Oi, crianças!!!! Como vocês estão? Têm se alimentado direitinho? Não?! Então vão logo pegar algo pra comer porque hoje nós vamos falar de um assunto superinteressante (pelo menos para mim). Hoje nós vamos falar da crítica literária. Mas não qualquer crítica, amiguinho, e sim a crítica que o próprio escritor (no caso, você, SEU LINDO) faz enquanto trabalha (ou não).
Então, vamos lá? Depois do pulo!
Como vocês sabem, meus amores, eu faço letras. E daí, e daí, e daí? E daí que nessa graduação existe uma matéria chamada Teoria da Literatura, da qual eu acredito já ter falado algumas vezes por aqui (porque essa é a melhor matéria ever, enfim). De qualquer forma, Teoria é uma disciplina que, embora não siga uma seqüência, aparece em 4 períodos distintos. E Teoria IV é justamente sobre isso: a linda, magnífica, exuberante e tudibão ~~ crítica literária ~~.
Pois bem, mas o que isso tem a ver com o blog?, você deve estar se perguntando. Acontece que minha professora mandou a gente fazer um trabalho sobre o livro “Um Crime Delicado”, que curiosamente é um livro nacional. Esse livro (que é SENSACIONAL, assim mesmo, em caixa alta) trata, direta ou indiretamente, da própria crítica, ela mesma, a do título do post. E é um livro de ficção, e não acadêmico *o*. Na história, você fica sem saber quem está criticando o quê: se é você como leitor, se é o narrador-personagem que tem a profissão de crítico (ele trabalha com crítica teatral e até escreve para jornais), ou se na verdade é esse mesmo narrador-personagem quem está se criticando a todo minuto.
PORÉM, antes de falar do livro, vamos ao.........
Ensinamento do dia: toda obra vai influenciá-lo. Até aquelas que você diz “não li e não gostei”. Até 50 tons de cinza, que você parou na metade ou não, influencia você em suas futuras construções literárias. E o inverso também acontece. A obra se torna nova e passa a ter uma outra interpretação quando um leitor diferente a lê, pois, sem dúvida, nem todos os leitores leram na mesma época, e muito menos todo tinham a mesma idade, ou sequer possuíam as mesmas vivências, et cétera.
Nesse sentido, o crítico que há em você, aquele cara que fica falando no seu ouvido sobre determinado parágrafo estar um lixo ou sobre como a sua ideia estar uma vergonha, tudo isso advém da sua vivência não só em meio aos livros, mas da sua vivência enquanto ser humano.
Por exemplo....
Voltando a “Um Crime Delicado”, a história é sobre Antônio Martins, o personagem principal e também narrador, que se envolve com Inês, uma mulher manca de meia idade que curiosamente posa de modelo para um pintor chamado Vitório. No meio disso, Martins começa a criar uma série de fantasias em relação ao quadro, antes e depois de vê-lo. Para completar, ele tem um sério problema de amnésia, uma conseqüência da qual não consegue fugir no dia seguinte a uma bebedeira.
A todo instante, Antônio parece se explicar, se analisar, analisar a tudo, a Inês, aos quadros, às peças teatrais, ENFIM, tudo é tão neurótico/obsessivo que você, como leitor, nem sequer nota que também está começando a defender o próprio Antônio, a achar everything (o que ele pensa, defende, acredita e assim por diante) extremamente plausível. Isso tudo apesar de nem sequer ele próprio conseguir se lembrar dos fatos de maneira racional – seja por ter estado bêbado ou não – além do fato de, se você for parar para pensar racionalmente, as coisas não serem exatamente aceitáveis sob o ponto de vista comportamental de alguém.
A questão é que Antônio fala com o leitor de modo a fazer você ter a certeza de que ele é uma pessoa normal (quase você mesmo quando está com paixonite). Isso tudo diante da contínua autocrítica, crítica à própria obra, quase uma tentativa de achar os erros no texto, como se as falhas dele próprio estivessem nas palavras e não em seus atos – que, aliás, nem foram atos “errados” como depois parecem ter sido, já que há uma série de acusações a respeito de sua índole. De qualquer forma, você, como leitor, não pode determinar se há algum erro ou pecado ali, já que seus olhos e ponto de vista estão inseridos na cabeça louca e misericordiosa do próprio Antônio.
Eu não vou falar mais sobre o livro (embora eu queira muito) porque já tá muito confuso e não gostaria de estragar a surpresa. Mas garanto: nenhum spoiler seria capaz de melar tudo. É o tipo de livro que só lendo para saber, ler um resumo não será, nem de longe, semelhante. Não é uma leitura fácil, acho que se eu estivesse no ensino fundamental, por exemplo, teria achado extremamente complexo e chato, mas quando você pega para ler, não consegue parar. E ainda tem a vantagem de ser um livro bem fininho. Para vocês terem noção, eu li emprestado da biblioteca, mas estou pensando seriamente em comprar.
Mas o que eu quero dizer é que um crítico-escritor é um crítico que basicamente é co-autor da obra. Quem escreve sabe disso: a partir do instante que alguém dá alguma opinião, você vai ler de novo o que escreveu e possivelmente vai mudar o que está sendo dito – seja para atender ao que o seu leitor disse ou não. A questão é que você se questiona, pensa e se deixa ser influenciado. Assim como Antônio, você passa a duvidar de si mesmo e odeia esse sentimento. Para tentar superá-lo, você vai lá e muda um parágrafo.
A crítica é a influência regada de expectativa. Pode fazer você acreditar em algo que não existe, assim como pode fazer você mudar o texto todo – ou a sequência. Leitores são leitores, mas quando você é os três ao mesmo tempo (o escritor, o leitor e o crítico), você produz um efeito semelhante ao que Antônio provoca em sua trama: você se perde ali no meio e passa a viver dentro do que sua mente criou, em função daquilo. Então, para chegar ao final, para descobrir a verdade e o desfecho, você precisa buscar isso do lado de fora, do lado racional, precisa ser o escritor integralmente, descartar os outros dois papéis. E é aí que mora o problema.
Se você está envolvido demais no que escreve, se você mergulhou na história, você já é parte integrante, a obra não se sustenta sozinha. Para se criticar, para se avaliar, é necessário criar uma distância. Antônio não consegue fazer isso, não consegue separar, e é por esse motivo que “Um Crime Delicado” é, basicamente, uma confusão de fatos difíceis de entender*.
*ironicamente, esse é o motivo de o livro ser SENSACIONAL: porque nenhuma obra jamais deixou essa mistura transparecer.
É também por essa necessidade de distanciamento que revisamos tudo só no final, porque aí nós abandonamos boa parte do escritor para nos tornarmos o leitor-crítico. E um crítico que não poderia ser mais perfeito, porque é você próprio.
Eu não vou me estender muito mais, acho que o post já está longo o bastante. Mas o que deve ser pensado é justamente isso: não devemos ter medo diante do nosso reflexo no espelho. Você, você aí, SEU LINDO, não tenha medo de analisar a sua obra, de criticá-la e odiá-la por um tempo. Quando é você a sugerir a mudança de alguma linha, é porque ela deve ser mudada. Não há ninguém mais adequado a fazer isso do que você mesmo. Porque só você tem a mesma vivência literária e humana do autor. E só você é capaz de separar as três partes do processo da maneira que sua obra merece.
- Igraínne Marques (vulgo Igra)
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Sérgio Sant'anna,
Um crime delicado
2 comentários
Eu estudo Letras e agora estou doidinha para chegar em Teoria IV! Crítica literária é um assunto que me interessa muito, por vezes até mais do que as próprias obras >.<
ResponderExcluirtb li Um Crime Delicado e, na verdade, desde o começo desconfiei demais do Antônio, justamente por essa necessidade dele de se justificar a cada coisinha apresentada. mas vergonhosamente nem tinha pensado nessa questão do distanciamento, e eu tenho um problema com isso. eu escrevo, escrevo, escrevo e depois não consigo parar para reler tudo, revisar, tirar o que não é necessário. acho que é um misto tanto de preguiça como de vergonha de se ver nas próprias palavras, sabe...
Mais uma coisa - posso te perguntar se você estuda Teoria da Literatura com uma professora chamada Henriqueta? Eu fiquei doidinha aqui ao ver que você teve O MESMO trabalho que eu tive esse semestre!! Admito que não fui muito fã
desse livro (que cara enjoado esse Antônio Martins), mas deu para perceber que ele é mesmo muito bom.
Siiiim! Agora já sei que vc provavelmente é da uerj e por algum motivo não te conheço! uhsuhauhsuhas, Mas eu amo esse livro!! Entrou para os meus favoritos. qq
ExcluirAcho que o Antônio acabou se tornando o tipo de pessoa que existe - mesmo minimamente - em cada um de nós. Ele é enjoado de um jeito legal poxa, quase vintage nn. HAHAHA
Beijão!