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Recentemente descobri uma nova paixão nos livros: as histórias narradas por crianças.
Se você leu o aclamado “O menino do pijama listrado”, do John Boyne, sabe como a voz infantil tem a capacidade de tornar um romance ainda mais especial. Pelo menos entre os livros que eu tenho contato, essa não é uma forma de narração muito comum, então sempre que aparece é uma surpresa. Esse é o caso da estreia literária do mexicano Juan Pablo Villalobos, “Festa no covil”, um dos melhores livros que li recentemente e foco dessa análise.
Juan Pablo Villalobos |
Tochtli usa frequentemente as palavras “sórdido”, “nefasto”, “pulcro”, “patético” e “fulminante”, mas a que melhor descreve o pequeno narrador de “Festa no covil” é uma que ele não usa tanto: peculiar. Filho de um chefão do narcotráfico do México, o menino vive numa mansão - ou palácio, nas palavras dele - e tem contato com um número muito limitado de pessoas - apenas treze ou catorze.
Mesmo com quase nenhum contato direto com o que acontece lá fora, Tochtli não parece sofrer com a solidão do isolamento. Para ele, o lugar onde vive é o seu mundo e ele sempre tem o que deseja. Ou melhor, quase sempre. O conflito inicial da história é, na verdade, um pedido do menino que não pode ser atendido com tanta facilidade: um hipopótamo anão da Libéria. E essa é uma das principais provas de como a narração por uma criança transforma o livro.
Como é evidenciado pelo escritor britânico Adam Thirlwell no posfácio do livro, “Festa no Covil” não traz uma história sobre o narcotráfico mexicano. Por mais que esse seja o contexto em que o protagonista do livro está inserido, em nenhum momento o tema é explorado na narrativa. Se não me engano, não há menção direta à palavra “narcotráfico”, até porque Tochtli não tem realmente uma noção do que se trata o meio que está inserido. Para ele, as coisas são assim e pronto. O leitor é quem deduz sobre as práticas do pai do menino a partir do ambiente que é descrito.
Uma narração em terceira pessoa, por exemplo, poderia explorar o tema, mesmo que de forma breve. Porém, o protagonista, além de alheio ao que está de fato acontecendo ao seu redor, quer contar a sua própria história. E foi essa história que me encantou: um garoto que queria e acaba conseguindo um hipopótamo anão da Libéria.
“Parece que o país Libéria é um país nefasto. O México também é um país nefasto. É um país tão nefasto que você não pode conseguir um hipopótamo anão da Libéria. O nome disso na verdade é ser de terceiro mundo.”
Ao contrário do que se pode pensar, Tochtli não se parece nem um pouco com um menino completamente inocente que não sabe de nada. Ele é, sim, muito inteligente e também ingênuo. O personagem é uma boa representação do modo que as crianças vão conhecendo o mundo e da importância da família e de todas as pessoas que a cercam nesse processo. Tudo o que ele conhece e passa para o leitor quando conta a sua história vem das suas percepções, a partir da visão de mundo que foi construída nele. Todas as treze ou catorze pessoa que ele conhece foram, em menor ou maior grau, um modelo para o garoto.
É interessante perceber como ele assimila o que é passado e transforma isso em rótulos, como nós mesmos acabamos fazendo ao longo de toda a vida. Um homem que chora, por exemplo, é considerado por Tochli “um dos maricas”, assim como “os cultos” são aqueles que sabem tudo dos livros, mas nada sobre a vida. E é claro que ele não faz essas associações por maldade. Tochtli só tem contato com aquele mundo e é dessa forma que as coisas que são passadas, então ele reproduz.
“Festa no Covil” é um daqueles livros que você passa a apreciar ainda mais depois que termina. O encantamento com a escrita de Villalobos começou durante a breve leitura, contudo, somente depois de pensar sobre o que eu havia lido que percebi quão especial é o livro. Sem a ingenuidade de Tochtli ao contar os eventos, teríamos um romance completamente diferente - talvez não tão bom como esse foi.
“Alguém devia inventar um livro que dissesse o que está acontecendo nesse momento, enquanto você lê. Deve ser mais difícil de escrever que os livros futuristas que adivinham o futuro. Por isso não existe. E aí a gente tem que investigar na realidade.”
- Autor: Juan Pablo Villalobos
- Editora: Companhia das Letras
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- Nota: 5/5 conversinhas
*Esse livro foi um oferecimento da nossa parceira, a editora Companhia das Letras.
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Paulo V. Santana
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