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A única coisa que você precisa saber sobre a trilogia Jogos Vorazes

30.11.13ConversaCult


Estão preparados? Aqui vai: A trilogia Jogos Vorazes é a história da Katniss. E ponto final. Se você não entender que os livros são sobre a Katniss, você vai ter muitos problemas no caminho. Não é a história de uma revolução. Não é a disputa para ver com quem ela vai ficar. É a história da Katniss. Ainda tá confuso? Deixa eu explicar um pouco mais.

E não vou enfeitar esse texto, vamos deixar o conteúdo falar por si.
Jogos Vorazes é uma trilogia egoísta, ou pra lá de individualista. E pega uma perspectiva totalmente diferente do padrão ao qual está todo mundo acostumado (inclusive eu!) e é por isso que é fácil se deixar enganar. Uma pergunta: O final da trilogia Jogos Vorazes é triste ou feliz?

O clássico é uma visão mais geral, o herói que personifica o país e luta para o bem de todos. Pegue qualquer história de guerra. A guerra foi vencida? Então o final é feliz e estão todos felizes comemorando. Harry Potter está lutando pela própria pele? Não, está lutando para salvar o mundo das trevas. Percy Jackson está indo salvar a mãe? Não, ele faz parte de uma profecia maior que vai salvar o Olimpo. 

Veja bem, não estou julgando o que é melhor e pior. Estou mostrando as diferenças. Em um caso, temos uma visão coletiva de "salvar todos", no outro temos uma visão individualista de "me salvar." O primeiro caso soa como o certo, porque graças a Deus o egoísmo não é bem aceito na nossa cultura, enquanto o segundo parece bem... ruim? Que tipo de herói não se sacrifica pelos outros?

(enquanto, no mundo real, as pessoas se confortam com a ideia de que não são tudo isso, não são o herói, então podem continuar vivendo suas vidinhas egoístas até que o grande herói salvador irá se sacrificar por todos.)

Mas a coisa mais curiosa em tudo isso é o quanto essa visão coletiva desvaloriza a vida. Quando você pensa "É uma guerra, algumas vidas vão ser sacrificadas" e está tudo bem, consequentemente, a vida de uma pessoa está sendo desvalorizada. Mas que mal há em algumas mortes, enquanto o resto inteiro continua vivendo bem?

O que nos leva a uma perspectiva interessante sobre os Jogos Vorazes. Porque o reality show é justamente isso, não é? Que mal faz sacrificar apenas 24 jovens todo ano (22 deles que você conheceria tanto quanto as muitas criancinhas sendo estupradas nesse segundo) por um bem maior - a paz? De brinde você ganha um feriado para descansar e se eles ganharem você ainda vai ter mais comida na mesa durante um ano! Se você for pensar, apenas aqui no Brasil morrem MUITO mais do que 24 jovens todo ano e nós ainda temos medo de sair na rua por causa de assaltos. Você sabia que nos distritos não existe criminalidade? 

É claro que morrem alguns que desafiarem a Capital, ou em acidentes no trabalho, mas... sério? É só andar na linha para não ter problemas. Alguns passam fome, é claro, ainda mais nos distritos mais pobres e distantes da Capital (como o 12!), mas não é como se não houvesse fome no mundo real. Aliás, lá você até tem direito a cestas básicas, o que é mais do que muitos países do mundo. 

O que eu estou tentando mostrar é que a vida com os Jogos Vorazes não é tão ruim assim, ou tão diferente da nossa realidade. É uma sociedade baseada em: Qual é o problema de sacrificar algumas vidas pelo bem maior?

Suzanne Collins martela isso durante toda a trilogia. A sociedade e os Jogos Vorazes, em si, já são uma enorme demonstração disso. Então nós temos a morte da Prim. Sério, qual é o problema dela morrer, se isso significa fazer a população ficar a favor dos rebeldes, acabar com as guerras e acabar com as injustiças? É apenas matar algumas pessoas para permitir o lado certo fazer a coisa certa. 

E é exatamente esse o principal questionamento dos livros da Suzanne Collins. Qual é o custo dessa visão de guerra, onde é permitido sacrificar poucos pelo bem de muitos?

Katniss vai sendo destruída do iníco do primeiro livro ao fim do terceiro. Algumas pessoas dizem que a Katniss não se parece com ela mesma no terceiro livro, mas é justamente por isso: ela mudou. Ela não é mais ela. O Peeta não é mais ele. O Gale não é mais ele. A Prim e o Finnick morreram. A Johanna é um poço de angústia e revolta.

Uma das coisas que eu adoro no filme Em Chamas é como mostra que todos eles são meio malucos, mesmo que cada um da própria maneira. A Mags não fala, Bolts and Nuts são todos perturbados (tick tock, tick tock...), o Finnick por baixo da casca de sedutor é totalmente sensível, a Johanna tem aqueles ataques de fúria, os outros são drogados e por aí vai. Tem uma cena no meio da arena que a Johanna grita para o Snow, igual uma maluca (porque ela é!), e aí mostra afastado e tá todo mundo em silêncio com uma cara meio de maluco traumatizado. Essas são as vidas levadas por uma guerra.

É isso que os três livros mostram. A destruição da Katniss por causa desse pensamento. E é até simbólico que ela seja voluntaria no lugar da irmã no primeiro Jogos Vorazes, porque essa é a lógica da guerra, certo? Eu dou a minha vida para ir à guerra e garantir que os outros possam continuar vivendo em "paz." 

Acho que é isso que faz a Katniss pirar contra o Distrito 13. O pensamento do Gale, que leva à morte da Prim, e é a tática do Distrito 13, é justamente que algumas vidas podem ser sacrificadas em nome de um bem maior. E quando eles querem voltar com os jogos? O mesmo. 

Eu não acredito que Suzanne Collins tenha a intenção de dar uma solução para isso. O que é melhor? Ser "egoísta" e não sacrificar a própria vida? Sacrificar a própria vida por um bem maior? O final de A Esperança chega a ser angustiante, porque a Katniss não vê uma solução, ela sabe que no futuro mais problemas vão surgir. Ela apenas se prende ao que ela tem de real e decide escrever tudo para que no futuro todos saibam as consequências.

Uma coisa interessante é que quando eu falei para o meu amigo: Não é a história da revolução, é a história da Katniss. Ele ficou: Como assim? Acho que é tão comum os dois se misturarem que é difícil para gente ver que há uma diferença. A vitória do país do soldado na guerra não é o mesmo que a vitória do soldado. A trilogia Jogos Vorazes não é a história de Panem, da revolução ou até mesmo do reality show Jogos Vorazes, é a história da Katniss. Se você procurar isso nos livros, você vai se surpreender com quanto nós podemos aprender. 

O The Hob perguntou para a Jennifer Lawrence (Katniss) o que ela esperava que as pessoas aprendessem com o filme, ela respondeu "O quão importante uma única voz poder ser."

Quando você pensa que você, sozinho, não pode mudar nada, você está desvalorizando o poder da sua vida. Se você não pode mudar nada, qual é o problema de sacrificar a sua vida por um bem maior? 

Uma única pessoa é importante, sim. 

Para finalizar, uma resposta da Jena Malone (Johanna) na mesma entrevista.

"Você espera que depois do filme os fãs se tornem mais engajados com a política?"

E a Jena respondeu: Não, eu espero que eles fiquem mais enjados em humanidade. F* política. Há muito mais acontecendo no mundo. Política vem depois, primeiro você precisa lidar com o coração humano.

Particularmente, acho difícil pensar em um bem maior quando uma única vida está sendo desvalorizada.
-dana martins

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4 comentários

  1. Eu-simplesmente-amei-seu-texto.
    E não, eu não li Jogos Vorazes, desisti no meio do caminho, mas sim, eu vi os filmes e sei que não é a mesma coisa. No entento, mesmo não fazendo parte do grupo de pessoas que ama essa serie e acompanha tudo certinho, eu amei seu texto. Genial, simplesmente.

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