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Questionando: Glee é um bom exemplo de representatividade LGBT+?

30.5.14paulo


Para a última sexta de maio preparamos o primeiro de uma série de posts que analisam como os seriados atuais representam personagens não heterossexuais e/ou cisgênero. Em breve vamos falar sobre “Looking” e “Faking It”, mas começamos com uma que já foi a queridinha de muita gente: Glee

No ar desde 2009, Glee é uma série que não precisa mais de grandes apresentações. Com sua sexta e última temporada marcada para 2015, a comédia musical tem passado por vários problemas e encarou uma audiência extremamente baixa ao longo da sua temporada mais recente. Apesar dos pesares, não podemos negar que a série teve sua importância, inclusive na representatividade LGBT+. Mas nem tudo foi perfeito e muitas vezes Glee errou, não passando da intenção de representar personagens de uma boa forma. 


Kurt e Blaine na capa da revista Entertainment Weekly || Kurt

Desde o início Glee pregou uma mensagem de aceitação e foi muito elogiada por isso, principalmente pela GLAAD, uma organização americana que busca promover a imagem de pessoas não heterossexuais e/ou cisgênero na mídia. Um dos personagens mais importantes para a série desde a primeira temporada é o Kurt (Chris Colfer), um menino gay. Já na primeira temporada, acompanhamos seu caminho de autoaceitação, a relação dele com o pai e também o bullying que sofria no colégio por conta da sua sexualidade.

A série apareceu em um momento em que o número de personagens LGBT na TV americana ainda estava crescendo lentamente* e um personagem gay numa série jovem na Fox, num horário familiar, foi muito importante. Houve várias críticas a Glee por trazer um adolescente abertamente homossexual, assim como vimos no Brasil pessoas desaprovando o beijo entre dois homens na novela. Mentes conservadoras que acreditam que a representação de pessoas não heterossexuais vai fazer os jovens “mudarem de ideia”, quando que acontece é uma influência positiva. 
*na verdade, a situação não mudou muito nos dias de hoje. Veja os relatórios da GLAAD aqui.

Kurt e Blaine

Na segunda temporada da série, Kurt conhece Blaine (Darren Criss), que estuda num colégio só para garotos um tanto utópico, já que o coral é bem visto e ser gay não é um problema. Os dois se apaixonam e protagonizam o primeiro beijo gay da série ainda na segunda temporada. Ambos os personagens foram muito importantes para o público LGBT da série, porque eles se identificaram com o que viam na tela e é libertador ver sua vida representada de alguma forma na TV. Apesar de só ter começado a acompanhar Glee no ano passado, eu mesmo lembro de ter visto o beijo entre o Kurt e o Blaine passando num programa da falecida MTV (Acesso MTV?) e pensando “uau, é possível”. E vários outros fãs se sentiram da mesma forma. 

Eu nunca tive muito contato com o fandom da série, mas uma amiga que acompanha desde sempre me falou sobre a influência dos personagens gays também nas pessoas heterossexuais. Glee fez com que muitas pessoas acordassem para a realidade,  pensassem e se questionassem. O pai do Kurt, Burt, por exemplo, é excelente, porque sempre tratou o filho com o maior carinho, mostrando que os pais que criticam gays e a rejeição é que são anormais.

Brittany e Santana

Outro casal de Glee é formado pela Brittany (Heather Morris) e pela Santana (Naya Rivera). A relação das duas começou de forma implícita, através de indícios de que o que havia entre elas não se restringia a uma amizade “comum”. Elas só começam a namorar publicamente na terceira temporada, porque a Santana enfrentou uma longa jornada de aceitação e tinha medo do repúdio que enfrentaria por ser lésbica. Depois de assumir sua orientação sexual, houve uma série de coisas que incomodaram bastante gente. Por exemplo, enquanto o Kurt e o Blaine dão apoio cantando “Perfect”, da P!nk, e recebem uma reação de indiferença da Santana, a personagem fica muito emocionada e chora quando Finn canta “Girls just wanna have fun”. O propósito do Finn era bom, mas a escolha musical acabou por reforçar a ideia de que lésbicas são apenas “duas garotas se divertindo”. Além disso, no mesmo episódio Santana e as outras meninas do coral cantam “I kissed a girl”, como se fosse um grande manifesto de mulheres lésbicas e não uma música que hipersexualiza relacionamentos entre mulheres. 

Por mais que os dois casais sejam apreciados pelos fãs, muitos fazem críticas justas sobre como eles são representados. Comparados aos casais hétero da série, Brittany/Santana e Kurt/Blaine recebem menos cenas românticas e muitas vezes abraços substituem o que seriam beijos em uma relação homem-mulher. Essa é uma situação que não fica restrita à Glee e acontece em outras séries, como explicita esse artigo sobre a diferença de tratamento dado ao personagens LGBT. Ryan Murphy, o showrunner da série, já falou sobre o assunto aqui. Recentemente, a situação mudou um pouco. Com a morte do Cory Monteith (</3), Kurt/Blaine acabou sendo o casal principal da série, ganhando mais tempo na tela e se tornando o casal que mais trocou beijos e “eu te amo” em um único episódio. No entanto, os abraços no lugar de beijos continuam e até retomaram um casal hétero não tão popular entre os fãs para “compensar”, então não é como se Glee estivesse acertando 100%.

Unique

Na quarta temporada, novos personagens entraram no glee club, entre eles Unique (Alex Newell), que havia sido introduzida na temporada anterior. Unique é apresentada como uma mulher trans* heterossexual e, para mim, era a personagem com maior potencial entre os iniciantes. Porém, mais uma vez Glee ficou só na intenção. Apesar de bons momentos - como ela exigindo ser tratada pelo feminino e chamada de Unique em vez de seu nome de registro (Wade), ou as dificuldades que enfrentava para ir ao banheiro -, a personagem  foi mal desenvolvida (assim como todos os novos, na verdade). E há um problema ainda maior: ela seria inspirada no ator que a interpreta, que foi um dos participantes do reality show “The Glee Project”, mas o Alex diz se identificar como homem e homossexual. Isso é algo problemático, falaremos sobre a questão de homens interpretando mulheres trans* em breve. 

Outro problema de Glee é na representação de pessoas bissexuais. A Brittany é tratada como bissexual, mas no último episódio da quinta temporada o Blaine se referiu a ela como “majoritariamente lésbica”. Aliás, antes disso, no início dessa mesma temporada, Santana disse que estava satisfeita por namorar uma menina lésbica, pois não teria mais que se preocupar com a namorada trocando-a por um cara, o que é horrível, injusto (a Brittany nunca a traiu) e serve apenas parar reforçar a crença de que pessoas bissexuais são infiéis e não confiáveis. Ainda antes, em um episódio da segunda temporada, Blaine beija Rachel (Lea Michele) e se questiona sobre a possibilidade de ser bissexual, recebendo um discurso bifóbico de Kurt. Para ele, “bissexualidade é uma mentira que homens gays dizem na escola para andar de mãos dadas com garotas para que eles possam se sentir normais”. Dentro do contexto da série, a fala de Kurt tinha uma intenção de autodefesa, já que ele estava interessado pelo Blaine e não queria que ele se envolvesse com a Rachel, mas acaba reafirmando a ideia de que bissexualidade é um mito.

No fim, não podemos dizer que Glee está completamente errada na representação de pessoas LGBT+, mas está longe de fazer isso com perfeição. Na maioria da vezes, só dá importância aos homens gays e às mulheres lésbicas, com foco maior no primeiro grupo. Os problemas da série, aliás, se estendem à representação de pessoas não-brancas e com deficiência e há vários textos sobre isso pela internet. As séries de TV num geral estão muito longe de serem completamente inclusivas, mas pelo menos algumas delas estão fazendo algum impacto na vida das pessoas. 

E é assim que a Sue o Paulo vê isso. :D

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