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Não há vitória: A mensagem por trás de Jogos Vorazes (parte 2)

29.11.14Dana Martins

Antes em "Não há vitória": Nós vimos que a coluna de Jogos Vorazes está relacionada ao efeito da "guerra" nas pessoas. O efeito de sustentar o pensamento de que a vida de uns pode ser sacrificada pela de muitos.



Nessa segunda parte eu vou trazer na íntegra o discurso do roteirista Charlie Kaufman que serviu de inspiração para a primeira parte. O objetivo? Analisar outros detalhes para ver o que essa descrição da nossa sociedade revela sobre Jogos Vorazes - e vice-versa. 

"Pessoas ao redor do mundo passam incontáveis horas de suas vidas toda semana sendo alimentadas com entretenimento em forma de filmes, séries, jornais, vídeos do Youtube e a Internet. E é ridículo acreditar que essas coisas não alterem nossos cérebros.
É também igualmente ridículo acreditar que - no mínimo - essa distração e manipulação de massa não é conveniente para as pessoas que estão no comando. As pessoas estão famintas. Elas podem não saber isso porque estão sendo alimentadas com lixo produzido em massa. A embalagem é colorida e chama atenção, mas é produzida nas mesmas indústrias que fazem Pop Tarts e iPads, por pessoas sentadas pensando, "O que nós podemos fazer para as pessoas comprarem mais disso?"
E eles são muito bons no que fazem. Mas é isso que você está ganhando, porque é isso que eles estão fazendo. Eles estão vendendo algo. E o mundo é construído em cima disso agora. Política e o governo são construídos em cima disso, corporações são construídas em cima disso. Relações interpessoais são construídas em cima disso. E nós estamos famintos, todos nós, e estamos nos matando uns os outros, e odiando uns os outros, e chamando uns os outros de mentirosos e malignos porque tudo é marketing e nós queremos vencer porque nós estamos solitários e vazios e aterrorizados e nós somos levados a acreditar que vencer faz tudo isso mudar. Mas não há vitória."


Os dois primeiros parágrafos resumem a ideia do reality show Jogos Vorazes, que é a mistura disso ao extremo. Se tá um pouco difícil a relação, lembre que em Panem não temos exatamente um sistema capitalista, então a dominação não é feita através de vendas. 

Já o trecho marcado é... simplesmente perfeição.



E me lembra de Jogos Vorazes por um motivo a mais, além do citado no primeiro texto: Ele mostra como estamos vivendo nessa bola de neve de competição e desconfiança enquanto, na verdade, ninguém ganha. Minha nossa senhora - "nós somos levados a acreditar que vencer faz tudo isso mudar". Essa é uma frase de impacto tanto na vida quanto no livro. Os vencedores do reality show pensam que vão resolver os problemas da vida pra sempre, enquanto só começa uma nova série de problemas. E nós, ou pelo menos eu, gostamos de ter a imagem idealizada de que vai chegar um ponto em que vamos conquistar o que queremos e vai ser tudo mais fácil. Tipo, chegar no topo da carreira. Lançar um livro. Abrir o próprio consultório. Sei lá o que você quer. E é só o início de uma nova série de problemas. 

Esse trecho me lembra que enquanto estamos aqui caindo na porrada pra ver quem vai colocar a cabeça pra fora da água, estamos todos sufocados. E que não há vitória. E que talvez seja a hora de lembrar do aqui e agora, das pessoas ao nosso redor. Isso é Jogos Vorazes. 

É isso que a Katniss muda quando decide fazer uma parceria de verdade com a Rue. 

Só agora eu relacionei o momento de Em Chamas (primeiro gif) com isso em Jogos Vorazes...
Pode ter certeza de que tem algum paralelo em A Esperança. 

Aliás, isso é o que a Katniss faz constantemente. Até no final, a diferença entre ela e a Coin é que ela percebe é que as pessoas da Capital não são as inimigas. Criarem um novo Jogos Vorazes seria apenas continuar a criar inimigos. Então ela se revoltar contra a Coin é novamente a Katniss mudando o jogo e fazendo uma "parceria" com as pessoas da Capital. Remember who the real enemy is. 

O discurso do Charlie Kaufman eu encontrei dentro de outro texto, Letter To The Millennials, onde o autor diz em seguida:

"Eu acho que Charlie está certo. As pessoas estão famintas, então nós damos a eles pão e circo.
Mas eu acho que Charlie está errado quando ele diz 'não há vencedor'. Na verdade eu acho que nós estamos realmente em uma sociedade de "o vencedor leva tudo". Olhe os charts digitais da música pop. 80% das músicas ouvidas são 1% do conteúdo. Isso significa que Jay-Z e Beyoncé são bilionários, mas um música na média mal pode se sustentar. O primeiro álbum do Bob Dylan venceu apenas 4.000 mil cópias. Hoje em dia, ele teria sido abandonado pela sua gravadora antes de criar seus maiores trabalhos."

Acho que a relação entre pão e circo e Jogos Vorazes é tão óbvia que não precisa nem de comentários, mas caso você não saiba tem explicado também no texto sobre a origem dos livros. E eu preciso citar que o nome é "Jogos Vorazes" e estamos falando de pessoas famintas. 

Mas o que eu queria nesse momento é falar da segunda parte. Eu não concordo exatamente com a perspectiva negativa dele sobre essa estrutura atual, mas o principal é verdade. Uma parte enorme cria e uma parte mínima recebe. 12 distritos, 1 capital. E eu não acho que isso discorde da lógica de que não há vencedor, acredito que as duas ideias existam ao mesmo tempo - na realidade e no livro. Não há vitória. Mesmo que Beyonce e Jay-Z consigam isso, a preço do que? Preciso citar todos os problemas de artistas/pessoas ricas conhecidos publicamente? Aliás, a morte por depressão do Robin Williams é um grande exemplo. E é claro que alguns ficam bem - estamos aqui pra isso! Mas é verdade também que muitas pessoas "vencem" na vida de outras formas. Não é esse tipo de vencer que está em jogo aqui, e por isso: Sim, há vencedores. Mas não há vitória. 


Os comentários do autor sobre o trecho acima enquanto refletem a nossa sociedade apenas reafirmam as comparações que eu já fiz com Jogos Vorazes. E eu acho isso incrível, porque eu realmente consigo traçar diversos paralelos entre a nossa sociedade e os livros da Suzanne Collins, mas também porque isso mostra o tamanho do preconceito literário e que todo mundo não tem capacidade de ler. Se as pessoas lessem Jogos Vorazes com a mesma seriedade que estão lendo "livros sérios", elas encontrariam tudo isso e muito mais. 

Mas não. É um livro de garotinha. E eu sou uma garotinha com muito orgulho.


-dana martins


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1 comentários

  1. AMEI< AMEI< AMEI
    Eu venho a ANOS tentando fazer as pessoas ao meu redor perceberem o quão incrível esse livro é. Como a mensagem por trás dele é profunda, e quantas mudanças haveriam se as pessoas notassem que é mais do que simples entretenimento. Por que MUITA gente lê só pelos filmes e acha que é só ficção, só mais uma estória.
    CONCORDO COM VC EM TUDO.
    Li uma resenha esses dias em que disseram que o livro estava cheio de clichês e que não valia de nada as escolhas da Katniss, por que no final ela perdeu o que mais valorizava e a razão de tudo isso. E eu pensei, ONDE ESSAS PESSOAS ESTÃO COM A CABEÇA?
    Essa garota mudou TUDO, e teve que aprender a viver com isso.
    Bejus
    (AMEI O SEU BLOG)

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