passar o link do vídeo para os amigos também viciarem (oi, Dana!) e querer baixar a discografia. Aí é que a vida resolveu me dar uma rasteira: ela só tinha um EP de 5 músicas. HALSEY, COMO VOCÊ OUSA FAZER MÚSICA BOA ASSIM E SÓ TER CINCO FAIXAS PARA ME OFERECER? QUEM TE DEU ESSE DIREITO?
I'm a wanderess
I'm a one night stand
Don't belong to no city
Don't belong to no man
A razão para esse texto existir é o meu sofrimento ter chegado ao fim (ou só ter começado, dependendo do ponto de vista). Depois de meses esperando ansiosamente e tendo que me contentar com uma faixa sendo liberada aqui e outra ali, Badlands, o primeiro álbum da Halsey, finalmente foi lançado. E agora sinto que é meu dever dizer por que todo mundo precisa ouvir essa maravilha.
Mas primeiro precisamos falar sobre Halsey. Nascida em New Jersey, Ashley Frangipane tem apenas 20 anos de idade. Halsey, seu nome artístico, é um anagrama de seu nome real (Ashley) e também uma rua no Brooklyn onde ela passou boa parte da adolescência e onde considera que sua personalidade musical começou a ser desenvolvida. Sua carreira começou em 2012 postando covers no Youtube, mas apenas dois anos depois, quando decidiu disponibilizar pela primeira vez material autoral no SoundCloud, que as oportunidades reais começaram a surgir. Após receber propostas de várias gravadoras, Halsey fechou contrato com a Astralwerks. Em Outubro de 2014, foi lançado o EP Room 93 com as faixas “Is There Somewhere”, “Ghost”, “Hurricane”, “Empty Gold” e “Trouble”.
Enquanto trabalhava em novas músicas para o seu primeiro álbum, Halsey continuava ganhando espaço através da divulgação de seus singles (“Ghost” e “Hurricane”) e de sua participação como atração de abertura para bandas como The Kooks e Imagine Dragons. Ainda durante esse período de produção, foi destaque do South by Southwest, tornando-se a atração mais comentada pelo público do festival nas redes sociais.
E não é difícil tentar adivinhar por que Halsey chamou tanta atenção do público. Com um timbre poderoso e visual marcante, a cantora oferece um estilo de sonoridade intrigante e composição muito peculiar (que vão das batidas da música eletrônica à melancolia das letras do indie). Inevitavelmente por conta das influências diversas, é colocado debaixo do guarda-chuva do pop, mas foge do que é considerado comercial. E aí podem ser adicionados também a esse mix vitorioso uma ótima presença de palco, entrega emocional à cada música que é cantada e ““““personalidade forte”””” (a.k.a ser jovem, ser mulher e não ter medo de se expressar livremente e dar opiniões independente do que é considerado conveniente para alguém que está começando a carreira agora).
"Eu to cansada de ouvir 'se cubra' 'não fale sobre o seu corpo' como se nascer mulher fosse uma vida de vergonha e culpa por causa do seu gênero." |
Aliás, essa atitude de falar sobre todo e qualquer assunto abertamente é uma das características que mais fizeram com que me apaixonasse pela Halsey e, também, algo que influencia diretamente nas composições dela. As músicas escritas por ela falam sobre relacionamentos, batalhas internas e sexo, por exemplo, sob uma perspectiva muito diferente da que se costuma encontrar sendo expressa por mulheres no meio musical. Halsey quando fala sobre sexo, não fala sobre fazer tudo que o parceiro quer ou fazer de tudo para satisfazê-lo, mas sobre como, por exemplo, aquela situação foi prazerosa para ela. Ela não é a mulher-objeto que não tem querer durante o sexo e faz tudo para agradar, ela faz sexo porque gosta e pelo próprio prazer. E isso é algo tão maravilhoso e poderoso!!! Uma jovem de 20 anos falando sobre ser dona do próprio corpo e fazer o que quer, do jeito que quer, quando quer e com quem quer... É algo que, num mundo ideal, nem deveria me deixar animada, porque é apenas a forma óbvia de encarar as coisas, mas que na nossa realidade ainda precisa de representatividade.
Meu coração está com Baltimore. Meu tweet anterior tá se referindo a alguns exemplos / comparações merdas que eu vi hoje. |
E representatividade poderia até ser o nome do meio da Halsey. Filha de pai afro-americano e mãe ítalo-americana, ela faz questão de não deixar ninguém esquecer que, apesar de sua passabilidade branca, é miscigenada e está sempre aproveitando o espaço que tem para comentar sobre problemas raciais nas entrevistas que dá ou em seu twitter. O que é digno de nota se pararmos para pensar em como a cultura americana é uma de segregação racial (mesmo com o aumento da miscigenação no país nos últimos anos) num nível alarmante – para se ter ideia, há apenas 50 anos o casamento entre pessoas de raças diferentes ainda era ilegal nos EUA.
Lembrete: Só porque você "nunca testemunhou racismo" (OBS ahn?) não significa que não é uma realidade. Eu nunca testemunhei assassinato. Eles ainda acontecem. |
Outro tema do qual Halsey não foge é sua sexualidade. É verdade que não é a primeira vez que aparece uma cantora bissexual na mídia, mas o grande diferencial talvez seja o fato de que ela é eloquente, bem informada e, principalmente, desfruta de uma liberdade criativa enorme concedida por sua gravadora – ao ponto de “Ghost” ter duas versões de clipe: a lançada para o EP Room 93, que retrata um relacionamento entre a cantora e um homem; e a versão mais nova, em que vemos Halsey num relacionamento com outra mulher (também não-branca, vale ressaltar). E isso é muito importante. Para quem sempre teve sua sexualidade tratada na mídia como uma impossibilidade, demonstração de indecisão ou como uma forma de chamar atenção, ter alguém levantando bandeiras e esclarecendo as coisas por onde passa é libertador, validador e empoderador. E é lindo saber que a decisão de fazer o segundo clipe, da forma como foi feito, foi da própria cantora.
"Eu lancei um clipe que eu tava beijando uma garota e de repente todo mundo tá tipo..." "ISSO É PORNOGRÁFICO!"
"E me enlouquece que pode ser considerado mais provocativo ou até pornográfico por causa disso." "E é por isso mesmo que eu fiz a porra do clipe."
Como se não bastasse ser essa pessoa maravilhosa, linda e poderosa, Halsey também sabe fazer música boa. Não tenho o menor receio de dizer que Badlands foi o álbum do ano para mim ou que a Halsey foi a melhor cantora que eu “descobri” em 2015. Fazia muito tempo que eu não me sentia tão empolgada com um artista e com todos os aspectos da criação dele a ponto de sentir vontade de escrever sobre o assunto e querer fazer todo mundo saber que aquilo existe e passar semanas ouvindo as mesmas músicas sem parar e!!!!
Antes de embarcar na viagem sonora que é Badlands, é interessante saber um pouco do que está por trás do CD. O trabalho é conceitual e recebeu esse título por conta da cidade homônima inventada pela própria cantora. Nessa sociedade pós-apocalíptica imaginária é que acontece a história construída durante as 14 faixas (16 se você estiver ouvindo a versão Deluxe). Segundo ela, conforme o álbum foi ficando pronto, foi possível perceber que Badlands funcionava também como uma espécie de metáfora para a condição mental ruim em que ela se encontrava enquanto escrevia as canções.
Badlands está aí para provar que coisas boas também podem sair de situações e momentos não tão legais se a gente souber aproveitar. De sonoridade misteriosa e intrigante, o álbum tem o poder de te prender logo nos primeiros segundos e se destaca por ser diferente de praticamente tudo que a indústria musical tem sido capaz de oferecer nos últimos anos, oferecendo a dose certa de estranhamento e originalidade sem se tornar algo enjoativo.
E não é só por ser uma delícia de ouvir que Badlands é um debut album maravilhoso, mas também por fazer um ótimo trabalho como introdução ao mundo da Halsey e a pessoa que ela é. O álbum é tão honesto que tem esse poder de te levar em um passeio pelas experiências da vida da cantora: os relacionamentos amorosos e suas decepções, a luta para conciliar o alcance de objetivos com continuar fiel àquilo que você realmente é (e acredita), as crises existenciais e, forçando a barra bastante (!!), momentos felizes.
A forma como as músicas são construídas, apesar das letras não serem exatamente pensadas em uma narrativa linear, proporciona uma sensação incrível de imersão no ambiente e nos sentimentos nos quais Halsey se inspirou na hora de compô-las. É de uma sonoridade bem atmosférica e que, por vezes, parece capaz de transmitir as emoções e o clima de cada situação sem necessitar da presença da letra, quase como a trilha incidental de um filme (para entender do que estou falando escute “Control”).
Durante uma das minhas várias longas conversas com a Dana sobre o CD, ela fez uma comparação que acho que explica perfeitamente esse tipo de storytelling que encontramos quando o ouvimos: existem histórias mais lineares como as contadas em livros e existem histórias como as contadas em games, nas quais você tem a oportunidade de explorar o ambiente sozinho e ir descobrindo aos poucos, com pedacinhos de informação aqui e ali, chegando a imagem geral daquilo tudo.
Durante uma das minhas várias longas conversas com a Dana sobre o CD, ela fez uma comparação que acho que explica perfeitamente esse tipo de storytelling que encontramos quando o ouvimos: existem histórias mais lineares como as contadas em livros e existem histórias como as contadas em games, nas quais você tem a oportunidade de explorar o ambiente sozinho e ir descobrindo aos poucos, com pedacinhos de informação aqui e ali, chegando a imagem geral daquilo tudo.
Como se isso tudo já não bastasse para tornar Badlands incrível, tem também a voz da Halsey na mistura para garantir que o álbum seja ainda mais poderoso. Quando você junta o timbre profundo e inconfundível da cantora, que não precisa de grandes acrobacias vocais para se destacar, com as letras e a sonoridade das canções, fica impossível negar e/ou resistir ao apelo que Badlands tem como obra e sua capacidade de emocionar quem entra em contato com ele. E para que mais a arte existe se não para tocar quem a ela é exposta? Arte que não toca é arte morta e Badlands, nesse contexto, é sinônimo de vida.
O álbum Badlands inteiro está disponível para ouvir no youtube.
-rebeca chaves
O álbum Badlands inteiro está disponível para ouvir no youtube.
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5 comentários
OMG!! Melhor artigo sobre um artista que eu já li na vida! Meus sinceros parabéns a pessoa que o escreveu. Que escrita bela e fluida! Amei saber mais da Halsey e de Badlands. <3
ResponderExcluirMUITO MARAVILHOSA <333
ResponderExcluirgente achei um blog que e parecido comigo amei o blog vou ler agora pra sempre
ResponderExcluirDude, que artigo MARAVILHOSO! Eu já era super fã da Halsey, mas agora.. it's a to a whole new level thanks to you!!! O jeito como você pontuou cada coisinha do albúm, da carreira e da própria artista foi incrível. Dá para enxergar claramente como você se sentiu e o por que de ter gostado. Sem mais delongas, meus sinceros parabéns!
ResponderExcluirGente...eu amei,nossa tudo que voce descreveu a halsey e a mesma coisa que eu achei quando conheci a halsey.faz pouco tempo que me tornei fã dela
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