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(r)existência

4.4.15paulo

- um texto sobre sentir medo, preconceito e (r)existir.



Ontem, meu namorado e eu fomos chamados por uma moça da coordenação do meu colégio para conversar com ela e os inspetores. O motivo? Deveríamos parar com as nossas demonstrações de afeto, afinal, elas eram exageradas, ofensivas e mau exemplo para os estudantes mais novos. As palavras da mulher, sob a desculpa de “não temos nada contra o amor de vocês, são as regras”, me sufocaram. Os outros funcionários carregavam expressões de reprovação, enquanto meu namorado, com os olhos marejados, segurava minha mão com força. Eu precisava falar.


“E todos os casais hétero que andam pelo colégio de mãos dadas, abraçados e se beijam?”, eu disse, articulando tão calma e claramente que eu mesmo fiquei surpreso. “De forma alguma um ‘erro’ justifica outro, mas vocês não acham que estão realizando uma fiscalização seletiva? Olhem bem para o que está acontecendo agora. Duvido que um casal formado por uma menina e um menino já tenha passado por isso.” Não aguentei a pressão do momento e tive que parar de falar. Chorei todas as lágrimas que eu havia guardado nas situações de preconceito que enfrentei.

Essa cena não tem continuação, porque depois disso eu abri os olhos. Olhei ao redor, observei bem as silhuetas do meu quarto escuro, me dei conta de onde eu estava e chorei. Chorei porque acabara de sair de um sonho tão real que sua lembrança era viva como a de algo que de fato aconteceu. Chorei porque o medo da regra e do preconceito é tão forte a ponto de se transformar em pesadelo. Chorei porque não existe lugar seguro.

Toda pessoa LGBTQIAP sabe que as ruas não são seguras. Quando você assume sua existência para o mundo, recebe em troca desprezo e motivos para temer ser quem você é. A primeira reação é se esconder num abrigo, o seu lar - mas a proteção é dificilmente encontrada lá. Quem ainda está na escola percebe nesse ambiente outra possibilidade de segurança, que é logo mutilada. As pessoas que compõem o corpo profissional do colégio são as mesmas que habitam o mundo lá fora, e elas não deixam o preconceito nas ruas antes de começar um dia de trabalho.

O que foi “apenas” um pesadelo para mim é muito próximo da realidade de uma outra pessoa, que recentemente procurou o coletivo LGBT do meu colégio por estar sendo perseguida por um inspetor. Sua sexualidade causa desconforto, e demonstrá-la é como ascender um letreiro em neon que diz “eu sou culpada, venha me reprimir”. Assim, todas as (questionáveis) regras que regem o comportamento estudantil no espaço escolar são cobradas de forma ainda mais pesada se você está fora da heteronormatividade.

Nenhuma carícia, abraço ou beijo que eu dou no colégio é um gesto composto apenas por amor; em cada um deles reside o medo de que alguém nos advirta por "comportamento inadequado". Se eu não posso amar em casa, na rua e na escola, existe algum lugar seguro para isso? Por que o que nós sentimos é menos válido que os sentimentos de outras pessoas? Ninguém tem um resquício de empatia?

Eu poderia tentar tirar uma lição positiva disso tudo, encontrar no medo a força para resistir e continuar com o ativismo, mas eu não estaria sendo honesto com o que eu sinto agora. Às vezes, o preconceito te paralisa de tal forma que simplesmente não há como lutar. Nesses momentos, tudo o que resta é a sua voz. Por isso eu estou aqui escrevendo esse texto, me afirmando como gay, contando a minha história. Mostre sua voz e encontre outras. Fale

- paulo v. santana,

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2 comentários

  1. paulo <3 sonho horrivel e texto maravilhoso.

    também escrevi quando recebi advertência por comportamento inadequado, mas foi um poema http://priisakilljoy.tumblr.com/post/102475612631/

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    Respostas
    1. priscilla <3

      esse seu poema... é sensacional, doloroso e verdadeiro.

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