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John Green é o Salvador do YA?

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John Green, John Green, John Green. Aposto que você já leu e ouviu muito esse nome nas últimas semanas e isso provavelmente se repetirá nas próximas. Hoje, 6 de junho, é a estreia mundial da adaptação do quarto e mais bem-sucedido romance do autor, “A Culpa é das Estrelas”, e só se fala nisso por aí. 

Aqui no ConversaCult a situação não será muito diferente, já que o escritor é o tema das sextas temáticas desse mês - dessa vez com foco em análises. Mas antes que você comece a correr procurando uma ilha deserta porque o tanto que leu “John Green” está comprometendo suas faculdades mentais, pare um pouquinho, respire e fique com a gente. Não vai ter bolo, mas vai ser muito legal. Hoje começamos analisando a representação do escritor na mídia.




"Vou ter que parar de ler os artigos que (corretamente) elogiam TFIOS, mas depois denigrem todos os outros sucessos YA. Infelizmente, são todos os artigos."

O tweet da escritora Ally Carter (“Escola de Espiãs”“Ladrões de Elite”) representa o que eu tenho sentido sobre o "boom" do John Green. Enquanto fico contente pela repercussão de “A Culpa é das Estrelas", choro internamente pela desvalorização de todos os outros livros Young Adult. A maioria dos artigos sobre o livro e o filme seguem a velha estratégia de inferiorizar os outros para supervalorizar ACEDE.

Para mim, o John Green é, sim, um ótimo escritor. Pode não ser o melhor que existe - e realmente não é - nem produzir romances com grandes ambições literárias, mas eu gosto. Independente das críticas negativas que o trabalho dele recebe, os livros são importantes para mim - eles me fazem sentir algo. Apesar disso, reconheço e aceito quando dizem que há outras pessoas escrevendo jovem adulto que são tão boas quanto ou até melhores que o John. 

Por isso, quando vejo pessoas citando o John Green como salvador do YA ou profeta, o que eu consigo pensar é: menos, por favor. O pior de tudo é o pensamento que rola por trás dessas afirmações. Mais do que uma crença de que livros para jovens são inferiores (ontem mesmo saiu um artigo falando que adultos deveriam se envergonhar por lerem YA) e que o John estaria ultrapassando esse "baixo padrão literário", há uma forte misoginia.




A maioria dos livros premiados e destacados pela grande mídia - a “alta literatura” - são escritos por homens. No entanto, antes do YA explodir, esse era um nicho majoritariamente feminino.* Os livros eram escritos por elas e, em sua maioria, lidos por meninas adolescentes. Quando a mídia descobriu o John Green (“Uau, tem um homem escrevendo para jovens também! Esse deve ser bom de verdade!”), fizeram questão de destacar seu trabalho sobre os demais. Tratam como se os romances do John fossem uma grande revolução no gênero, como se ele tivesse consertado tudo isso. E... não é bem assim.
*aproveito para recomendar um podcast sobre assunto, o We Can Cast It 

Os livros dele são como vários outros no mesmo estilo; não havia absolutamente nada de errado com o YA. Talvez, para os autores desses artigos, o que precisava ser consertado não eram os livros em si, mas quem os escrevia. Afinal, essa é a única coisa que esses discursos trazem: invisibilidade e diminuição do trabalho de diversas mulheres que se saíam bem dentro do gênero. A Maureen Johnson ("13 Little Blue Envelopes", entre outros) fala frequentemente sobre isso (e várias outras coisas interessantes) no Twitter e ontem mesmo discorreu sobre o assunto, vale uma lida.

É claro que o John Green não é culpado por nada disso. Ele mesmo não concorda com o título de salvador [veja aqui e aqui]. Citando a Maureen, ele é o ASSUNTO dos artigos e não pode CONTROLAR o conteúdo. O John apenas faz o trabalho dele, quem o trata dessa forma é a mídia e os que concordam com a ideia difundida (infelizmente, muitas pessoas).



"Sim, nós somos tratadas de forma diferente. Nós somos. E quanto mais as mulheres dominam qualquer esfera da escrita, mais essa esfera é diminuída. No entanto, a cura para isso é a maior consciência de que isso continua. Você pode ser tão feliz pelos livros de homens sem diminuir as mulher."

No geral, os autores homens recebem muito mais destaque e isso vem se estendendo aos livros YA. Eu mesmo não tenho contato com tantas escritoras de jovem adulto contemporâneo, o que é uma falha minha, mas posso indicar com segurança a Laurie Halse Anderson ("Garotas de Vidro"), a E. Lockhart  ("O histórico infame de Frankie Landau-Banks") e a Elizabeth Scott ("Menina morta-viva"). Do post de ontem, podemos destacar Sarah Dessen, Melina Marchetta, Jennifer E. Smith e Rainbow Rowell. Além, é claro, da Maureen Johnson. 

Essa situação me deixa ainda mais triste quando é reproduzida por fãs, na tentativa de valorizar o trabalho do ídolo. É recorrente a ideia de que algo só é bom de verdade se há outros inferiores, mas poderia não ser assim. Há espaço e leitores o suficiente para todos serem apreciados. Infelizmente, não é o que acontece. E a culpa, meu caro Bruto, é do nosso sexismo. 




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2 comentários

  1. Salvador de quê, gente, estavam precisando de salvação? :P

    Não tinha atentado para o fato dele ser homem e, talvez, por isso fazer sucesso. Será? O John Green se destaca pra mim por causa da escrita dele. Além de um bom contador de histórias, ele SABE escrever, tem aquela escrita diferenciada. Eu geralmente não curto as histórias, mas gosto de como ele escreve. Pra quem tem YA como gênero favorito, deve ser excelente.

    Mas, né, desnecessária essa coisa de ter que falar mal dos outros pra engrandecer um.

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  2. Particularmente não acho o livro "A Culpa é das Estrelas" inovador, somente voltado para adolescentes com um tema mais adulto, (estou citando esse livro pois foi o único do autor que li e me fez perder o interesse por outros, questão de gosto, claro). Mas acho que a propaganda em cima do livro foi tão grande e tão forte que fez lavagem cerebral nas pessoas, rs. É muito triste ver que existe preconceito contras as mulheres até no meio literário, mas, como o Felipe citou acima, eu também não tinha reparado que o sucesso dele estava de alguma forma ligado ao fato de ele ser homem. E as mulheres merecem seu espaço tanto quanto o sexo oposto!

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