Automatic Kalashnikov 47 CCEntrevista

Entrevista: Luciano Tasso fala sobre ilustração de livros no Brasil

19.5.14ConversaCult


Na minha aventura para descobrir como um autor iniciante pode conseguir uma ilustração para o seu livro (post em breve aqui no Clube de Escrita), eu tive a chance de conversar com algumas pessoas incríveis. Uma delas foi o Luciano Tasso, ilustrador, que foi super simpático e topou responder umas perguntas para gente. O resultado foi o mesmo que a Alliah: muita informação legal que valia um post solo

A sensação que fica é a de que no Brasil tem muita gente com coisa interessante para nos mostrar e nós nem fazemos ideia. Aqui está um pedacinho disso, em uma conversa que começou tentando entender como funciona o mercado literário através de quem atua nele. 

Quem é Luciano Tasso?
Luciano Tasso nasceu em Ribeirão Preto, se formou na USP e trabalhou como diretor de arte para agências de publicidade. Ele já até foi para a Itália para ficar 2 meses e acabou ficando uns anos por lá! 

"Essa história da Itália foi assim mesmo. Como sou filho de italiano, pra mim foi mais fácil pois tinha a dupla-cidadania e a casa de uns tios-avós por lá que pude pentelhar pra me receberem. Fui com a grana pra ficar uns dois meses, mas tive a sorte de arrumar um trabalho e por lá fique até querer voltar pra Sampa."

Desde 2007 ele trabalha ilustrando livros, revistas e Histórias em Quadrinhos. Já ilustrou várias obras, dentre elas: “Os 12 Trabalhos de Hércules”, “Artes do Caipora em Cordel” e “A Saga de Beowulf” escritos por Marco Haurélio (que em breve você também vai ver aqui!). 



1 - Gostaria de entender melhor como funciona a relação Ilustrador-Autor-Editora. Quem entra em contato para orçar um projeto de ilustrações normalmente, autor ou editora?

O que mais acontece é uma editora entrar em contato com os ilustradores por entender que  este ou aquele trabalhos são mais adequados para acompanhar o texto em questão. Este é o papel do editor. No melhor dos mundos, ele recebe o texto, avalia o conteúdo, faixa etária, faz a revisão, consulta fontes, determina a apresentação tanto visual como textual - muitas vezes convidando algum outro escritor que entenda sobre assunto - , determina o projeto gráfico, faz uma apresentação dos ilustradores escolhidos para o autor e, na aprovação de um deles, passa o arquivo com os espaços diagramados para o ilustrador completar com sua arte. No entanto, isso não é um padrão e cada caso tem sua particularidade. Eu já fui procurado por escritores iniciantes que gostariam de saber quanto custa ilustrar seu livro e também já convidei escritores para escreverem sobre as ilustrações já prontas. 

Ainda Beowulf
No Brasil, o mercado de literatura movimenta muito dinheiro (não tanto quanto gostaríamos), sustentado principalmente pelos planos de educação dos governos. É com esse foco que as editoras trabalham hoje. Então, sua função é selecionar entre autores consagrados, clássicos, best sellers e os inúmeros projetos de escritores conhecidos e desconhecidos, aqueles que valem a pena investir em uma publicação para poder obter algum resultado comercial. Claro que existem os casos de projetos acadêmicos, de preservação do patrimônio cultural, etc., mas estes são minoria.

Da parte do autor, cabe a tarefa de criar uma história que seja original ou interessante o suficiente para despertar a curiosidade do editor, e mandar seu projeto dentro da linha de publicações daquela empresa onde acredita que seu texto terá maior afinidade; ou então, tentar bancar sua própria publicação - o que é um processo muito caro que geralmente só consegue obter algum sucesso através de redes sociais. 

O ilustrador recebe o material, seja da editora ou diretamente do autor e, dependendo do pedido, pode realizar o projeto gráfico, fazer as ilustrações e muitas vezes participar do livro como autor também. Eu mesmo tenho um livro-imagem de minha autoria, que será publicado pela editora Rocco neste ano.

Enfim, não há regras. Apenas parâmetros. Porém, o mais importante é estabelecer uma relação profissional entre as partes. Muitas das pessoas me procuram com a ideia de que ilustrar um livro seja uma tarefa fácil, um passa-tempo. Não entendem que por trás desta profissão, existe todo um trabalho de pesquisa, acúmulo de experiências, aprimoramento de técnicas, gastos com materiais e muita dedicação. Então elas se assustam quando percebem que terão de gastar muito mais do que os 200 reais que imaginavam.

Eu adorei essa <3

2 - Com quais editoras e autores você já trabalhou? Poderia indicar algumas obras com ilustrações de sua autoria para nós? Já fez trabalhos recorrentes para um mesmo cliente? (ou rola parcerias, no caso, vocês criando juntos e depois levando para a editora?)

No universo do livro infantil, realizei projetos para Martins Fontes (hoje WMF), Global, Cortez, Paulus, Aquariana, Berlendis & Vertecchia, FTD, Ática, entre outras. Ilustrei revistas do grupo Abril, Almanaque Brasil e para a revista FORUM SOCIAL, da Publisher. Trabalhei com os textos de Marco Haurélio, Marcos Rey, Thiago de Mello, Vera do Val, Edson Gabriel Garcia, Kabengele Munanga, etc.

Lindo <3 Ainda "Como Sou"
Meu trabalho sempre se orientou pela mitologia antiga e pela temática brasileira do Cordel. Gosto de trabalhar com estilos diferentes: acrílica, mosaicos, xilogravura, digital, etc. Acho que isso é um pouco o panorama que vivemos nas artes e no mundo, ou seja, uma mistura de tudo com um pouco de personalidade. Então indicarei os livros que têm um pouco disso: "Os 12 trabalhos de Hércules" ( ed. Cortez) e "A Saga de Beowulf" (ed. Aquariana) e "Artes do Caipora" (ed. Paulus), todos escritos em cordel por Marco Haurélio; "Por Júpiter" (ed. Berlendis e Vertecchia), adaptado por José Aragão. Esses e outros podem ser vistos no meu blog: lucianotasso.blogspot.com.

O percurso profissional da ilustração se dá por afinidades e conhecimentos. A primeira editora que me recebeu foi a WMF. Logo depois, veio a Global (na época, dividia o estúdio com outro grande ilustrador, o Maurício Negro, que já trabalhava para eles e me apresentou para os editores). Fiz um livro e aí eles pediram outros tantos. De lá , fui indicado para a Cortez, que me convidou a fazer outros projetos, e assim por diante. Então, o trabalho do ilustrador depende muito do conhecimento dos editores de seu trabalho e da afinidade que você conquista, cumprindo prazos e mantendo a qualidade daquilo que você faz. 

Por outro lado, foi na Global também que conheci o escritor Marco Haurélio e com ele, fiz vários títulos. Por ser um escritor acessível, convidei-o para criar os textos em cordel a partir de ilustrações já feitos sobre os 12 trabalhos de Hércules. Quando terminamos a proposta, mostrei o projeto para o Amir Piedade, da Cortez que gostou bastante e resolveu publicá-lo.

3 - Quando se trata de um projeto maior, como, por exemplo, uma série de livros, as ilustrações já são combinadas no contrato inicial para garantir consistência na obra ou se trabalha um livro de cada vez?

É meio raro de acontecer um projeto de vários livros com um só ilustrador. Geralmente, numa coleção, essa consistência é dada pelo projeto gráfico. Fazer uma série de livros com a mesma ilustração pode ficar monótono e os textos, sendo do mesmo escritor, sempre variam interferindo diretamente na abordagem das ilustrações.

4 - Fechado o projeto, você mantém contato com o escritor do livro ou se reporta exclusivamente a editora? O Autor tem alguma voz na hora de decidir a respeito das ilustrações?

Não é sempre que mantemos contato com os escritores. Alguns se interessam em interferir diretamente nas ilustrações, outros deixam isso para a editora, e há também o caso dos herdeiros, quando o autor já faleceu e eles interferem em maior ou menor grau na obra que será publicada.

"Quando há muita interferência do autor, o trabalho de ilustração corre o risco de ficar uma colcha de retalhos"

Quando há muita interferência do autor, o trabalho de ilustração corre o risco de ficar uma colcha de retalhos, ou com o aspecto muito truncado. No processo criativo, há coisas que vêm naturalmente, sem uma explicação lógica. Racionalizar isso (na visão do autor), é matar parte da beleza da espontaneidade de um projeto artístico. Por outro lado, os editores têm sempre que se preocupar com a pertinência, erros históricos e didáticos que um ilustrador pode cometer. Neste caso, quaisquer alterações são sempre bem vindas para garantir a integridade da obra.

5 - Você já trabalhou com que tipo de literatura? Infantil, juvenil, adulta, fantasia? Quais as diferenças ao abordar projetos para públicos-alvos tão diferentes? Existe algum estilo que seja da sua preferência? (e já encontrou alguma barreira das editoras em relação a ilustrar certo tipo de obra?)

Essas divisões entre infantil, juvenil, adulta, ou fantasia são muito tênues. Não dá pra se dizer que um livro não possa ser infantil porque aborda temas sobre sexo, e nem que uma história simples de um avô com seu neto não desperte comoção em adultos. O que vai diferenciar uma coisa da outra, na minha opinião, é o acervo de palavras e a forma como elas são usadas. Escrever para uma criança de poucos anos é simplesmente saber que ela ainda está desenvolvendo suas capacidades de conhecimento e seu vocabulário é muito mais limitado que um adulto. Mas não acredito que devam existir temas proibidos (salvo nos livros didáticos).

 
(eu realmente lembro de Valente, que também é baseado em vikings...)

Com as ilustrações acontece a mesma coisa. Quando, por exemplo, em “A Saga de Beowulf” - considerado um livro infanto-juvenil - eu optei por fazer uma montagem com elementos da era viking, inseri vários elementos simbólicos que faziam parte daquela cultura e daquela época.  Não me preocupo se a criança vai ou não entender os significados sutis que estão ali representados e que formam um quadro quase abstrato na composição da página. O que imagino é que, gostando das ilustrações, aqueles símbolos permanecerão na sua memória e, um dia que vir, em outra situação alguma referência sobre a cultura viking, terá, além do texto, associações visuais para fazer.

6 - Vimos que você também lançou uma HQ, como foi o processo de publicação? O contato com o meio editorial ajudou no processo ou os caminhos são completamente diferentes? Também gostaríamos de saber mais sobre a obra. 

Cresci lendo Histórias em Quadrinhos e durante muito tempo da minha adolescência, meu sonho era fazer uma HQ autoral. No entanto, esse processo exige muito rigor e disciplina, coisa que eu nunca tive até uma certa fase da vida em que trabalhava em casa como freelancer (eu fazia design para sites) que tive a intenção de criar uns personagens e tentar desenvolvê-los numa trama mais complexa. Comecei com um baita gás, mas a coisa foi se dissipando lá pela página 40 (no meu ambicioso projeto, o álbum teria 80 páginas). Exausto, engavetei a coisa e voltei a trabalhar para agências de publicidade. Felizmente, um amigo meu, que na época estava tentando se firmar como quadrinista, passou lá em casa e eu mostrei o projeto pra ele. Tempos depois, o Jozz (Jorge Zugliani) conseguiu emplacar uma coleção pelo selo “E Editorial” da editora “Annablume”. Os caras toparam o projeto e em poucos meses, eu precisei terminar toda a produção, que acabou com 92 páginas.



Automatic Kalashnikov 47 (este é o título) é uma história surreal de tráfico de armas que acontece no ambiente urbano. Uma piração que fazia parte daquele momento da minha vida e que foi publicada em 2011. Fiquei muito feliz com a liberdade que os editores me deram para fazer e publicarem o projeto.

Felizmente, o mercado de HQ no Brasil está muito avançado e várias editoras que só trabalhavam com literatura textual estão entendendo a importância deste outro tipo de narrativa.

Você pode saber mais sobre ele por essa entrevista. E não deixe de passar no blog dele para ver mais sobre a sua arte, que vale muito a pena. Até o próximo post, um apanhado geral de como conseguir seu livro ilustrado! 

*A foto usada lá em cima foi retirada do blog do Luciano Tasso e é do Evelson de Freitas e da Monalisa, que o convidaram para participar do projeto Histórias em Movimento.

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