por Michelle Gimenes
“Entre
a noite no bar Independência e a vinda do Nirvana a São Paulo foram onze meses.
Comparar o dia anterior ao primeiro encontro com Valéria e o posterior ao show
é como falar de tempos diversos, mundos contrários em si. De Valéria eu também
não guardei fotos, nem uma peça de roupa, nem uma fita com alguma música da
banda, mas é como se ela continuasse com dezoito anos num presente eterno, e
cada vez que vejo os vídeos do Morumbi eu sei que ela está lá, nas trevas entre
as primeiras filas, logo adiante de onde filmaram a entrada de Kurt Cobain em
meio à luz azul". - pág. 11
Minicrítica - Resumo:
Um
livro que traz na capa pessoas fazendo stage diving. Uma história de amor em
todas as suas fases vivenciada nos anos 90, com direito a um capítulo especial
no dia do show do Nirvana no Morumbi, em São Paulo. 'Drain You' como música-tema
e inspiração do título. Como não querer ler “A Maçã Envenenada”?
OK,
nem todo mundo compreende o apelo de todas as coisas que citei no parágrafo
anterior, mas acredito que para os fãs de rock, principalmente aqueles que,
como eu, passaram a adolescência suando em camisas de flanela na época em que o
grunge estourou, o interesse pelo livro seja imediato. No entanto, enfatizo que
a história NÃO se destina apenas a esse público. Qualquer leitor que aprecie
uma trama mais realista vai ter uma ótima leitura.
A história é narrada por um jovem sem nome que avança e retrocede no tempo para contar como nossas escolhas, até as mais simples, influenciam nosso futuro. No caso do narrador, tudo começou a mudar no dia em que conheceu Valéria, uma garota diferente e intensa que vira o mundo do rapaz de cabeça para baixo. Para ele, as coisas passam a ser divididas em “antes de Valéria” e “depois de Valéria”.
Por
causa dela, o narrador pondera sobre sair do
quartel sem autorização para assistir ao show do Nirvana de 93. Ainda por causa
dela, ele quase morre em um acidente. Para fugir dos efeitos nocivos dela, ele
vai para Londres, onde fica sabendo do suicídio de Kurt Cobain, um ano depois.
Em um momento de reflexão, decide abandonar de vez a faculdade de direito e, de volta
ao Brasil, começa a trabalhar como jornalista.
E é
então que uma outra personagem crucial aparece na história: Immaculée
Ilibagiza, uma estudante de engenharia em 1994, em Ruanda, que se transformou em
escritora e palestrante após sobreviver à horrenda guerra civil que atingiu seu
país e dizimou sua família. Depois de passar 90 dias escondida em um
banheiro com mais sete mulheres, a vida da garota se transformou e, mesmo tendo
todos os motivos do mundo para odiar seus agressores, ela os perdoou.
E o
que Immaculéé tem a ver com o garoto que era fã de Nirvana?
O
caminho de ambos se cruza quando ele é designado para entrevistá-la. Aturdido
diante de um exemplo de bondade e perseverança de uma pessoa que sofreria muito
menos caso se entregasse à morte, mas que preferiu lutar e se agarrar ao fiapo
de vida que lhe restava, o narrador começa a pensar em outras pessoas que
marcaram sua trajetória, que tinham muitas opções de caminho à sua frente, mas
que, seja lá por qual motivo, decidiram abraçar e morte e sair de cena. Pelos olhos dele, percebemos o peso
das escolhas extremas na vida de quem toma tais decisões e na de quem as cerca.
Eu
achei a escrita do Michel Laub muito envolvente. Simples e direta, porém
interessante. A narrativa não-linear nos faz entrar na cabeça do narrador, como
se estivéssemos acompanhando o fluxo de pensamentos que ora relembra o passado,
ora reflete sobre o futuro. O papel de Immaculée na trama não é muito claro no
início, mas aos poucos vamos entendendo sua importância e percebemos como ela é
a chave de tudo.
A
ambientação foi outro ponto que me agradou bastante, já que uma parte da
história se passa em São Paulo. Adoro quando sou capaz de reconhecer as ruas e
estabelecimentos citados. E, neste caso, não apenas os locais físicos, mas
também o clima, o comportamento das pessoas, o estilo musical dos personagens,
tudo é extremamente familiar para mim. Eu poderia, de fato, ter conhecido essas
pessoas, ter andado com elas, ter ido ao show com a turma delas.
Confesso
que nunca fui fã do Nirvana enquanto a banda existia. Só comecei a ouvir o som
deles depois da morte do Cobain. E nunca tinha prestado atenção à letra de 'Drain You'. Claro que ela pode ter diversas interpretações, mas acho que sua
escolha para nomear o livro e representar a relação entre Valéria e o narrador
é perfeita: um amor doentio em que uma pessoa quer sugar a outra até a morte.
E,
para matar a saudade, a execução de 'Drain You' no Hollywood Rock, em 93:
Classificação:
(4/5 conversinhas)
Esse livro foi uma cortesia da editora Companhia das Letras. Muito obrigada! :)
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8 comentários
Esqueci de passar aqui pra dizer que eu só li esse livro por causa dessa resenha e achei absurdamente maravilhoso.
ResponderExcluirMuito obrigada pela indicação, Mi!!!
Beijos
Gostei da resenha: escrita fluida, texto com boas análises e informações curiosas (embora alguns spoilers). Além disso permite perceber como o livro de Laub pode ser pertinente para vários "horizontes de expectativas". Quando apresentei esse livro para alguns de meus alunos do ensino médio, para cada um eu destacava um fator específico, tentando fisgá-los a partir de horizontes distintos, segundo histórias pessoais:
ResponderExcluirKurt Cobain;
testemunhos;
bildungroman;
sobrevivência do "homem nú",
problemas psiquiátricos,
suicídio (enquanto a partir de perspectiva pessoa, ética e moral);
abuso de drogas entorpecentes: alcóol e drogas,
disciplina militar,
exílio físico e intelectual,
and so on.
Realmente, uma narrativa extremamente rica e que "atinge" públicos variados.
Mesmo que discorde de algumas soluções formais e abordagens ideológicas, em narrativas de Michel Laub, tanto em "O diário da queda", quanto em "A maça envenenada" (mas isso fica para outra oportunidade), a narrativa é cativante e instigante.
Nesse sentido,
após começar, não consegui parar de ler (li em uma tarde de sábado e de sol - isso deve provar como foi cativante),
e, ao terminar, tive que pegar outro livro, de outro autor, rapidamente, para parar de pensar e não ser envenenado por essa maçã.
Boa vida.
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