Eu publiquei aqui duas traduções que questionam a forma como as Mulheres Fortes são retratadas nos filmes. O primeiro deles fala sobre a Síndrome Trinity - a Mulher Forte que é incrível na apresentação, mas não chega a fazer nada de importante na história e seu papel se resume a incentivar o protagonista homem. A motivação do texto foi o filme Como Treinar Seu Dragão 2 e levou a indignação, principalmente por usar de exemplo personagens adoradas como a Mako Mori de Pacific Rim. Um dos resultados disso foi o segundo texto, uma análise de Como Treinar o Seu Dragão 2 mostrando como o filme subverte tropes mais sérios e como retrata bem as mulheres.
Por mais que os textos discordem, eu não vejo motivo para escolher um lado, porque os dois estão certos e levantam questões importantes sobre a representatividade em filmes e a cultura atualmente. Então eu decidi terminar a trilogia com o meu texto, porque eu posso.
O primeiro texto mostra a Síndrome Trinity e dá ênfase na importância da gente começar a rever a forma que usamos essas mulheres fortes, que estão virando só um Mulheres Fortes™, para dizer que está sendo feminista e tal, enquanto na verdade essas personagens mesmo chutando bundas e usando cabelo curtinho, estão ali só para apoiar o grande herói homem, que é o mesmo que a mocinha vítima sempre fez. E ela está certa. Se você pensar esse termo está tão rodado que tem até propaganda de desodorante usando.
Então por mais que o texto ignore outros detalhes, ele é um alerta importante. Tem até um teste no final para ver se a personagem tem mesmo alguma relevância.
Já o segundo texto mostra que existem mais coisas em jogo do que uma análise puramente da perspectiva da mulher. Quer dizer, uma Mulher Forte de Como Treinar o Seu Dragão 2 nunca poderia ser definitivamente uma Mulher Forte™, porque a Mulher Forte é a versão feminina do herói machão que não tem medo de cair na porrada e: 1) O filme é uma subversão dessa cultura do herói machão; e 2) O filme faz sua marca como uma história pacifista, eles estão mostrando que uma cultura de aceitação entre os diferentes e diplomacia é melhor do que uma cultura de guerra. Então é difícil você ter uma mulher que assume uma posição de "vou cair na porrada", como a Tris de Divergente.
Trecho do segundo texto |
E se você assistiu o filme ou leu o texto, você sabe que mesmo assim o filme tem guerra. Valka, a personagem "Mulher Forte" criticada, lidera dragões em uma guerra (de defesa) e não tem medo de enfrentar o vilão quando está enfurecida. E aparentemente a análise da Síndrome Trinity no filme esqueceu da Astrid e da Cabeçaquente. O filme tem três mulheres fortes. Diferentes entre si. Aliás, por mais que o protagonista Soluço e sua mamãe Valka sejam pacifistas, Astrid não é tanto assim. Ela enfrenta e vence os caçadores de dragões (o que Soluço não conseguiu com sua diplomacia). Fugindo da Síndrome Trinity, ela toma as próprias decisões e é responsável pelos eventos que levam a história ao clímax. Esse não é o filme da Astrid, não vamos nos enganar, mas dentro do filme temos ela envolvida na sua própria aventura Mario: correndo para salvar a princesa (no caso, o Soluço).
E então é aqui que nós vemos a separação entre os dois textos. O primeiro questiona: as mulheres podem ser incríveis, mas estão eternamente presas em uma trama que favorece o protagonista homem e precisam sair de cena para ele brilhar. Podemos dizer "Tudo bem, é por isso que ele é o protagonista. A história é dele."
Trecho do primeiro texto |
Só que isso pode ser feito sem a personagem precisar ser reduzida, sabe?
Confesso que eu tive que ler, traduzir e chegar até esse ponto para finalmente entender a diferença e o que o segundo texto falhou em ver. Quer dizer, talvez tenha visto (no início ela comenta isso, quando quer que a Astrid seja a nova líder), só que em Como Treinar Seu Dragão 2 realmente existe essa limitação das protagonistas.
Uma coisa que me marcou bastante foi no início quando Astrid encontra Soluço, que está lá vivendo sua crise de vida. Oh, se houvesse alguém que provasse que eu não sou tão desajustado. Então ele vira para Astrid e diz: "Você sempre soube quem você é!" Ao que Astrid fica em silêncio, sofrendo com a sua impotência por não saber como confortar o namorado.
Só que isso é verdade?
No primeiro filme, Astrid é a maior guerreira viking de sua geração. Ela não fica nem um pouco feliz quando vê um garotinho que não faz nada tomando seu lugar em um passe de mágica. Então ela vai atrás de Soluço, descobre a verdade e... é sequestrada em um passeio de dragão que na força a obriga ver que tudo o que ela acreditava estava errado. Astrid entra com ele na luta e conseguem fazer toda a sua vila viking também mudar de ideia. Yaaaaaaay!
E aí? Tudo bem? Agora ela é o que? Astrid cresceu acreditando em algo e um passeio de dragão muda tudo? Pode mudar, pra falar a verdade. Só que quando tudo acaba e eles voltam à vidinha pacata de Berk é isso mesmo? Nenhum conflito de "o que farei com a minha vida?", sua ambição é substituída pela felicidade de estar ao lado do melhor cavaleiro de dragão? E como é que ela possivelmente pode "saber quem é desde sempre" se o que é viking mudou?
ASTRID! A MELHOR! (até o Soluço chegar, é claro) |
No segundo filme, começamos com uma competição de dragões na vila que ela está louca para vencer e vence, enquanto Soluço está brincando de aviador porque que se dane uma festividadezinha de sua vila. Tudo bem, ele tem todo o direito de encontrar o próprio lugar. Até que... no final, retornamos a essa competição e dessa vez Soluço aprendeu a ver o valor disso. Então ele vai, ganha e todos super felizes. E Astrid? É claro que ela está feliz...
Um exemplo para dar uma ideia é o Kristoff em Frozen. Ele acaba tendo nenhuma utilidade prática no final, a não ser reforçar a escolha da Anna pelo amor verdadeiro, e ainda assim ele sobe na rena e corre até lá. Não precisou fazer nada porque ela fez sozinha, mas continuaria tentando fazer até conseguir. Enquanto nós mal vemos Astrid na batalha final.
Ainda acho importante o segundo texto, porque ele lembra de outro campo que Como Treinar o Seu Dragão 2 cobre, que é de retratar personagens mulheres que são definitivamente fortes e diferentes. Seja pela sensibilidade, inteligência, sexualidade ou capacidade de lutar. O primeiro texto conclui dizendo que, talvez, o único teste seja "A personagem é alguém que você queria ser?" e sabe de uma coisa? Eu gostaria de ser a Astrid.
Só que aí eu pegaria meu dragão e faria alguma coisa.
-dana martins
Textos da trilogia das Mulheres Fortes:
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1 comentários
parabéns pela tradução!! não conhecia esse complexo de trinity! e muito boa a sua conclusão!
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