Boyhood não é qualquer filme.
Sim, eu precisei desenvolver essa introdução dantesca para tentar explicar o que torna esse filme, que está concorrendo em seis categorias no Oscar deste ano, tão excepcional. Muito se fala a respeito da produção de caráter único dele, gravado com o mesmo elenco por doze anos. Mas a verdade é que esse recurso seria de pouca valia sem o trabalho de roteiro e produção impecáveis do filme, que é o que eu realmente quero exaltar aqui.
Esse texto contem spoilers. Você foi avisado. Mas fica a questão: quando você vai assistir? Por que, né, tô apaixonado e acho que todo mundo deveria ver ele, fim.
Esse texto contem spoilers. Você foi avisado. Mas fica a questão: quando você vai assistir? Por que, né, tô apaixonado e acho que todo mundo deveria ver ele, fim.
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Personagens interessantes surgem e desaparecem por todo o filme. Amigos de infância do Mason, professores, amigos da família e em especial o primeiro marido de sua mãe e seus enteados, que fazem parte do filme por um bom tempo e então simplesmente desaparecem. Ao invés de tentar personificar intenções ou plot devices em poucos e memoráveis personagens, o filme trata de mostrar que a vida é cheia de pessoas, e que nem todas permanecem por perto para sempre. Quantos colegas de escola nós não deixamos para trás? Parentes distantes? Ex-colegas de trabalho do pai que vimos uma ou duas vezes na vida? O cinema é uma fabrica de significados e trata de tornar toda a pessoa especial e marcante dentro dos filmes, mas Boyhood nos lembra que quem atribui importância as coisas na vida real somos nós mesmos.
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O filme não é moralista. Não há nada no tom ditando “isso é bom”, “isso é ruim”, “isso é certo”, “isso é errado”. Nós assistimos a esses acontecimentos e como eles impactam as vidas das pessoas. Ponto. E é claro, quando o primeiro marido da mãe se torna um alcoólatra violento, é fácil dizer que isso é algo horrível e desagradável (e eu vou retornar a esse ponto mais tarde), mas há tons muito mais cinzentos aqui e acolá. Sabemos, por exemplo, que a mãe é condescendente com o consumo de álcool e maconha do filho quando ele tem quatorze anos, uma atitude que certamente dividirá opiniões. Um dos namorados dela critica Mason quando o vê com as unhas pintadas de azul, outra questão que com certeza não terá unanimidade em um debate.
A história de Mason não é perfeita. E quando eu digo perfeita, não quero dizer no sentido de ser tudo feliz e maravilhoso. Mas no cinema, mesmo tragédias e problemas são intencionalmente trazidos à tona em função da narrativa. Para expor ou ressaltar algo. Boyhood não se usa disso. As coisas acontecem e ponto. Há uma cena icônica do começo do filme, em que Mason está jogando boliche com o pai e pergunta por que não pode usar um Bumper (não achei tradução. É uma espécie de corrimão de metal para ajudar crianças pequenas a jogarem. É o equivalente no boliche às rodinhas de bicicleta e por isso eu vou chamar de rodinhas, ok?) e o pai diz que ele e a irmã jamais devem usar rodinhas, pois a vida não tem rodinhas.
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No fundo, eu acho que a falta de sentido que o filme propositalmente dá às situações é intencional também por outro motivo: é uma história sobre como nós construímos o sentido das nossas vidas. Então nada mais justo do que o diretor dar essa liberdade a audiência, não é? Mas há mais evidencias para apoiar minha causa. Duas na verdade: os pais de Mason. Eles são fundamentais para a exposição dos temas do filme. Há um trecho na reta final em que o rapaz diz não saber se quer ir para a faculdade. Ele pontua que sua mãe foi, conseguiu um emprego ótimo e no final das contas continua sendo tão perdida quanto ele.
Acompanhamos a luta dessa mulher de mãe solteira e sem formação para uma professora universitária consagrada. Vemos ela tendo de se reinventar de novo e de novo no decorrer das tragédias da vida e em sua última cena vemos a conclusão depressiva disso em que ela constata que sua vida está acabada. Ela conseguiu alcançar cada meta que tinha: ter filhos, casar, conseguir o emprego dos sonhos e agora só falta morrer. É quase cômico ver como ela está miserável, tendo-se em vista tudo o que ela sobreviveu e tudo o que ela alcançou na vida. Mas como eu disse: nós é que atribuímos sentido às nossas vidas - e também somos nós que tiramos esse sentido quando queremos.
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E no final, não sabemos se Mason é bom ou ruim, feliz ou triste. O filme, obviamente, não tenta amarrar de alguma forma o que o rapaz aprendeu com tudo o que viveu. Ele apenas viveu. Ele apenas é e vai continuar sendo e vivendo e mudando. Por que nada na vida é definitivo e Mason, assim como todos nós, não tem nenhuma obrigação de ser constante e resolvido e absoluto.
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Diego Matioli,
Oscar 2015
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