a bela e a fera CCdiscussão

O que você faria se descobrisse que o seu pai é homofóbico?

22.3.14Dana Martins


Oferecimento: Mundo mágico da Disney!

O título deste artigo reproduz a pergunta angustiada que muitas filhas e filhos se fazem quando eventualmente descobrem que seus pais e mães são homofóbicos. Seu pai pode ter te contado, ou você pode ter descoberto que ele é homofóbico ao espionar sua vida privada. O fato é que saber que o pai é homofóbico é algo em geral chocante. Cada vez menos chocante, é verdade, em virtude do fato de que vivemos numa época mais esclarecida no que diz respeito a questões culturais. Informação é que não falta para que as pessoas compreendam melhor coisas que seriam muito mais difíceis de serem compreendidas décadas atrás.

O texto acima é uma brincadeira que eu fiz com um texto sobre gays que eu encontrei, (Meu filho é gay, e agora?), mas é a melhor introdução para a conversa de hoje. Você já olhou o outro lado da porta?

Eu estava no twitter do CC e a @jan_muniz lembrou de como na maior parte do tempo não são os filhos que abusam, de que existe um problema muito grande das crianças crescerem achando que são danificavas por causa dessa pressão problemática dos pais. E ela me fez ver como o meu texto original estava problemático - parece que a pessoa não pode fazer nada ou reagir. Então eu decidi incluir aqui no início algumas coisas para se considerar antes de ler. Sigam a linha de pensamento:

1- Se imagine como alguém que não se identifica com o sexo que nasceu, mas escuta os pais falarem todas as besteiras, te pressionarem, te tratarem como algo errado (tipo a Elsa em Frozen). E agora?
2- Você vai reagir. Há mil possibilidades.

A minha crítica nesse texto é a uma reação comum: você trata os pais como monstros. Trata como se eles fossem inimigos. Foi isso o que aconteceu com muita gente vendo os pais abusivos em Frozen.

Eu critico essa reação porque você perde a chance de diálogo, dos pais aprenderem com você, de aprender com os pais. Isso é perigoso porque em vez de mudar o sistema onde alguém é excluído, você só está reforçando a existência de um tipo de exclusão. E aí, mesmo que a gente consiga viver em um lugar onde ser LGBT+ é aceito, nós vamos continuar exatamente do mesmo modo: excluindo outras pessoas por outros motivos e causando mais sofrimento.

Você pode estar no lado certo, mas quando você trata o seu pai como se ele estivesse errado (mesmo que esteja), não fala com ele, faz comentários de desprezo ou sei lá, você está agindo exatamente igual a ele. E você não precisa disso.

Dito isso, quero dizer que todos devem seguir o exemplo da @jan_muniz: se vocês verem algo que querem falar, falem. Sejam sinceros e digam o que realmente acham. Nada aqui está escrito em pedra. Ninguém é feito de pedra. Todos nós estamos aprendendo. Ela comentou lá "Mas quando você vive num ambiente de violência é muito difícil não se tornar violento, é muito difícil não revidar." Definitivamente. Se alguém aparecer aqui e me der um soco a minha primeira reação vai ser socar de volta. Na verdade, eu sou meio que um desastre nisso: a minha primeira reação é sempre causar uma revolta. Mas não transforma isso na melhor opção. Nem em solução. E esse é o ponto mais importante disso tudo: vamos questionar, pensar e buscar soluções melhores.

"o que vc colocou lá parece: se eles agredirem é a cultura, se você agredir você é o agressor" - Definitivamente não. Ambos quando estão agredindo são agressores e isso é um ciclo da cultura (como foi mostrado acima), que só pode ser quebrado se um dos lados começar a mudar. Como o público do CC é feito mais de filhos do que pais, o texto é uma conversa com os filhos - para eles repensarem na hora de agir com qualquer tipo de agressão (seja física ou psicológica). Mas os pais também podem - e devem - repensar as ações.

Indico esse post que trata sobre 10 problemas que dificultam a relação entre pais e filhos e pode ajudar quem quer quebrar esse ciclo de violência.

Espero que tenha ficado mais claro. Obrigada, @jan_muniz, pela chance de reformular. Questionem!

Abaixo você vê o meu texto original onde eu desenvolvo todo esse assunto fazendo comparações com filmes da Disney.

A ideia para esse texto surgiu depois do post sobre pais abusivos em Frozen, que rolou uma conversa linda com os nossos leitores nos comentários e me ajudou a repensar a forma como nós vemos nossos pais - e pessoas homofóbicas no geral. O problema no post sobre pais abusivos em Frozen é que leva a questão: os pais são responsáveis pelo que fizeram? aquilo foi abuso? o cara que tenta curar o filho da "doença" homossexual é homofóbico?

E aí, o que tem isso? 

Se você realmente quer conversar sobre pais abusivos...

Pessoalmente, e esse é o meu posicionamento, eu não me importo se algo pode ser chamado de homofóbico ou não, ou se cabe na definição de abuso ou não. O que eu sei é que o que aconteceu em Frozen teve um efeito chocante em ambas as personagens (Anna e Elsa). E eu sei que eu acabei de assistir A Menina que Roubava Livros, onde a protagonista recebe dos pais adotivos puxões de orelhas, tapas e eles berravam com ela para ficar calada (numa cena, eles brigam com ela e a proíbem de expressar seu ódio por Hitler, sem falar que no livros essas formas de agressão são muito piores). Nada disso fez a personagem terminar traumatizada como Anna e Elsa e ela não deixou de amar os pais. De quebra, eu não ouvi ninguém até agora fazer textos gigantes para analisar os abusos que ela sofreu ou questionar os pais.

Outra coisa que eu também vejo - e é o que motivou esse post - é que existe uma cultura de ressentimento contra os pais que fazem essas coisas com os filhos, principalmente com o tema homofobia. Quando um pai empurra uma mulher para o seu filho e trata gostar de uma pessoa do mesmo sexo como doença, é lógico que isso machuca. Como a Priscilla deu exemplo no post de Frozen: independente da sua intenção, se você pisar no meu dedinho e quebrar, vai doer mesmo. Demais. Nada que for feito vai mudar o fato de que o meu dedo foi quebrado. E é por isso mesmo que não importa.

Quê? Como assim, Dana?

Vamos ser sinceros, vocês são pessoas crescidas e eu não preciso fingir que sou uma santinha para vocês entenderem. Todos nós somos atacados pelos sentimentos. Vi cada comentário sobre o beijo no fim da novela que eu queria sair distribuindo voadora. Dá uma raiva enorme e eu não consigo acreditar que as pessoas sejam idiotas assim. Dá vontade de mandar todo mundo para a câmara de gás! Não, pera.

A questão é que a raiva pode ser um sentimento, mas não pode virar uma prática.


Se a gente se afastar e pensar de maneira fria: ter o dedinho quebrado não importa. Se você é uma criança e não tem noção de que os pais vivem em uma cultura homofóbica, quando começa a descobrir que gosta de alguém do mesmo sexo e se duvidar, não tem como você impedir o seu pai de ser assim. E aí quando você descobrir o quanto ele estava errado, seu dedinho já estará quebrado. Agora crescido*, você pode lutar para espalhar o conhecimento e evitar que outras crianças tenham o dedinho quebrado. O dano em você já foi feito.
*não apenas crescido, mas quando você tem noção de que o que o seu pai fez foi errado. 

Não dá pra lutar contra a homofobia (ou a cultura que desvaloriza os gays) dizendo que ela não deveria existir, porque ela existe. Todos os dias. Batendo na sua porta. Entrando pela sua janela. Na cor da parede do seu quarto. Também não dá para culpar os pais.

A partir do momento que você cresce* e entende quem é, não é mais uma vítima indefesa, você passa a ter o potencial de agressor. E é aí que entra o primeiro parágrafo desse post e a minha proposta aqui. Já pensou que, em vez de considerar o jovem gay a vítima dos pais, passar a ver os pais como a vítima dos jovens gays*? Com uma leve mudança de perspectiva, podemos até relacionar os pais que não entendem os filhos como a Elsa da história (não entender os filhos = poderes de gelo) e os filhos viram os pais "abusivos".
*novamente, eu usei cresce, mas na verdade é quando você percebe que o que o seu pai faz é ruim.
*não quer dizer que eles sejam, estou dizendo para considerar essa perspectiva. 

Quem é a Anna?

Ou talvez seja um conflito de gerações. Vamos usar outro filme da Disney: A Bela e a Fera. A falta de conhecimento é o que transforma os pais em uma fera e aí o jovem é a Bela que, com amor, precisa ensina-los a tratarem as pessoas bem. Ou talvez, como em Valente, os pais e os filhos estejam vivendo em mundos tão diferentes que precisam tirar um tempo para conhecer o outro lado, antes que alguém se transforme em um urso feroz para sempre.

Nem todo mundo vai entender. Algumas pessoas são controladas pelo medo e pela culpa. A necessidade de ser reconhecido em público faz loucuras com a cabeça da pessoa. Nós temos o suporte do tumblr e blogs como o CC que estão aqui nos ajudando a lidar com diferenças. E os pais? Como eles vão dizer para os amigos, que enxergam o mundo igual a eles, que seu filho é gay? Sim, eu sei que é errado alguém ter vergonha disso, mas eles têm. Do mesmo modo que alguém está começando a escrever tem vergonha de mostrar um texto porque pode estar ruim.

Nem todo mundo aprendeu a ser forte e ser confiante. Mas nunca é tarde para começar.

Até os cavalos ficam tristes com a situação ):
Vamos lembrar que as pessoas não são homofóbicas ou gays. Elas também não são pais ou filhos. As pessoas são apenas pessoas. Cada um enfrenta problemas diferentes, mesmo que às vezes pareçam monstros destruindo tudo. E você tem muito mais a ganhar quando transforma um monstro em amigo, do que quando escolhe isola-lo do seu mundo.

Aliás, essa é a moral da história da Anna, não é?

-dana martins

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2 comentários

  1. Oi!
    Enquanto eu lia essa matéria aqui, acabei sendo direcionado para onde a discussão começou e, cara, foi MUITO gratificante poder ver a história por tantos olhos e opiniões diferentes.

    Dana, houve um ponto em que você citou a opressão que a Liesel sofrera em "A Menina que Roubava Livros". E, sobre isso, pode apostar que é ainda maior no livro, por conta da censura sobre o filme (Ah, qual é? Sabemos que há censura mesmo com a internet e etc. Não necessariamente pelos governos, mas às vezes até mesmo pelos próprios produtores. Afinal, que tipo de roteirista colocaria, num filme taxado como "livre para todas as idades" uma menininha apanhando da professora por não conseguir ler – tendo dito que conseguiria – e não seria censurado?).

    E, sim. Isso acontece no livro! Ela é humilhada por não saber ler e colocada com crianças que têm metade de sua idade para "aprender". Além disso, em relação ao ódio que sente pelo Fürrer, os pais de Liesel não gritam com ela apenas. Na cena da fogueira, onde ela descobre o que ocorrera com a mãe, Hans a cala com um tapa quando seu ódio por Hitler é declarado em voz alta. Claro que a história se passa em tempos onde isso era muito mais comum, mas não significa que não possamos discutir.

    Enfim, voltando ao foco da conversa, não creio que repressão alguma possa vir a se tornar positiva. Há pessoas que conseguem superar, assim como a Liesel fez, mas não significa que ela não poderia ter aprendido sem aquilo.

    Além disso, quando se diz que é difícil para um homem assumir a homossexualidade do filho, eu não discordo nem um pouco. Isso não justificaria, porém, qualquer pressão que este pai possa exercer sobre o garoto(a). E até entendo que pode ser que ele não faça por mal, mas estamos no século XXI, a informação está aí para que aprendamos!

    O equívoco, portanto, está na falsa autossuficiência das pessoas. Periodicamente, todos nós acabamos nos deparando com situações que não podemos ou não sabemos controlar. Mas não podemos sair por aí fazendo merdas por causa disso. É preciso parar, refletir, pesquisar, e deixar de ser um alguém tão antiquado quanto a maior parte dos homofóbicos são.

    Não os julgo por serem homofóbicos, mas por serem tão prepotentes. Talvez esse seja o grande erro, na maior parte das vezes. Ah, e estou louco para ver essa discussão continuar...

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    1. Acho que a questão não é julgar, sabe? Não importa se a gente gosta ou não. A gente, inclusive, tem o direito de se sentir mal e achar que o que a pessoa fez foi errado, ou seja, julgar. Até porque a gente nem controla sentimento direito, né? O que eu tento dizer um pouco no texto é que ninguém ganha nada se o julgamento virar ação. Mais do que isso: nós apenas repetimos o que foi feito com a gente. Se um pai julga o filho por ser gay e, sei lá, bate nele ou expulsa de casa ou trata como se fosse a pior pessoa da face da terra, e aí o filho responde fazendo exatamente a mesma coisa... qual é a diferença?

      E, Luan, eu não lembrava desses detalhes do livro! E é isso mesmo sobre uma ~censura~. Os filmes são o tipo de criação cultural mais abrangente e eles seempre tentam engolir o mundo inteiro com uma boca só, então "suavizam" Em parte é por causa da falta de tempo: Eles tem tipo 2 horas pra contar a história inteira e mostrar que o "pai" da Liesel é o gente boa. Se ele chega e dá um tapa na cara dela, o pessoal fica meio sem entender. (na mentalidade do pessoal que faz o filme) eles aproveitam esse tempo pra mostra a mãe severa e o pai legal, mas o resultado é que filmes acabam criando muitos personagens estereotipados. E em parte é essa suavização mesmo. Um exemplo simples que eu adoro é Crepúsculo: nos livros a Bella sempre cozinha para mãe e para o pai, nos filmes ela aparece eles comendo no restaurante. Por quê?

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