Recentemente coloquei em prática uma difícil tarefa: o desapego. Devagar, gaveta por gaveta, caixa por caixa, prateleira por prateleira, fui selecionando aquilo que já não usava mais e colocando de lado. Era hora de colocar o passado no lugar dele. Era hora de abrir espaço para o novo, para o futuro.
Comecei minha lição de desapego pelo que achei que iria ser mais fácil: minha cômoda. Como fui tola. Apesar da cômoda ter apenas três gavetas grandes e duas pequenas, foi necessário quase um dia inteiro para selecionar o que ficaria do que não. A seleção foi difícil, não porque tudo estava com a etiqueta de novo, mas, sim, porque muita coisa dentro daquelas gavetas tinha valor sentimental.
Como me desfazer daquela blusa dada por um ex-namorado que marcou profundamente meu coração? Ou daquela calça dada por uma amiga querida que não vejo há muito, muito tempo e que provavelmente não verei mais?
Cada pedaço de pano contido naquelas gavetas contava uma história. Eram declarações de carinho (apesar de algumas declarações colocarem em xeque o bom gosto de quem deu). Naquele momento me toquei que minha lição de desapego seria mais complicada do que achei inicialmente. Naquele momento tive medo. Medo de que, ao descartar aqueles objetos, também estivesse me desfazendo da minha história com aquelas pessoas.
Foi difícil, porém segui adiante. Mas antes um último abraço naquela camiseta que foi o primeiro presente de um grande amor. Um último cheiro naquela saia (que nunca foi usada) dada por uma amiga mais que especial. Cada objeto contido naquelas gavetas são uma prova que, ao longo da minha vida, encontrei pessoas incríveis que me marcaram muito (algumas para o bem, outras para o mal).
Depois de fechar a última gaveta, passei para minhas caixinhas e tive algumas surpresas. A primeira delas é: como tenho tralhas! A segunda foi que o sentimento de saudosismo deu lugar ao do arrependimento. Esse sentimento com sabor de fel pelos meus atos passados trouxeram a culpa e a vergonha. Ver aquele colar antes tão lindo com o fio rompido foi um tapa na cara por ter sido leviana com o coração de alguém que só desejava o meu bem (fiz questão de restaurar o colar na fé que também, de alguma forma, consiga restaurar essa amizade que tanto me faz falta).
Mas nem só arrependimento existia dentro daquelas caixas. Havia também diversão. Como não sorrir lembrando que um beijo regado à tequila resultou em um pingente em forma de estrela, ou como aquele colar em forma de trevo de quatro folhas me trouxe muito mais do que sorte: o primeiro namorado? São tantas histórias, lembranças, que muitas vezes me peguei sorrindo e chorando ao mesmo tempo (eu sei, clichê dos clichês).
O último recanto de objetos foi o mais complicado de todos. Num canto escuro da última gaveta, lá se encontrava uma caixa prateada que contém cartas, bilhetes e cartões. Foi impossível me desfazer do que tinha lá, mesmo que tais papeis sempre tragam à tona sentimentos tempestivos e contraditórios. Será que aquele “eu te amo” foi real? Será que aquela “saudades” era sincera? Ou aquele “agradecimento” era honesto? Naquele momento, me peguei questionando o passado e recebi como resposta o vazio. Um vazio tão cheio de significados que nem consigo descrever.
Depois de empacotar toda a tralha percebi que aprendi com minha lição de desapego que objetos são mais que apenas objetos: são marcadores da passagem do tempo mais fieis que o tic-tac do relógio.
- elilyan andrade
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1 comentários
Que post lindo e reflexivo!
ResponderExcluirEu não consigo me desfazer. Desde pequeno tenho diversos diários, e cada um marca minha história. E em cada diário, colo bilhetes, ingressos de cinema e tudo quanto é coisa que consiga pregar nas páginas que me lembram pessoas especiais e datas também especiais. Um simples pedaço de papel vira lembranças, e que me obrigam a concordar com sua última frase em negrito.
Parabéns pelo texto, e de algum modo, obrigado.