500 Dias Com Ela Begin Again

Por que as pessoas ficam cantando em musicais?

26.9.14ConversaCult

eu ter colocado essa imagem da Katie Stevens pode ter ou não a ver com a nova temporada de Faking It....

Lembro até hoje do que eu disse para minhas amigas depois de assistir Fantasma da Ópera (musical). "É até legal, mas eles cantam demais." Foi muito legal delas não me responderem: "É por isso que é chamado de musical, Dana." Porque é lógico, não é? Não. Nem um pouco, pra falar a verdade. 

Hoje eu vou falar sobre tipos de filmagens (formas de criar arte) e por que é difícil entender toda essa cantoria em musical. 


Antes de tudo, quero dizer que eu não sou muito fã de musicais. Assistir Noviça Rebelde no teatro foi uma experiência incrível, mas pra me fazer assistir outra vez teriam que me arrastar até lá a força. Fico enjoada só de pensar em assistir coisas como O Fantasma da Ópera. Mas eu não gostar não impede que eu aprecie e me surpreenda (e nem que musicais sejam só isso...). Ou seja, esse post não tem nada a ver com gosto pessoal ou ser bom ou ruim. Queime essa parte do seu cérebro, por favor. Vamos conhecer um outro lado. 

Tudo começou com uma conversa com o André na newsletter sobre musicais onde ele me disse que não gostava. E eu, pessoinha do contra que eu sou, tive que questionar procurando lados positivos. Obrigada, André, por fazer meu cérebro explodir. 

Foi um tapa na cara: Dana, filmes são ficção. Filmes são arte.


E é isso, descobri que filme é arte, e é por isso que as pessoas cantam em musical! Até a próxima, galera! Tá, não.  

Parece lógico pensar isso, mas nós estamos muito presos aos filmes tradicionais de Hollywood que querem te fazer esquecer que aquilo é uma criação. Com isso, qualquer coisa que nos lembre que o que estamos assistindo não é a realidade, nós rejeitamos - o "surrealismo" de Sucker Punch, a montagem de Lucy, a câmera tremida de Jogos Vorazes. O preto e branco de O Doador de Memórias só deve ser aceito porque não é um "recurso de filmagem", é como eles realmente enxergam naquele mundo. Está conseguindo perceber a diferença?

Se eu colocar alienígenas ou gente cantando ou imagem granulada e isso parecer real no contexto da história, algo que nós aceitamos como "possível", nós deixamos passar. Está tudo bem. É a filmagem tradicional de Hollywood. Por exemplo, a imagem granulada é porque estamos vendo as imagens da câmera de um personagem. 

Se eu colocar alienígenas ou gente cantando ou imagem granulada de um modo que não faz sentido no mundo nem na nossa realidade, mesmo que até expresse melhor a mensagem, nós já achamos estranho. Parece que tá errado. Isso é um tipo de filmagem mais alternativa. Por exemplo, eu usar a imagem granulada pra dar um tom mais depressivo no momento. 

o que aconteceu com a tela??!!!!!

Eu não to descobrindo o graal aqui, isso é algo que eles ensinam em aulas sobre cinema, há diversos estilos, épocas e chega até a variar de país para país. Não há exatamente uma regra e uma divisão clara. Não é "filme de Hollywood" vs. "filme alternativo" - cada um mistura isso como quiser.

A questão aqui é que existe uma predominância desse estilo tradicional, enquanto nós acabamos rejeitando as variações. O resultado?

O resultado é que nós esquecemos que filmes podem ser arte. Filmes não passam de um tipo de arte feita com imagem e movimento e música e edição. Assim como eu posso usar palavras para contar uma história, eu posso usar essas coisas que compõem um filme. Isso significa que eu tenho a liberdade de usar todos os recursos para contar a minha história (ou passar a minha mensagem, emoção, sentimento. sei lá o que eu quero transmitir).


Por exemplo, na introdução do filme Lucy (veja a resenha aqui) eles querem enfatizar a ideia de que a personagem é como uma presa diante do predador (e de que, no fim das contas, seres humanos são animais), então eles intercalam a cena dela sendo levada a entregar uma maleta com imagens de um tigre comendo uma gazela. Quando você faz essa combinação, o sentido do que nós vemos muda. Aliás, ele está mais do que te mostrando uma cena da realidade, ele está te explicando o que quer dizer com ela. 

Sucker Punch é um filme que eu acho que nem o Zack Snyder sabe explicar a história no mundo real. Mas isso importa? É uma história sobre um grupo de garotas presas que para escapar dessa realidade criam mundos imaginários. Não, calma. Elas não escapam - elas encaram a realidade. E desse modo nós as observamos em diversos cenários estilosos lutando seja contra samurais gigantes ou soldados zumbis. A mensagem principal é essa. Empoderamento. Lutar contra uma realidade opressora. Talvez até um questionamento: você vai conseguir lutar contra ou vai fugir dessa realidade? Só que se a gente analisar friamente como se fosse a realidade... não faz sentido! (e tudo isso é jogado na privada)

Em Jogos Vorazes (análise de Em Chamas com mais sobre isso) temos a câmera tremida, que é um recurso tímido até. Em vez de usar a famosa narração como Divergente ou O Doador de Memórias (olha aí outro recurso), eles tentam mostrar a subjetividade da Katniss que narra o livro através de uma câmera mais pessoal. Compare só Em Chamas, onde eles caminham mais para uma filmagem tradicional, com Jogos Vorazes. O primeiro filme já começa sobrepondo a cena de uma entrevista sobre os Jogos Vorazes com o grito da Prim pra dar mais sentido. (e é uma combinação que resume a trilogia inteira...)

Pra fazer uma comparação, em um filme normal você passa de uma cena para a outra sem perceber, sem pensar no que as duas têm em comum e sem ter nenhum sentido extra por isso.

Na literatura também tem...
E pra abrir um pouco mais a mente: o mesmo acontece em outras formas de expressão artística, tipo nos livros. No livro, "Jogos Vorazes" tem uma narração mais clássica, da personagem contando tudo como se fosse sobre a própria vida. Mas nós temos livros como "Cadê Você Bernadette?" onde a história é toda contada através de uma compilação de emails e mensagens. Esse já é até mais comum, em "Garotas de Vidro" a autora vai mais longe e viaja com as palavras pra expressar como a personagem se sente. Um autor que brinca bastante com os recursos é o Markus Zusak, ele faz poemas, usa sonhos no meio da história ou quebra o texto. "Os 13 Porquês" é um exemplo de um que usa um recurso - a maior parte da história é contada pelas fitas que a menina deixa - e ao mesmo tempo é uma narração clássica. 


Calma aí, a gente não tava falando de musicais?

É no meio disso tudo que surgem os musicais. Os musicais são um estilo alternativo de contar as histórias que a gente sempre falha em entender, porque espera que eles sejam como filmes tradicionais. NÃO FAZ SENTIDO ALGUÉM SAIR CANTANDO NO MEIO DO NADA. Agora deixa eu usar de exemplo Frozen, que todo mundo viu. Quando a personagem sai cantando Let It Go, não quer dizer que a Elsa seja uma cantora que gosta de sair cantando no meio do gelo ou que seja um retrato real de alguém que se isolou na neve pra cantar sobre a liberdade. A música ali é um recurso extremamente simples e eficiente para enfatizar aquele momento para a personagem: ela está deixando tudo pra trás, ela está se libertando. É isso que está acontecendo com ela e essa parte da história nós conhecemos através da música. Mais ainda, nós sentimos também. Música é uma forma de transmitir emoções muito simples (escute Shake It Off da Taylor Swift e depois Young And Beautiful da Lana Del Rey, você sente diferente) e usar isso como um recurso narrativo para atingir o expectador é genial. 

Aliás, mudei de ideia. Aqui as duas músicas, aperte play em uma e depois na outra: 



Você sente diferente. E por eu ter escolhido colocar os vídeos aqui como uma forma de experimentar o que eu to dizendo, em vez de só citar, sou eu escolhendo dois recursos diferentes para passar a mesma mensagem. O que é melhor depende do que eu quero expressar. Tá acompanhando? Em um post, em um livro ou em um filme, existem formas diferentes de transmitir o que eu quero. 

Esse texto aqui esbarra com o que eu escrevi sobre "capacidade de ler". Se você não gosta de musical, chances são de que você não sabe assistir um musical. E eu não to dizendo isso nem como algo negativo, sabe? Tipo "seu burro, sem capacidade!!" Pelo contrário, eu só to mostrando que há formas diferente de criar e interagir com o conteúdo e se a gente não percebe isso, a gente perde a capacidade de entender. É como ler Harry Potter e dizer que tudo é errado porque não faz sentido uma moto voar. Parece engraçado, mas algumas pessoas realmente acham que Harry Potter é coisa do diabo porque não conseguem ver a história pelo que ela é. Não sei, talvez pensem que livros são manuais, não entendem o conceito de ficção. Do mesmo modo que é difícil pra gente que cresce acompanhando o estilo tradicional enxergar um musical pelo que ele é.

Às vezes a gente precisa lembrar que é arte e se abrir para a história.

Um filme ótimo que brinca com recursos narrativos é 500 Dias com Ela. Tem, inclusive, uma parte ótima. Depois que o protagonista consegue fazer sexo com a garota, ele sai e o dia tá lindo, começa a dançar, todo mundo dança junto. Aqui:


Você acha realmente que a pessoa saiu assim e fez tudo isso? Que isso é um retrato da realidade? Mas a verdade é - quando você se sente feliz, ou apaixonado, é assim que você se sente. Você quer sair dançando, de repente o mundo parece um lugar melhor, você repara em coisas idiotas tipo a beleza de um chafariz e sente que pode fazer tudo. Essa cena não é real, mas usa os recursos de um filme para transmitir um sentimento real, que um filme tradicional talvez não expressasse de forma tão contagiante. 

Contagiante. Essa é a palavra. Parte do significado de arte é tirar algo que uma pessoa sente e fazer outra pessoa sentir também. Arte é a nossa telepatia? E toda a cantoria nos musicais é uma forma de fazer isso, se você se deixar levar.

No trailer de Mesmo Se Nada Der Certo, por exemplo. (Não precisa assistir tudo, são uns instrumentos a partir de 1:06)


Várias pessoas (inclusive eu) viram esse trailer e na hora do piano tocando sozinho pensaram "COMO ASSIM?" Mas se você se prender a isso, você vai perder toda a recompensa da arte: Usar um recurso simples para poder ver, junto com o personagem, o que ele está enxergando ali e mais ninguém vê. 

Filmes são ficção. Musicais são uma forma de arte. Foi legal lembrar que eles não têm a obrigação de mostrar a realidade ao pé da letra. Ironicamente, eles estão é usando a imaginação para representar uma realidade mais difícil de enxergar. 

-dana martins






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