But it wouldn't be nothing, nothing without a woman or a girl.
Uma análise das mulheres em Suits e de como uma série sobre homens, para homens, escrita e criada por um homem, consegue representar (melhor que muita coisa por aí) a relação das mulheres na força de trabalho.
- Eduardo, sua mamãe não te ensinou que é feio julgar um livro pela sua capa?
- Sim, então vamos dar uma olhada na abertura da série.
- Tá, a música é ótima e a abertura muito boa, mas, mais uma vez: dois homens, nenhuma mulher.
- Estou perdidx, onde você quer chegar?
Suits conta a história de Harvey Specter, um advogado de sucesso extremamente egocêntrico e seu associado Mike Ross. Dois homens brancos, héteros, atraentes (?).
O plot gira em torno de Mike nunca ter estudado Advocacia e, mesmo assim, conseguir (genialmente) convencer Harvey a contratá-lo como associado para a empresa que trabalha. E a grande questão é Mike conseguir continuar trabalhando sem que ninguém descubra seu segredo. Principalmente, o antagonista da série: Louis. Outro homem.
Realmente, um “mundo de homens”. Mas não é isso que Suits é. Não, porque existem Jessica, Donna e Rachel para provarem o contrário. Personagens que são tão bem desenvolvidas, interessantes e importantes para a trama quanto os homens. E é isso que me faz continuar vendo a série e me interessando cada vez mais por ela.
É claro que a série não é A Senhora Feminista, mas é algo que a torna notável. E mais notável ainda é o modo como o criador consegue passar a realidade da mulher num meio que, até pouco tempo atrás, nem em sonhos aceitaria uma mulher no comando de uma grande empresa.
As três mulheres (Jessica, Rachel e Donna) representam três diferentes imagens do que é ser mulher numa das mais conceituadas firmas de advocacia de Manhattan, a Pearson-Hardman.
Ei, coisinha. A partir daqui esse post contêm SPOILERS. Nada que vá estragar sua experiência se decidir ver a série, mas mesmo assim continuam sendo detalhes relevantes (ou não) à história.
Jessica Pearson
Reparou no sobrenome dela? É o mesmo que dá nome a empresa. Sim, ela é a co-fundadora da empresa e a chefona de tudo.
Rachel Zane
Onisciente, Onipresente, Onipotente. Essa mulher é Deus e ninguém percebeu isso antes!
O outro lado da moeda: Daniel Hardman (outro homem), odiado por todos, foi derrubado por Jessica da liderança da empresa.
A cena mais memorável, e uma das primeiras cenas que me fez abrir os olhos para o que estava acontecendo na série em questão de girl power, foi quando Jessica vira para um dos seus antigos chefes (quando ela ainda era uma assistente na empresa) e diz que sabia porque ela havia sido contratada.
Algum tempo depois de entrar para a empresa, foi mostrada à ela uma lista com os contratados e, ao lado do nome dela, havia um gigantesco asterisco. Um asterisco que mostrava que ela somente havia sido contratada porque era negra. Um asterisco chamado “diversidade”. Afinal, uma empresa de “brancos” precisa de um pouco de diversidade para ficar bem vista.
E foi nessa cena, em seu diálogo, que eu percebi o que o autor queria mostrar ali: Uma mulher que havia sido completamente subestimada e que tinha passado por cima de todo obstáculo, derrubando todo mundo acima dela e conseguindo o controle da empresa para, então, criar a Pearson-Hardman.
Jessica conheceu Harvey quando ele era somente o garoto-do-correio e viu potencial no rapaz a ponto de custear todos os seus estudos na Harvard e ser sua mentora até ele se tornar o sócio sênior da empresa. Ela ensinou tudo que O protagonista principal da série sabe. E isso é uma coisa que não se vê por aí. Uma mulher se tornando mentora de um homem com quem ela não tem nenhuma relação familiar? Quase que utopia.
Negra, mulher, nos seus 40 anos, co-fundadora e sócia gerente da empresa. Só uma palavra: INCRÍVEL!
Rachel Zane
Filha de um advogado de sucesso, Rachel é uma paralegal que não quer nada com o dinheiro do pai. Ela quer ser autossuficiente e, para isso, trabalha na empresa com sonhos de um dia ainda se tornar uma advogada.
Donna Paulsen
Ela trabalha como paralegal (uma pessoa que sabe tudo de lei, só que não pode praticar, então ajuda outros advogados) porque nunca conseguiu passar na prova para ser advogada. A melhor forma de explicar isso é que lá nos EUA você precisa ter um diploma de bacharel em qualquer área antes de começar a estudar na faculdade de direito. E, para isso, precisa passar por uma prova (quase uma OAB, só que antes). A prova é tipo um ENEM, só que de Leis. Os LSATS. O problema é que Rachel sabe de tudo sobre leis, mas não se dá bem em provas, então nunca conseguiu passar.
Ela sempre foi uma pessoa valiosa para a empresa, mas é só quando ela é demitida injustamente que você começa a perceber seu poder de persuasão e que, por mais que esteja numa posição muito abaixo de Jessica, por exemplo, consegue também trilhar seu caminho para cima.
Rachel não quer ter seus caminhos abertos só porque é filha do pai, e ela bate com a cara em alguns muros e falha. O que é mais interessante do que ver ela conseguindo o que quer somente por seu sobrenome. Ela é uma mulher trabalhando num mundo de homens, tentando ser como o pai e não obtendo sucesso (ainda não), o que só torna a história melhor ainda.
Donna Paulsen
Onisciente, Onipresente, Onipotente. Essa mulher é Deus e ninguém percebeu isso antes!
Donna não é nada como a típica secretária. Ela é a secretária dos sonhos de qualquer um.
Secretária pessoal de Harvey que o acompanha desde seu tempo trabalhando como Procurador, Donna é, acima de tudo, leal. Ela é inteligente, sagaz, engenhosa e o tipo de pessoa que poderia muito bem ser uma Jessica Pearson, mas é secretária. E ela faz isso porque gosta e porque é tão leal e devota à Harvey quanto ele é à ela.
Eles têm uma relação platônica e, por mais que a série mostre sinais que isso possa deixar de ser platônico, isso não acontece (ou ainda não aconteceu). O que é raro, já que numa posição dessas em qualquer série, filme ou novela, a secretária, geralmente, é a amante ou a parceira sexual.
Eu li um post esses dias que dava mérito à genialidade da personagem e sua influência por ela estar sempre fora do radar, por ser apenas uma secretária, quase como mobília. O que a coloca em posição de poder, porque ela usa isso como sua vantagem. E a coisa toda de Onisciente/presente/potente que mencionei acima não é exagero.
Donna <3 |
Donna sabe de tudo, ouve de tudo, vê tudo e está sempre no lugar onde as coisas acontecem. E quando ela, ou Harvey, precisa de algo, consegue muito bem mover alguns pauzinhos para conseguir. Ela é quase que uma metade necessária dele. Sem ela, a vida dele seria muito mais difícil.
Como eu disse, ela é genial e está ciente de todas as limitações do que ela representa na empresa. Mesmo assim, sabe usar essas limitações em seu benefício.
Três mulheres fortes, de personalidades fortes, trabalhando num mesmo lugar. Além disso tudo: amigas. Quem pensaria que algo assim pudesse acontecer?
Eu comecei a assistir Suits porque era legal e me fazia querer ver um episódio atrás do outro, mas quando eu comecei a perceber todos esses detalhes, eu passei a ver a série de forma diferente. E por mais que seja um feminismo utópico (porque a gente sabe que ainda tá muito longe de ver mulheres detentoras de tanto poder assim), pelo menos eles estão fazendo algo diferente. E eu não conheço nenhuma outra série que consiga fazer isso tão bem.
E para você, que ainda acha que as mulheres não estão sendo tão bem representadas na TV: talvez esteja procurando por isso no lugar errado.
-eduardo ferreira
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1 comentários
Discordo um pouco da tua análise sobre representatividade e sobre feminismo utópico. Eu comecei assistir com muito medo, mas dei uma chance. Assisti em dois dias até o finalzinho da segunda temporada. Tava muito feliz com Jessica, Rachel e Donna, apesar de achar que a Jessica tava indo pra um caminho que eu não tava gostando. Até que: [SPOILER ALERT, SEASON 2] apareceu aquela moça, Katrina. O Louis fez um inferno da vida dela. O Louis faz um inferno a vida de todas as mulheres que aparecem nesse seriado, na verdade. Bem, e quando ela o confronta, ela diz que ele fez tudo isso porque ela era mulher. A desculpa dele? Típico gaslighting: "Eu amo mulheres, amo minha mãe, amo minha avó, amo a Gwen Stefani." GENTE??????. E bem, coincidentemente, no mesmo episódio, o caso é sobre discriminação de gênero. Só que não é big deal pra ninguém, é um caso como qualquer outro no plot. E acaba virando uma batalha Jessica x Daniel. O seriado tem MILHÕES de oportunidades para empoderar melhor essas mulheres e também trazer a atenção pra essas problemáticas. Mas simplesmente não o faz. Não adianta ter Jessica, Rachel e Donna se a série não busca outras formas de explorar o assunto. Não acho que a representatividade é sobre a simples presença dessas mulheres. Você tem que desenvolvê-las bem mais, acho que, até agora, Suits tá mto longe disso, por isso acho que não tem feminismo at all, principalmente feminismo utópico. E isso me deixa muito triste. Parei de ver nesse justo episódio, mas acho que vou dar mais chances, acabei ficando apegada :(
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