Sabe, eu já repudiei a atitude de algumas pessoas da militância feminista pelas suas atitudes agressivas. A forma com que militavam não parecia certa. Achava que a agressividade não levava a nada, só afastaria homens, aliados em potencial, do movimento. Pensava realmente que sua conduta era simplesmente destrutiva, um desserviço ao feminismo.
Como eu era inocente... (e machista).
Machista porque como homem, não é meu papel dizer o que as mulheres podem ou não fazer pelo feminismo, o que ele é ou deveria ser ou determinar forma certa ou errada de lutar por ele. Não é o meu espaço. Eu já tenho muito espaço por ser homem. Esse é o delas.
Mas eu só fui entender isso quando passei a ter de conviver com os discursos de ódio contra os homossexuais declamados por certos políticos de agenda religiosa e conduta moral questionável, assim como as pessoas que reproduzem os mesmos. E eu senti raiva. Mais que isso, eu descobri que a raiva as vezes é a única resposta possível. Afinal, quando alguém te bate você não precisa se deixar apanhar. Você pode revidar se quiser. Não é a única resposta possível, e é até discutível se é a melhor, mas é no mínimo justo. É legitima defesa. E se o agressor percebe que você também sabe bater, vai pensar duas vezes antes de vir para cima novamente.
Por qualquer motivo que seja, nossa sociedade só considera a legitima defesa em situações de violência física. É uma ideia comum de que a agressividade deve ser sempre o último recurso, e se uma pessoa não está literalmente te espancando, então não é justificada.
Mas as vezes ela é.
Porque não é dever da Minoria engolir desaforo e tolerar destrato. Não é sua obrigação suportar o peso do mundo sem reclamar. E é muito conveniente para o opressor reproduzir a velha fala de que violência não leva a nada. Afinal, não são suas amigas trans* que são assassinadas, não são seus colegas gays que são espancados em bares, não são seus amigos negros que são marginalizados pela sociedade, não são suas amigas lésbicas que são “curadas” através de estupro. A vida do agressor não está por um fio pelo simples fato de ele ser quem é, ele não vive a neurose que é lutar contra um sistema que o ataca por todos os lados, todos os dias, o tempo inteiro; nem o quanto é reconfortante a distância que a agressividade pode criar entre ele e quem quer ataca-lo.
É fácil acusar de vandalismo quando o pedestal de privilégios começa a ser balançado.
Difícil é parar para pensar no contexto histórico que levou àquela agressão. Mas eu vou ajudar a desanuviar algumas disparidades básicas entre os dois grupos que causam todo esse ressentimento:
opressor e Oprimido não possuem espaço de fala iguais. O que o opressor diz é levado a sério, já o Oprimido é sistematicamente silenciado – e quando isso acontece, as vezes a única solução é gritar.
As consequências de um ataque do opressor são infinitamente maiores que as de um Oprimido, por que há um sistema validando suas ações. Quando o Oprimido ataca, ele é imediatamente censurado pelo status quo.
opressor e Oprimido não são iguais em condições, oportunidades ou recursos. Principalmente: eles não são iguais em privilégios. opressor não tem medo de andar na rua, não tem de pensar no que vestir antes de sair de casa, não recebe salário menor, não teme demonstrar afeto em público, não precisa se preocupar com a forma com que fala ou anda, não perde a autoridade do próprio corpo, não perde emprego pela cor de pele, não é julgado, diminuído, invalidado e reduzido de forma sistêmica.
Pelo contrário: o agressor perpetua um sistema que faz isso com os outros, deseja ser livre de consequências por fazer isso e ainda prefere silenciar quem luta contra isso, invalidando discursos e intervenções afirmando que está sendo atacado. Pois saiba que é um ataque mesmo. E que esse ataque não é uma gota de chuva no olho se comparado às centenas de vidas dos meus irmãos e irmãs que morreram tentando ser ouvidos. Eles foram enforcados, estupradas, agredidos, violadas, maltratados, controladas, segregados, renegadas por tantas gerações que já nem dá para contar. Morrem até em vida quando foram descreditados, invalidados, amedrontados, enfim, quando foram Oprimidos.
Mas não mais.
Não mais.
Não mais.
E nunca se esqueça que se eu sou a mosca na sua sopa, foi sua colherada que me fez cair aqui.
Nota sobre o Texto - Dana:
Rolou uma discussão sobre postar ou não esse texto aqui. Afinal, estamos dizendo que o CC é a favor da violência? Não. O CC é a favor de compreensão. O texto foi motivado depois de uma conversa da equipe sobre o caso de uma pessoa que usou crucificação como forma de protesto na Parada Gay de São Paulo (imagem lá em cima). Algumas pessoas se sentiram ofendidas com o uso de um símbolo religioso. Na equipe do CC mesmo nós temos opiniões diferentes sobre o assunto e, definitivamente, lidamos com isso de maneiras diversas. Mas aqui uma metáfora pra tentar explicar por que eu, Dana, fui a favor de postar esse texto:
Ser de uma minoria é viver escorregando em um ralador. E aí até se você tenta reagir pulando e por acaso segura em alguém de mal jeito, a pessoa em vez de aguentar um segundinho o peso pra te puxar pra cima, ela te empurra pra baixo com mais força. Porque é "super justo". Ela não tem culpa de viver no topo do ralador sem se machucar. Você que se vire pra subir sem tocar nela.
E é por isso que às vezes eu escolho não vilanizar esses atos mais agressivos. Porque sou eu estendendo a mão e segurando o peso 1 segundo pra dar a chance da pessoa vir pra cima.
O ConversaCult é a favor de compreender os outros.
Essa é uma conversa que não termina aqui, mas por enquanto é o bastante. Sugiro um complemento com a leitura desse texto sobre O Pagador de Promessas e o que aconteceu na França.
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3 comentários
Isso me lembrou o argumento de Magneto em X-Men.
ResponderExcluirNão discordo da sua visão, Diego. Nem concordo com ela. Hoje não. Se fosse dez anos atrás abraçaria sua visão de todo coração, mas algumas pessoas, experiências e o tempo me fizeram mudar e hoje estou mais adepta da ideologia de Xavier.
ExcluirGosto de discutir com você, porque acredito que trocar ideias com alguém que sabe ouvir é a melhor forma para crescer. Assim como você, quero crescer. Quero evoluir. Quero ser uma pessoa melhor. Também sei que não quero mudar sua cabeça e nem silenciá-la. Por que eu faria isso? Ouvir outras vozes me eleva como indivíduo.
O que quero dizer é que no momento sinto medo. Medo desse ódio louco. Medo de quem, diferentemente de você e eu, não sabe que algumas vezes é mais construtivo concordar em discordar. Tenho medo que um dia as pessoas ajam como Magneto: denigram a integridade de um ativismo extremamente importante com atos de terrorismo.
Gostei do texto, mas não acho que a agressividade seja uma via para a desconstrução das injustiças se você quer mostrar ao lado privilegiado que você não está em uma situação confortável no ralador (para usar a sua metáfora).
ResponderExcluirSou homossexual e tive muitos problemas de aceitação no início pela conotação negativa que eu tinha sobre gays, com uma opinião formada pelo o que eu via na TV (a internet ainda não era tão popular). No entanto, apesar de saber que a imprensa ajuda a perpetuar preconceitos, não dá para negar a postura violenta de muitos grupos oprimidos, que vão além dos LGBTs. Por exemplo, ninguém nasce sabendo tudo sobre o "universo LGBT" então, por ignorância, as pessoas acabam não sabendo a diferença entre "opção sexual x orientação sexual" ou "homossexualismo x homossexualidade" e, diante disso, alguns militantes adotam uma postura agressiva através de comentários irônicos ou xingamentos. Sabe, isto é necessário? Até nos casos quando a própria pessoa reconhece a sua ignorância ela é tratada com uma resposta agressiva, diante disto, fica difícil tentar desconstruir os preconceitos das pessoas.
Ao meu ver, atitudes assim reforçam os estereótipos transmitidos pelos meios de comunicação, principalmente grupos feministas. Li seu texto e compreendo que é revoltante sim ser tratado de maneira inferior por ser LGBT, mulher, negro, pobre, etc, mas ainda acho que a violência não pode ser justificada ou atenuada, pois ela prejudica todas as conquistas que uma minoria sofre para conseguir (quando consegue). As pessoas são mais receptivas à repensar seus conceitos e hábitos quando sentem que existe empatia por parte de qualquer grupo (minoritário ou não), que compreendem a sua ignorância e as suas limitações de compreensão e, sobretudo, quando existe RESPEITO. Sabemos que não se vê muito isso do lado opressor, mas se quisermos reduzir as injustiças da sociedade, as minorias precisam ser mais inteligentes e humanas do que eles.