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[Resenha Misturada] Mundo Novo, de Chris Weitz

25.3.15João Pedro Gomes


Você já conhece o mundo pós-apocalíptico de Mundo Novo, sabe que não tem adultos nele e que, bem, isso não é tão legal quanto parece. Ou é? Esse livro tá fazendo eu pensar sobre várias coisas até hoje e dá pra refletir sobre o ambiente da história por muuuuito tempo. Mas o que há por trás desse universo tão complexo? Os outros elementos são tão profundos assim? É isso que eu, João, e a Dana vamos discutir hoje.








>> DANA

Tem algo interessante sobre esse livro, que é o que eu cito na minha análise. Mundo Novo meio que trata de um "mundo novo" que é criado na cultura dos adolescentes, então ele tenta ser inovador de certo modo, mais livre. Só que essa cultura dos adolescentes ainda é muito influenciada pelo padrão do mundo antigo em que eles cresceram, cheio de preconceitos e ideias problemáticas enraizadas. Por mais que o autor, imagino, queira fazer algo mais novo-inclusivo-questionador, ele ainda tá cego por esse pensamento padrão. Ou seja, sai algo que é muito legal em um momento, mas no seguinte faz algo feio que estraga bastante, o que torna difícil de indicar o livro como referência e... é simplesmente feio.

Por exemplo, daria pra dizer que no grupo principal ninguém é homem cis hétero branco (ou sei lá como tá o padrão). O protagonista é descendente japonês, a co-narradora é uma garota, o melhor amigo dela é negro e gay, a outra garota é chinesa e só resta o Crânio, que é aí é garoto cis hétero branco, se eu não me engano, mas com boa vontade daria pra usar uma representação assexual. De qualquer forma, o autor se esforça para colocar minorias. Cita pessoas travestis (não sei transexual), fala abertamente sobre ser homossexual e como o mundo deu mais liberdade. Também trata a questão de raça de uma forma bem inserida nesse mundo. Lembra até dos latinos, apesar de ser só citação.

Esse é um dos meus trechos preferidos porque mostra uma verdade:



Uma das coisas mais legais do Mundo Novo é como ele fala sobre a vida em um tom crítico. Os personagens narradores têm uma voz própria marcante. Ah! E isso me lembrou que eu queria comentar que eu gostei de como Donna, a co-narradora, começa sua parte falando sobre narradores que não são confiáveis, que é algo usado na escrita pra enfatizar que aquela é apenas uma visão do mundo, você não sabe se a história que tá lendo é realmente o que está acontecendo ou só a visão daquela pessoa sobre o que aconteceu. O narrador não é confiável. Donna não tem paciência pra essas frescuras, ela diz que vai ser uma narradora confiável porque ela diz o que pensa. Curiosamente, ao longo da história fica claro que ela não é tão confiável assim. Como a história é narrada por ela e Jefferson, nós vemos os dois lados da moeda e percebemos que às vezes o que ela diz (ou como se sente) não reflete o que é real. Não sei se o autor fez de propósito, mas gostei. 

Aí o João me perguntou o que eu não gostei. O que eu não gostei?

Achei mal escrito, com algumas coisas mal explicadas e personagens superficiais. Aquele final foi tenebroso, do tipo "Fulano olhando para Siclano e entendeu tudo" e você fica ENTENDEU O QUE? CADÊ A CONCLUSÃO? Quer dizer, eu entendi o que ele entendeu, mas aquilo não é nada. É um final mais "vamos colocar algo inesperado aqui e parar a história de qualquer jeito pras pessoas lerem o próximo". Não dá nem pra ser chamado de cliffhanger, é final ruim mesmo. 

Não posso não citar a Boneca Inflável. Eu que chamo a personagem de Boneca Inflável, mas ela também é conhecida como Peituda (sim, é assim que ela é chamada no livro). Apesar de ter um passado traumático e ser a personagem que mais sofreu nesse Mundo Novo, ela se junta ao grupo principal para apimentar o romance e ser mais Boneca Inflável. É literalmente o seu único propósito na história. Ela é gostosa, as pessoas fazem sexo com ela e isso ajuda a história ir em frente. *respira fundo*

Caso não tenha ficado claro, aqui uma ilustração da personagem

E reparou que eu chamei a Donna de co-narradora e não co-protagonista ao longo do texto? É porque eu acredito que ela não seja protagonista, mas vou citar isso em outro texto. 

Sobre a nota: Enfim, eu gostei da história. O início foi uma merda pra ler, mas depois foi daquelas que eu não conseguia largar. Li rapidinho, xinguei os acontecimentos, fiquei triste com os outros, me diverti e no fim fiquei muito puta com a falta de conclusão. Mas valeu a pena, porque não só foi divertido como me fez pensar em muitas coisas. 

Acho que a capa ilustra bem. É linda, cheia de estilo e representa um mundo vibrante, mas quem diabos são esses personagens? Sério. Eu consigo associar alguns, mas... quem são essas pessoas? cadê as outras? Seria lindo se fosse ilustração dos personagens mesmo (e com nome embaixo, pra garantir). :(

Nota: 3/5 conversinhas


>> JOÃO

Mundo Novo é a expressão máxima daquela frase, "comprei pela capa" (na verdade, eu ganhei o livro de presente, mas vocês entenderam). Eu não tinha muita expectativa pra história por já ter ouvido alguns comentários negativos e, sinceramente, ficaria feliz só de ter aquele laranja fluorescente brilhando na estante. Por isso, foi incrível descobrir que, em vários sentidos, o livro foi mais do que eu pensei que seria.

O que me pegou em Mundo Novo foi, definitivamente, a construção de mundo. Desde mercados ao ar livre (onde há de churrasco de ratazana à prostituição escancarada) até sociedades secretas vivendo em esgotos, bibliotecas e outros lugares inusitados, o livro me mostrou o mundo pós-apocalíptico mais rico e criativo que eu já vi. Não só na abundância de detalhes, mas também no modo com que o autor sabe encontrar resoluções para os problemas dos habitantes desse novo mundo de maneira condizente com uma visão jovem da realidade (visão essa que, não se engane, não tem nada de inocente. Fica bem explícito o quão corrompidos por valores adultos os adolescentes já são).

Puxando por esse lado, eu gosto como Mundo Novo é um hino à juventude e ao que ela representa. Criatividade, liberdade, expressividade, transformação, descoberta... curta duração. Repare que a gente não precisa de um apocalipse igual ao do livro pra falarem "aproveita a adolescência enquanto pode, essa vida vai acabar logo". Ver que a vida acaba literalmente nesse livro e como as personagens lidam com isso é uma coisa bem interessante e que me fez refletir sobre minha própria visão do que significa aproveitar essa fase (fato aleatório: descobri que sou mais "adulto" do que achei que fosse).

Coisa legal: dá pra pegar qualquer um desses jogos com cidades destruídas e imaginar como cenário de Mundo Novo
















Mas Chris Weitz não deixa nada idealizado demais. Ao mesmo tempo que a exalta, ele critica a juventude atual e o culto às coisas supérfluas de uma forma bem inteligente, simultaneamente mostrando o quão importantes são algumas coisas às quais não damos tanto valor. Eu fiquei em cacos numa cena em que alguns personagens se reuníram para... ouvir música. Cantar. Algo tão banal e que eu nunca constatei o quão importante era pra mim. E é essa diversidade de visões sobre a adolescência que dá tantas conotações diferentes ao título: Mundo Novo pode representar a descoberta da juventude, o mundo jovem pós-apocalíptico em que eles vivem e o mundo melhor que o protagonista quer criar a partir das cinzas do antigo (além de ter uma conotação irônica se você pensar no quanto essa nova ordem mundial carrega boa parte do mundo antigo como herança).

American Apparel — diz Donna.
Superdry — diz Peter.
McDonald's — diz Donna.
Foot Locker — diz Crânio.
É difícil acreditar que toda essa porcaria realmente importava e que essas palavras provocavam alguma coisa em nós. Agora nós as repetimos como se estivéssemos evocando antepassados. Como se as lojas fossem santuários de mil pequenas divindades e ainda exigissem um tributo. Como se fossem os mil nomes de nosso deus morto.
— Quero um número quatro com coca — eu digo. Simplesmente sai da minha boca.
— Eu pago — diz Peter. Em seguida: — Eu era vegetariano, até o apocalipse. Muito difícil manter a opção agora. Virei onívoro. Como tudo.
— E tudo nos come — diz Donna.

Só que a parte estrutural da narrativa passa longe de ser legal assim. Enquanto o universo do livro é cheio de detalhes que você pode analisar por horas, as personagens, cenas e situações tem uma superficialidade difícil de lidar. Eu não consegui me apegar a ninguém, e olha que tenho coração mole pra personagens. Foi triste ver que alguns com potencial gigante apareciam em uma cena e nunca mais davam as caras, enquanto outros... dava quase pra sentir alívio ao ver sofrendo e morrendo, tão mal desenvolvidos que eram. Isso quando eles sofriam de verdade, porque o autor parece esquecer relações básicas de causa e consequência ao escrever (não, Chris, vocês não pode fazer uma personagem sofrer uma fratura tão grave a ponto de perder o braço e simplesmente esquecer-se de citá-la nos capítulos seguintes). E me recuso a comentar sobre a parte do Central Park, que era uma das coisas que eu mais tava esperando desde ler a sinopse e passou em um os dois capítulos sem o impacto que deveria. Você está num Central Park selvagem, quanta coisa dá pra tirar disso? Não muito, segundo esse livro. Decepcionante. 

Sobre a nota: Num aspecto geral, Mundo Novo foi uma caixinha de surpresa cheia de erros e acertos. Mas o autor fez eu me empolgar tanto com a narrativa dos dois protagonistas e acompanhar a história com tanta voracidade pra saber o final que eu só fui perceber o quão graves foram os defeitos depois de ter terminado o livro e tentado atribuir uma nota. Foi uma leitura legal o suficiente pra me fazer querer a continuação, então vou considerar que o livro cumpriu sua missão, ainda que com muitas perdas e acidentes de percurso.

Nota: 3/5 conversinhas

(Preciso comentar: acabei de descobrir que o autor desse livro é o roteirista de Cinderella!!!! Deu um medinho do filme agora, mas vamos esperar antes do julgamento)




Livro: Mundo Novo (vol. 1)

Autor: Chris Weitz

Editora: Seguinte

Paginas: 328


Leia um trecho

  (3 conversinhas)


Este livro foi cedido pela editora Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras. Obrigado, pessoinhas da Cia!

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