Annabel Pitcher
CCLivros
Nuvens de Ketchup, de Annabel Pitcher, e a escrita como desabafo
22.6.15paulo
“Não existe língua presa na escrita, mas, se existisse, tipo se minha mão fosse uma língua grande, imensa, a verdade verdadeira é que ela estaria toda enrolada em um daqueles nós complicados que só os escoteiros sabem fazer.”
Às vezes sofremos guardando dentro de nós mesmos coisas que não deveriam ser reprimidas. Um desejo, um comentário, um segredo. Seja o que for, quando você guarda algo até o ponto em que a questão não para de martelar na sua cabeça, até mesmo o twitter pode ser uma solução. Lá, mesmo que ninguém te responda, você sabe que alguém leu. Sua dor foi ouvida, e esse desabafo já serve para aliviar o sofrimento.
A protagonista de Nuvens de Ketchup, Zoe, está precisando muito de um desabafo como esse. Sua situação, porém, é bem mais complicada, meia dúzia de tweets não dariam conta da complexidade do problema. Ah, e mais importante: ela matou uma pessoa e saiu impune, esse não é o tipo de coisa que se diz na internet.
A protagonista de Nuvens de Ketchup, Zoe, está precisando muito de um desabafo como esse. Sua situação, porém, é bem mais complicada, meia dúzia de tweets não dariam conta da complexidade do problema. Ah, e mais importante: ela matou uma pessoa e saiu impune, esse não é o tipo de coisa que se diz na internet.
Então, com quem desabafar? Seus pais ficariam decepcionados, suas irmãs mais novas não saberiam como lidar com essa informação e seus amigos a denunciariam no mesmo instante. E todos eles estão envolvidos em seus próprios problemas, ninguém seria capaz de ouví-la. Um padre até pareceu uma boa opção - ele não poderia entregá-la para a polícia, afinal de contas -, mas não foi o suficiente. Zoe precisa de alguém que a entenda, que se identifique com os seus sentimentos, que possa sentir empatia por ela, como… uma pessoa que também matou alguém e se arrepende disso.
Zoe descobre que há uma série de detentos dispostos a se corresponderem com pessoas do mundo todo, e escolhe um cara que poderia compreendê-la: um homem arrependido, que espera no corredor da morte por ter assassinado sua esposa. A menina cria, então, o nome falso Zoe, bem como um endereço fictício, do qual ela escreve as cartas que compõem o livro.
Através desses relatos, Zoe reconstrói todos os momentos que levaram ao crime e ao estado crítico em que ela se encontra agora. As cartas nunca serão respondidas, ela sabe disso, sabe que a pessoa não vai ter a mínima ideia de quem ela é, porém, estar escrevendo e enviando suas palavras a alguém gera uma sensação de alívio.
Por mais que as cartas estejam endereçadas a um detento - e a nós, leitores -, o principal destinatário é a própria Zoe. Além de uma libertação, o desabafo epistolar da menina é também uma forma de encontrar-se. Escrever as cartas é um meio de relembrar exatamente o que aconteceu, utilizando essas memórias para reorganizar seus sentimentos e lidar com os fatos - que é o que também faz Charlie, em As vantagens de ser invisível.
Zoe pode não estar presa de fato, no sentido de não ser punida por um crime atrás das grades, mas ela se prendeu no próprio sentimento de culpa. É como se ela mesma tivesse se julgado culpada e se punido por isso e somente a escrita seria capaz de fazer com que ela assuma o papel de advogada de si mesma e declare sua liberdade.
As questões do livro não se resumem ao problema particular de Zoe, ele também problematiza o sistema penitenciário. Contando um pouco da vida do detento para quem Zoe escreve e com a história da menina, a figura do preso é humanizada. Assim, relativiza-se o criminoso, palavra sempre carregada de valor negativo. Afinal, em rigor, a Zoe é uma criminosa, mas será que essa palavra é capaz de descrever uma pessoa, que é complexa e cheia de camadas e contradições? E mais: a pena de morte é uma medida justa? Sobre isso, vale destacar uma passagem do livro:
“Se eu fosse presidente dos Estados Unidos, claro que ainda haveria prisões, mas elas ajudariam os criminosos em vez de matá-los como se não houvesse mais esperança. Se quer saber minha opinião, ninguém pode riscar um ser humano do mapa assim, como se tivesse olhado dentro da alma dele e decidido que é mau, mau de verdade, sem nenhum pedacinho bom que valesse a pena salvar.”
Além dos pontos comentados, o romance é extremamente agradável de ler. Há um leve suspense e, ao longo do texto, você vai descobrindo quem pode ter sido a pessoa que a menina matou e por quais razões o crime aconteceu, o que te instiga a continuar e terminar de uma vez. Ao mesmo tempo, você quer prolongar a leitura para continuar dentro desse universo, tão bem narrado pela Zoe. Como diria a protagonista: verdade verdadeira, Nuvens de Ketchup é um livro excelente.
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2 comentários
Eu provavelmente deveria ler o livro e descobrir (ou não) isso, mas minha curiosidade fala mais alto: Por que "Nuvens de ketchup", Paulo?
ResponderExcluirSuas resenhas são sempre agradáveis de ler!
Hahaha sim, você deveria ler! :P Tem um pouco a ver com as nuvens avermelhadas do pôr do sol, mas dá para fazer outras leituras mais metafóricas também.
ExcluirMuito obrigado, Helena <3