Americanah
CCLivros
Como Americanah da Chimamanda Ngozi Adichie me fez repensar o (meu) mundo
24.1.15Dana Martins
"É um livro necessário. Queria que todo mundo se permitisse essa experiência." @afranlelis
Quando eu comecei a ler Americanah, logo as primeiras palavras me prenderam. Era um estilo de escrita envolvente que ficava na cabeça. Conforme eu continuei as coisas se transformaram um pouco porque a história não me chamava tanto atenção. No fim, eu tive certeza de que esse seria um daqueles livros que me acompanha pra sempre.
Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie, foi o que eu indiquei como livro de 2014 no CCAwards.
Como eu vou falar sobre Americanah? A história, em si, é sobre a relação entre Ifemelu e Obinze. Como eles se conheceram, se apaixonaram, se separaram e ficaram depois disso. Mas dizer que Americanah é sobre isso seria mentira. Americanah é como um retrato desses dois, com tudo o que podemos ver nesse retrato: suas roupas, sua cor de pele, o cenário no fundo, as pessoas andando ao redor, os países que os transformaram nas pessoas que são naquele momento, os sonhos por trás dos olhares. É como se a "história de amor implacável" que o verso do livro sugere fosse só uma desculpa para poder olhar para tudo isso.
Ou pelo menos pra mim foi.
Uma das coisas que me incomodou desde o início é que o desenvolvimento da história é mais expositiva. Por exemplo, em livros diferentes, como Percy Jackson, você tem uma questão: ele vai conseguir salvar a mãe? É um livro que você continua lendo porque quer uma resposta. Americanah nem tanto. A história começa com Ifemelu dizendo que vai voltar para a Nigéria e passa quase que o resto do livro inteiro contando toda sua história de vida (intercalada com a de Obinze) para explicar como as coisas chegaram até ali. Se pensar bem, até tem uma resposta para buscar: Por que diabos alguém trocaria os Estados Unidos pela Nigéria? Você vai ter que ler o livro para saber.
Mas o que eu quero dizer com isso é só que, pra mim, não foi o tipo de leitura que me prendeu daquelas AI MEU DEUS VOU MORRER SE NÃO LER. Por outro lado, mais para o final e, depois de passar dois meses lendo, eu comecei a ficar com saudade de ler o jeito característico de escrever da Chimamanda (tanto que em seguida fui ler o ebook "Sejamos todos feministas" que os lindos da Companhia das Letras colocaram de graça - é só ir em qualquer loja de books e baixar).
AGORA VAMOS PRA PARTE BOA, que é pra isso que eu to fazendo resenha.
Da primeira à última página cada detalhe da visão da Chimamanda Ngozi Adichie sobre o mundo é valiosa. Simplesmente porque é a voz de alguém que não vemos com frequência, uma voz poderosa. Um livro que se passa a maior parte nos Estados Unidos, só que é escrito por alguém de fora que pode colocar em destaque coisas absurdas que parecem muito naturais. Em alguns casos, são coisas que também acontecem na cultura brasileira, em outros são coisas que não são comum aqui e é legal ver que nisso somos iguais à Nigéria.
Os detalhes legais são muitos para citar aqui, mas a introdução da história é quase que um resumo do que vamos encontrar:
Na página seguinte, a primeira frase é:
“Mas Ifemelu não gostava de ter que ir a Treton para trançar o cabelo."
Faz sentido? Ela fala de um lugar legal que todo mundo tenta ser direito e ótimo (no início), e aí fala que quase sentia como se fizesse parte desse sagrado clube americano, mas em seguida diz que precisava ir até outro lugar para trançar o cabelo. E a história não termina aí, quando a personagem chega na estação para ir a Treton repara que só tem brancos por ali, quando chega na outra repara em como tem mais negros. É uma forma bem simples de dizer: Yep, eu quero que tudo esteja bem, eu gosto desse lugar onde querem fazer tudo bem, mas eu não posso, não posso porque se eu quero fazer algo simples como ir ao cabeleireiro tenho que ir a outro lugar. Não posso porque toda vez que eu sou quem eu sou, percebo que esse lugar não foi feito pra mim.
Essa é uma mensagem poderosa, um conflito enfrentado por qualquer minoria porque é verdade. Ontem mesmo o João me mandou uma lista das séries da DC (que tem e está planejado para ter):
Arrow
Flash
Supergirl
Krypton
Gotham
Constantine
Titans
E eu fiquei feliz de entre SETE títulos ter UM protagonizado por uma mulher. Até Titans, que é um grupo de personagens, o protagonista é o Dick (eles confirmaram isso). É uma felicidade pobre, de quem está aceitando qualquer migalha porque em mundo com tantas mulheres quanto homens, eu raramente tenho a chance de ver UMA que seja tendo a voz em uma história. Não vou entrar nessa discussão aqui, mas o que isso me diz?
Esse lugar não foi feito pra mim.
E esses são só os dois primeiros parágrafos do livro.
Uma outra coisa que eu gostei bastante é como ela mostra a questão do sotaque nos Estados Unidos, ainda mais porque aqui no Brasil a gente tem muita mania de tentar imitar certinho a pronúncia. Eu nunca tinha pensado como é meio idiota tentar fazer o certinho. Outro ponto é a questão do cabelo natural (nunca tinha imaginado como o processo de alisar o cabelo poderia ser). Ou a questão de corpo. Ou como "inventam" doenças nos Estados Unidos.
A melhor parte é que tudo é escrito de uma forma descontraída e sem ficar exagerando pra um lado. Tipo, Olha como os os americanos são do mal. VAMOS COMEÇAR UMA GUERRA ENTRE RAÇAS. Não. Ela mostra diversas perspectivas de todos os lugares. Às vezes não é bom nem ruim, é só como é. E por que diabos é assim?
Americanah me ensinou a rever o mundo que eu vivo; Também me ensinou a ser mais quem eu sou - é uma história que questiona vários princípios de comportamento na jornada de empoderamento da protagonista, eu realmente indico para todo mundo; E, de quebra, ainda me ensinou a repensar como é escrever uma literatura que fortalece a cultura do próprio país. Tudo o que a Chimamanda precisou foi de um livro para dar vida à Nigéria no meu mapa do mundo.
Aliás, é por isso que eu inclui a Chimamanda Ngozi Adichie como leitura bônus no nosso Volta ao Mundo em 12 Livros. Se tivéssemos mais autores como ela de países pelo mundo... nós perceberíamos que somos muito mais parecidos do que pensamos.
Boa leitura.
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6 comentários
Eu acho esse livro um verdadeiro e bem vindo soco no estômago. Porque o enredo amoroso de Ifemelu e Obinze acabam em segundo plano (tá, pra mim acabaram lá no final da fila). São tantas as críticas, são tantas nuances de racismo e preconceito, de pessoas reais com problemas reais, de situações de opressão... A cena do começo, de Ifemelu indo trançar os cabelos foi um grande choque pra mim, que nunca fiz isso e nunca tinha lido nada do gênero.
ResponderExcluirTambém não é um livro fácil. Os reacinha dariam gritinhos de ódio com as cenas de descrição óbvia de opressão e racismo, dizendo que aquilo "é exagero". Senti que muito da própria Chimamanda está nas falas de Ifemelu e acho que isso é o que mais me fez amar Americanah.
Concordo. Na verdade, acho que é só uma base pra fazer as críticas em termos narrativos e dando exemplo, porque a história acontece mesmo é nessas críticas. O cabelo também foi muito forte pra mim. E outro dia mesmo eu tava pensando naquela parte sobre o cabelo dela no emprego, que se ela usasse o cabelo normal é considerado "estilo" ou como se ela tivesse fazendo uma "declaração" política. A pessoa "não pode" nem ir com cabelo normal pra o trabalho? e todo mundo vive como se fosse ok e reclamar exagero?
ExcluirEu li Americanah ano passado e ainda tenho saudades, não só do livro, mas de como eu me senti enquanto lia. E depois que terminei, fui pesquisar sobre a vida da Chimamanda e você percebe que ela provavelmente passou por muitas daquelas situações que são descritas no livro. É tão pessoal e universal ao mesmo tempo, sabe?
ExcluirE depois fui ler o livro de contos dela, The Thing Around Your Neck, e é tão maravilhoso que todo mundo deveria ler. Praticamente todos os contos são um soco no estômago, e tratam de sororidade, empoderamento, liberdade de uma forma tão natural e mostra que é tudo tão complexo. E tem pelo menos um conto que eu tenho certeza que ela passou por aquilo, porque é tão ridiculamente comum e ao mesmo tempo nojento.
Enfim, só queria comentar isso com alguém rs
Esse é o seu lugar de comentar as coisas com alguém <3 Muito obrigada por dizer isso! Concordo totalmente com isso sobre o livro. Os contos eu não li (não tinha dado nem atenção, na verdade. e ver você falando me fez repensar), mas li o texto dela sobre feminismo, vale muito a pena também. A Cia colocou um ebook de graça pra quem quiser em qualquer site.
ExcluirAh! E uma coisa, recentemente eu li Alif, o Invisível, que é bem diferente de Americanah, mas de algum modo esse lado ~pessoal e universal~ também reflete. Tipo, eu senti algo parecido lendo os dois livros, que eu ainda não sei descrever. Então quando você disse isso pensei no livro.
Obrigada por vir auqi comentar, Anônimo <3
Nossa, to louca pra ler Alif haha
ExcluirAno passado eu tava lendo bem pouco, e não só por causa da faculdade (era meio que uma desculpa), mas depois que eu li Americanah eu percebi que tava enjoada de ler sempre as mesmas histórias, sabe? Aí agora eu to tentando ler coisas de outros países e mais literatura brasileira.
Mas, Dana, leia The Thing Around Your Neck assim que puder, porque eu acho que você vai ter mil coisas pra escrever sobre cada conto haha
Obrigada por existir e criar o CC <3
!!!!! comente como pessoa!!! HUAHUAH eu gosto de conhecer quem comentar ._. FIQUEI SURPRESA QUE VOCÊ SABE ATÉ QU EEU CRIEI O CC (ou eu falo nesse post? não lembro) eu não posso falar nada sobre ler mesmas histórias, porque isso é absolutamente o que eu tenho lido. mas também sou curiosa pra ler coisas de outros países. uma curiosidade que eu percebi: mesmo quando fizemos o vam12l, acabaram sendo escolhido 12 livros que na maioria continuam presos aos EUA. até mesmo americanah e alif, são presos aos EUA e escrito por gente que tenha uma relação com esse país. parece muito difícil sair desse círculo :(
ExcluirObrigada por esse comentário. Ele me deixou muito feliz <3