"Se a felicidade não está onde estamos, temos de ir atrás dela. Ela
às vezes mora longe. Tem de ter a coragem para ser feliz."
Sabe quando você termina um livro e tudo o que você sente é euforia e parece que tem um mini-você dentro da sua cabeça correndo de um lado para o outro gritando “ESSE LIVRO É MUITO BOM!!!!!!”. Foi exatamente assim que eu fiquei quanto terminei Sergio Y. vai à América. Esperei alguns dias passarem para conseguir escrever uma resenha compreensível e, mais calmo, posso concordar com a pequena voz da minha mente: o romance de Alexandre Vidal Porto que venceu o Prêmio Paraná de Literatura 2012, é, de fato, muito bom.
Quer saber mais? Continue lendo para ver a resenha completa!
meu companheiro de férias <3 |
O doutor Armando, médico narrador da história, é um homem de setenta anos que vive sozinho na cidade de São Paulo. Sozinho, mas não solitário. Ainda que seja viúvo e sua filha esteja nos Estados Unidos estudando, Armando é um psiquiatra renomado e tem uma seleta lista de pacientes que atende em seu consultório. Sua fama de excelente médico é justificada, já que se dedica muito aos pacientes, envolvendo-se, lendo e estudando cada caso. “É nos pacientes que encontro a matéria-prima da minha realização no mundo”, ele diz.
O motivo de escrever esse relato é compartilhar sua experiência com Sergio Yacoubian, um jovem de 17 anos que se diz infeliz. Acostumado com o sucesso, Armando se surpreende quando um paciente tão interessante como Sergio encerra a terapia por vontade própria e se muda para Nova York, afirmando ter descoberto como ser feliz. Até que, anos depois, o médico descobre algo que o deixa ainda mais surpreso - ele não acertou o diagnóstico, ele cometeu um erro.
O sentimento de falha é o combustível para a investigação que o médico inicia sobre a vida do paciente, tentando entender seu papel no destino de Sergio. Armando não aceita o erro, uma quebra no seu currículo de tratamentos bem-sucedidos, entrando em uma busca quase obsessiva. Uma busca que, como paciente de psicoterapia, foi especialmente interessante. Conheço o lado daquele que entrega os problemas, mas não o do que tenta apontar soluções. A intimidade e a proximidade com o leitor presente no relato de Armando me fizeram pensar (o que sempre pensei, na verdade, inclusive quando cogitei fazer Psicologia) em como é ser um terapeuta, estar em contato com pessoas, ser responsável por auxiliá-las em direção a uma boa vida.
Há também a questão do que é ou não é revelado pelo paciente e o que o terapeuta consegue ou não consegue perceber, já que o diagnóstico de Sergio só foi inconclusivo para Armando por conta daquilo que não foi dito. Essa situação me fez lembrar de uma experiência pessoal, quando omiti algo importante para uma psicóloga até a última consulta, o que ela respondeu com um discurso sobre a necessidade de ser completamente sincero na terapia.
Toda essa história foi escrita com uma narrativa ao mesmo tempo ágil, simples, profunda e clara - algo bem próximo do jeito que eu gosto de escrever. Por isso mesmo, a escrita, junto com a temática, permitiram que eu me conectasse profundamente com o livro; tive até aquela sensação de que eu poderia tê-lo escrito.
Apesar do final pouco elaborado, fiquei completamente satisfeito com o livro. Não há como negar que a proposta é interessantíssima e executada perfeitamente por Alexandre Vidal Porto, que levou um prêmio muito merecido. Sergio Y. vai à América me proporcionou uma experiência de plenitude e de inspiração como não vivia há um bom tempo - dizer que se tornou um dos meus favoritos da vida é pouco.
Observação: Escrevi um texto sobre um aspecto da linguagem do livro que preferi não postar no CC, vocês podem ler aqui. É um assunto interessante, mas tem spoilers que eu não recomendo saber caso haja intenção de ler o livro.
Editora: Companhia das Letras
Paginas: 184
Comprar: Saraiva, Submarino, Buscapé - Compare preços.
TAGS:
Alexandre Vidal Porto,
CCLivros,
CCResenhas,
companhia das letras,
lgbt,
literatura brasileira,
literatura nacional,
Paulo V. Santana,
Sergio Y vai à América
2 comentários
Paulo, acho que fostes pelo melhor caminho para descrever a sensação que o livro nos passa. Falar do Sérgio é revelar o "erro" que amarra todo o sentido da história, e falar sobre a relação médico-paciente seria um tanto parcial, já que temos uma predominância do Armando com vislumbres do que foi seus atendimentos com Sérgio. Vou relacionar a sinceridade na terapia, que você fala, com o erro que o Armando fala. O papel do terapeuta é fazer com que seu cliente olhe para si mesmo e entre em contato com seu modo de ser no mundo para, com isso, perceber a melhor forma para ele mesmo ser nesse mundo que o cerca. O erro de Armando, vemos no decorrer do livro, não vou um erro em si, afinal Sérgio consegue viver de maneira autêntica consigo mesmo (mesmo que o mundo tenha dificuldades de aceitar isso). Armando, enquanto terapeuta, não pode pensar que ele dará conta de tudo, algo sempre escapa. Essa sinceridade da relação aparecerá quando essa relação atingir uma autenticidade, e isso leva tempo (mesmo que seja no último dia. Poderias nunca chegar a dizer...). Bem, acho que já deu pra entender, senão posso me alongar muito aqui ehehehehee Adorei a resenha. Abraço.
ResponderExcluirÓtimo comentário, Thyeri! Realmente, Armando julga ser um erro porque não percebeu o quadro do paciente, mas na verdade ele acabou ajudando-o mesmo assim. Como a dra. Coutts diz a Armando: "Não é apenas o mal que a gente faz sem perceber, às vezes fazemos coisas boas também." O grande problema de Armando é ter consciência da sua qualidade enquanto profissional. Ele é professor emérito, tem o privilégio de escolher quem quer e quem não quer atender. Ele está num patamar tão alto que deixar de perceber uma informação importante foi gravíssimo para ele. O "erro" mostrou a Armando que ele é humano, não um deus que entende tudo. O livro começa na quebra entre o sucesso e a humanidade.
ExcluirObrigado pelos elogios! Abraço,
P.