CCLivros
clube de escrita
Clube de Escrita: Criando uma ideia a partir do nada ao vivo (só que não)
8.6.13Dana Martins
"Então... Logo, logo Julho tá ai e tem o Camp de novo e eu não quero me perder e ficar confusa e desistir. Mas eu não sei como planejar a história! D: Sei nem qual ideia eu escolho x.x Como vocês decidem qual ideia desenvolver? E como planejam a história? E o que fazem para não se perder? :S"
A linda da Anna perguntou isso lá no grupo do Clube de Escrita e eu decidi responder. Para minha surpresa, a resposta me levou em uma aventura para criar uma nova história que agora eu tenho até vontade de escrever. E talvez eu escreva mesmo.
Bem, primeiro eu acredito que dá para começar uma ideia de qualquer coisa. E é por isso que eu decidi fazer um post criando uma ideia de qualquer coisa. Tudo o que eu escrevi aqui foram ideias que eu tive enquanto fazia o post. Nada disso tinha passado pela minha cabeça. Até decidir responder a pergunta da Anna, não tinha nem cogitado escrever algo assim.
Vamos ver como eu crio uma história
Parei agora para pensar em uma ideia, a primeira coisa que veio na minha cabeça foi a imagem de uma menina de cabelo rosa andando na rua.
A primeira coisa que eu faço é tentar entender o motivo de me chamar atenção. O que tem de demais em uma garota de cabelo rosa andando na rua?
E então eu começo a desenvolver a imagem que eu to vendo:
"Por que eu gosto disso?
Sei lá, porque eu gosto da ideia de uma garota de cabelo rosa andando na rua. Uma rua de asfalto azul em um bairro residencial no meio de uma tarde ensolarada com cara de comum, aquele tipo de dia que passa sem chamar atenção.*
E porque ela usa uma calça jeans azul meio caída e move o quadril de um jeito despreocupado. E a sua despreocupação fica clara pela camisa: uma babylook meio branca, ou cinza, bem velha. Ou talvez seja só a moda. Talvez ela seja uma garota insegura cheia de medos que se esconde por atrás de um estilo desleixado. Não, não pode ser. Porque quando ela sorri e você observa o brilho nos olhos dela, você tem certeza de que tem algo mais ali. Ela é com certeza a garota que vai acabar com a sua noite - logo depois de garantir que essa foi a melhor noite da sua vida.
Ela parece um personagem do John Green, mas muito menos problemática do que uma Margo Roth Spiegelman. Me pergunto se ela também tem um nome de impacto assim. Ou uma penca de nerds babando em seu rastro (isso eu tenho quase certeza de que sim). Ou se para ficar com ela é preciso passar por um exército de ex-namorados, à la Scott Pilgrim.
Mas o que eu realmente quero saber é que história existe por trás disso."
*Esse trecho sobre a rua eu escrevi depois de tudo, porque foi o que ficou faltando para descrever minha visão do ambiente e ali no início pareceu um bom lugar para ter a descrição.
Pronto, agora eu já entendi a ideia que me chamou atenção. É aquela garota, andando naquele cenário e alguém que parece interessante (pelo menos para mim). Mas agora eu tenho que pensar: e daí? que história é essa? sobre o que é isso?
Você pode guardar isso e esperar o momento que o raio vai cair, ou pode pensar em modos de usar essa ideia.
Por exemplo: Isso que eu escrevi poderia ser uma narração de outro personagem? Ou vou usar em primeira pessoa dela? A história é sobre ela? Ou ela é o interesse romântico?
Isso não é o tipo de coisa que você saiba, é o tipo de coisa que você escolhe (e pode mudar depois!). A minha solução foi:
Enquanto eu escrevia imaginei um garoto olhando pela janela. Depois imaginei que, na verdade, ele estava deitado no gramado escrevendo quando essa garota apareceu, capturou sua atenção e ele começou a escrever sobre ela.
A partir disso eu tenho uma série de perguntas. Por que ele estaria deitado no gramado no meio da tarde? E escrevendo? Isso é um diário?! Estou pensando seriamente em tirar que ele estava escrevendo, mas seria interessante brincar com um personagem masculino sonhador que escreve em diários! Ainda mais que ela parece o oposto disso.
Mas isso me leva a uma outra pergunta: quem é ele? quantos anos ele tem? Ou será que é elE mesmo? Poderia ser a visão de uma senhora, ou usar como base para uma conversa entre duas senhoras:
Uma vê a menina e se orgulha pela força da juventude, com saudade de seu passado de independência e ousadia, enquanto a outra faz uma crítica sobre a juventude maluca atual. E enquanto as duas discordam, uma nave alienígena cai de repente ali perto e explode tudo quanto é vidro. E as duas senhoras e a menina nada tinham a ver com a história principal, era só uma introdução cheia de estilo para algo mais. Ou talvez você escolha fazer uma crônica sobre as duas mulheres e suas visões sobre o mundo.
Ou talvez volte ao garoto deitado na grama vendo a menina...
O que acontece depois? Ela vira do nada e vai falar com ele? Ela passa direto? Ele levanta e vai falar com ela? Ele está em uma onda de "ousadia" e manda uma cantada de pedreiro? Gostei disso.
"Vejo ela passar pela minha casa andando sem nem me notar e eu sinto como se tivesse perdido uma oportunidade. Eu sempre espero que coisas extraordinárias aconteçam na minha vida, mas nunca faço nada. E é sempre assim: eu vejo a chance se aproximar e caminhar lentamente para longe. Nem dar tchau eu dou. Mas não dessa vez. Sinto meu corpo ficar tenso em antecipação ao que eu vou fazer e preciso travar uma pequena batalha para me convencer. O que eu tenho a perder?
Reunindo toda a minha coragem, me apoio no cotovelo, ergo um pouco o corpo e grito:
- Com um moranguinho desse lá em casa, eu largava a dieta do iogurte!
Ela para no mesmo instante e eu congelo junto, a adrenalina me abandona e eu largo o corpo tentando afundar junto com a minha toalha no jardim e torcendo para ela não me notar. Não escuto nada, só alguma coisa rangendo em algum outro lugar ao longe.
Ainda silêncio. Levanto a cabeça e arrisco olhar, mas ela voltou a andar como se nada tivesse acontecido. Relaxo o corpo e volto a respirar novamente. Devia ser proibido exigir tanta energia só para falar com uma garota. E iogurte? Sério? Eu vou me arrepender disso mais tarde. Mas nesse momento só quero continuar deitado fingindo que o mundo não existe e aproveitar a sensação boa da pressão que minha testa faz sobre o meu braço.
Dor explode na lateral do meu corpo e eu pulo para trás tateando minha cintura e olhando em volta. Um rosto emoldurado por cabelos rosas entra em foco. Mas que porra é essa?
- Que porra foi essa? - as palavras dela ecoam as minhas, o rosto dela distorcido em irritação e não tão bonito. Ela está com o corpo meio curvado e os punhos erguidos pronta para o segundo round. Eu jogado na grama sentindo minha cintura latejar.
- Paz! - grito tentando levantar as mãos em sinal de rendição, mas o machucado dói demais e eu coloco a mão sobre o ponto latejante outra vez."
E eu não sei novamente como continuar, mas vamos recapitular: Primeiro eu procurei algumas alternativas em relação ao "O que é isso? O que está acontecendo? Por que isso está acontecendo? O que vai acontecer depois? Quem são eles? Quem está narrando? Por que eu escrevi isso?" e consegui encontrar uma opção que ativou minha imaginação o suficiente para escrever esse outro trecho. Agora eu pararia e tentaria entender mais. O que ela vai dizer? Por que ela veio dar o chute nele? O que ele vai dizer?
E não tenha medo de escrever ou testar coisas ridículas. Essa cantada do iogurte brotou na minha mente e, por mais que seja horrível, eu decidi usar mesmo assim para continuar escrevendo porque não importa tanto agora. Talvez eu até mude depois. Mas por enquanto só isso me deu ideia de:
1- ela vai falar algo tipo "largar a dieta do iogurte, sério?" e ele vai responder "pelo menos nisso nós concordamos, é uma cantada horrível";
2- Eles vão ser meio parecidos demais (repara que ele pensa "que porra é essa?" e ela fala o mesmo) e ao mesmo tempo vão sempre se desentender;
3- Dieta do iogurte? Por que ele falaria isso? Decidi que ele vai ser aquele cara grandalhão, meio desajeitado e acima do peso (pela aparência, um pouco uma versão adolescente do loirinho de Hora do Recreio);
4- Eles vão ser um pouco amigos, não sei se chegar a ter algo amoroso, e vão aprender muito um com o outro - e juntos;
5- Isso vai virar uma piada interna deles.
Tudo isso por causa de uma cantada idiota que veio na minha cabeça e eu quase descartei.
Eu escrevo tendo uma ideia, vendo possibilidades a partir dela, escolhendo uma e vendo novas possibilidades a partir disso. E vai chegar a um ponto em que a história se cria sozinha: depois que conhece seus personagens, o mundo e os acontecimentos, eles é que ditam as regras, porque você precisa ser real. Nessa cena que eu inventei, o garoto está totalmente congelado no gramado e não posso colocar ele se saindo bem, porque eu defini que ele é meio tímido e medroso. Para eles continuarem juntos em uma história vai ter que depender dela ou de algo no cenário aparecer.
O que ela veria em um garoto estranho com uma cantada horrível? Ela achou meio... bonitinho a ideia do iogurte, mas antes precisava manter sua honra com um chute para mostrar a sua oposição a homens que gritam cantadas desse jeito? Ela estava só perambulando e viu nisso a oportunidade de passar a tarde às custas de um garoto bobo? E mãe dele abre a porta e encontra os dois e "por que você não chama a sua amiga para o lanche, querido?"?
Eu provavelmente ficaria com isso dela secretamente gostar da cantada. E depois colocaria a mãe aparecendo. Ela aceitando porque também está numa de "não tenho nada a perder e é comida de graça", e ele ficando meio puto (mais orgulho ferido, é claro que ele quer conhecer a garota bonita). Mas você também poderia decidir que ela é uma vadia maldosa e vai se aproveitar dele.
Ou que, na verdade, ele é um jovem em um serviço secreto especial e está fazendo sua primeira missão em campo, e ela é uma agente gostosa por quem ele tinha uma paixão platônica. Quando ele viu a mulher passar (nessa versão eles não são mais tão adolescentes), ele testou dar a cantada. E aí ela aparece, dá o chute e pergunta o que ele tá fazendo ali. E aí você começa o processo: o que ele está fazendo ali? em uma missão secreta? Que missão é essa? ...?
Reparou como uma ideia simples de uma garota andando na rua pode virar mil opções? Uma crônica, uma história de alienígenas, um YA contemporâneo estilo John Green, um Mean Girls, uma história de espiões... e isso só por enquanto. Consigo imaginar uma saída sobrenatural para histórias de espiões. Ou na versão do John Green colocar que a garota estava caminhando logo após seu mundo ruir ao descobrir que é uma decendente de fadas e faz parte de alguma grande intriga política no submundo mágico (e quando ele aparece, ela desconta a raiva nele). Aliás, esse garoto nem precisa existir... dava para transformar isso em narração em primeira pessoa e pensar diretamente no de onde ela veio, para onde ela está indo e por quê.
E tem mais um detalhe importante.
Depois que eu crio essa base da história (quem eles são, o mundo que eu quero), eu penso no: e daí? A história é sobre eles como amigos? O que vai acontecer? O que eles vão descobrir juntos? É tipo definir um ponto de chegada.
Nessa história, no momento, eu tinha vontade de fazer algo estilo John Green. E tinha vontade de fazer os personagens passarem por cima dos próprios limites. Mas eu sinto que corre bastante risco de eu ficar entediada no meio. Esse é o motivo de definir o ponto de chegada, ter certeza de que vai te levar onde você quer ir. Então agora eu pararia e começaria a pensar em sobre o que pode ser a história em si. Ou continuaria escrevendo só pela diversão e para conhecer mais o mundo e os personagens - e aí tentaria entender sobre o que eles estão falando. A trama principal.
Talvez isso não aconteça de um dia para o outro, mas quanto mais você pensar na história ou pesquisar algo que você pode gostar, mais fácil vai ser inventar essa trama.
Enquanto eu escrevia a parte anterior, meu cérebro ficava pesquisando opções. Pensei em algum assassinato que eles vão resolver juntos, mas viraria um mistério e eu não quero isso pra essa história. Então eu comecei a pensar que "projeto" dois adolescentes poderiam se envolver que pudesse fazer eles se aproximarem em uma "aventura." Tive a ideia de que ela estaria juntando dinheiro para alguma coisa.
Pronto. Minha história está pronta:
Al e Candy (nomes aleatórios do momento, Candy é muito doce para ela, mas pareceu propício... preciso falar que veio da cantada idiota do iogurte? Mas quero encontrar algo que soe mais apimentado.. Pepper? Gostei de Pepper, mas ainda quero usar o Candy de algum modo, vou ver isso depois.)
Recomeçando:
Al e Candy Pepper estão em um momento da vida em que ambos estão procurando soluções e cansados demais da própria rotina a ponto de arriscarem ("Não tenho nada a perder..."). É assim que acabam se conhecendo, e unidos por alguns hematomas e o acaso embarcam em uma aventura para conseguir 10 mil reais até o fim do verão. Primeiro passo: descobrir como conseguir 10 mil reais.
A partir disso tudo o que eu tenho que fazer é 1- continuar escrevendo aquela parte; 2- conhecer mais os personagens; 3- descobrir junto com eles como vão conseguir 10 mil reais; 4- Ah! E inventar pra que ela precisa desse dinheiro.
E não é magia, é só analisar variáveis a partir de dados fixos. Você não pode colocar que ela quer 10 mil reais para colocar silicone se você definiu que ela tem peitos grandes, não se importa com isso, não vai abusar do garoto e que ele é o chefe da ONG anti-silicone desde que a irmã dele morreu em uma operação para colocar um. Ou pode ser que ela queira justamente isso, e vai ser um romance arrebatador que vai fazer ele roubar dinheiro da ONG, ver que nem todo mundo morre por causa de silicone e ao mesmo tempo ela vai aprender a não ser tão desesperada pela aparência.
(e depois descobrir que, na verdade, sua história é sobre um casal tendo que se virar nos 30 para devolver o dinheiro que roubaram da ONG antes que levante suspeitas)
Mas no meu mundo, a Candy Pepper é do tipo que ri de garotas que pensam em colocar silicone. É uma informação que eu defini. Então nada disso de silicone. Acho mais fácil ela se envolver com algo por artes (provavelmente música ou fotografia), talvez viagens e estudos - talvez viajar para estudar. Eu não sei, ainda tenho que definir mais sobre a vida da personagem para saber o que ela quer.
Bem, gente, paro por aqui. A pergunta da Anna rendeu mais do que isso, então depois eu venho para falar para o que fazer para soltar a imaginação. Só um complemento. (:
-dana martins
TAGS:
CCLivros,
clube de escrita,
criar ideias,
Dana Martins,
Dicas,
escrever livro,
exercício,
nanowrimo,
prática
1 comentários
Adorei essa história! Deu até vontade de escrever sobre algo assim... Me lembrou 2 Broke Girls onde duas garotas tentam arrecadar não-sei-quantos-mil dólares para abrir uma cupcakeria.
ResponderExcluirPensa numa roadtrip onde eles tiveram dinheiro pra ir, mas não tem como voltar (tirando o fato de 10 mil ser muita grana pra isso) ou os dois terminando a faculdade e indo abrir um negócio próprio juntos. São várias possibilidades mesmo :)
Obrigado pelas dicas!